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A Militares e restauração oligárquica.' as lições dtJ caso argentirw.

No documento Revolução de 30: seminário internacional (páginas 190-192)

o golpe de Estado do general Uriburu que, em 4 de junho de 1930, derruba o presidente Yrigoyen, se insere numa situação institucional relativamente rara no subcontinente. O presidente denubado havia sido eleito por esmagadora maioria dois anos antes, através do sufrágio universal. Chefiava um grande partido político, a União Cívica Radical, fundado no fim do século precedente. O voto se­ creto universal instaurado em

1 9 1 2 pelas elites tradicionais à procura de um

consenso que legitimasse, de modo durável, sua dominação sócio-econômica pertnítiraa Yrigoyen ser eleito presidente pela primeira vez em 1 916. Encontramo­ nos, pois diante de um sistema poHtico aberto em uma sociedade moderna e complexa, culturalmente homogênea, apesar do impacto da maciça imigração européia, no qual a UCR constitui uma força polltica de raizes populares, essencialmente vinculada à liberdade de voto e a uma distribuição da prosperida­ de agroexportadora em beneficio das classes intermediárias rurais e urbanas. Suas veleidades nacionalistas são acompanhadas de uma atitude, no fundo, antiindus­ trialista: a UCR é um partido de consumidores e de pequenos e médios produtores agricolas que defende, portanto, o consumo popular e protege a produção agropastoril.

O próprio Yrigoyen se vangloriava de não ter programa econômico

que se opusesse ao projeto da oligarquia liberal que "tomou" a Argentina moderna em seu beneficio, "celeiro do mundo" e mercado privilegiado para a indústria britãnica. Enquanto sua segunda presidência se coloca sob o signo de modestas reformas sociais, mais que a legislação trabalhista e rural promulgada na ocasião é o esplrito democrático e a fibra populista do velho combatente republicano que gera a desconfiança dos meios conservadores. Yrigoyen, homem de diálogo, passa desde então a ser associado, por força do grande temor dos possuidores, às greves insurrecionais de

1 9 1 9- 1920,

que entretanto reprimiu sem piedade. Em face das dificuldades econõmicas que se anunciam, os radicais não constituem uma garantia suficiente. Em periados de "vacas magras", o controle à distãncia praticado pela oligarquia já não basta. E como os conservadores foram incapazes de construir um partido de massa, capaz de arrebatar legalmente o poder dos radicais, é um golpe de Estado que irá restaurar o antigo regime.

O

governo do general Uriburu, composto de sócios do Jocltey Club e da

SocUdad Rural,

freqüentemente envolvidos em negócios antes de

1 9 1 6,

vai restabelecer, contra os "arrivistas" do radicalismo, as elites tradicionais, de

A Revolução de

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"capacidade comprovada" por uma experiência familiar da coisa pública contra a vontade geral e a "aritmética eleitoral", restitui-se o poder à Hrazão coletiva" dos mais esclarecidos. Mais concretamente, as novas autoridades se propõem antes de tudo a retomar a condução da economia nacional, a submeter os trabalhadores, a podar o funcionalismo público, que era sob o regime radical um meio nada desprezivel de redistribuição da renda nacional em be!,eflcio das classes médias, a

reduzir deste modo as despesas do Estado, e a reformar o sistema politico para impedir dal para frente que os "plebeus" e os "demagogos" tomassem legalmente o poder. Nesse ponto Uriburu está bem longe de contar com a unanimidade dentro de seu próprio campo. Favorável por seu lado a uma reforma corporativista da constituição, inspirada nos autoritarismos europeus, ele tem contra si os partidos anti-radicais e o

establlihment

liberal, que teme as aventuras e as inovações institucionais. O general Justo, que tem o apoio da maior pane da hierarquia militar, encarna o projeto contrário de restauração da democracia com participa­ ção

restrita. Finalmente, em 1952,

os partidários de uma "nova ordem" são derrotados ef com Justo, o conservadorismo aristocrático dos liberais sai vitorioso. Graças às proscrições e à fraude eleitoral, batizada de "patriótica" para a circunstância, os "preponderantes" dirigem a Argentina durante a "década infame" até o golpe de Estado militar de 1 943. Em

1946, Perón poderá, com boas

razões, vangloriar-se de ter restabelecido a "soberania popular".

Se examinarmos a participação militar nesta urevolução restauradoura" em setembro de

1930,

é forçoso reconhecer que foi relativamente limitada.

Paseo

militar,

no dizer das vitimas e dos beneficiados. O regime caiu por si mesmo, nem ao menos se defendeu. De fato, Yrigoyen, como se sabe hoje, foi traldo pelos seus. A maior parte do Exército se omitiu, sem panicipar. Frente à hostilidade das unidades da Grande Buenos Aires, Uriburu, a1iàs general da reserva, cercado de alguns jovens oficiais, precisa apelar para os cadetes e para as escassas tropas da Escola Militar. Uma grande afluência de opositores civis, juventude dourada dos bairros elegantes, segue seus passos. Este golpe de Estado é o menos militar possivel, salvo por uma questão em relação à qual Uriburu se obstinava: nenhum politico civil partilha a sua direção. Se os comandantes de unidade tiveram que receber um puxão de orelha antes de se juntar ao novo poder, às vezes com entusiasmo, os projetos de reforma corporativista da ditadura ntilitar despertam a oposição do Exército. Os oficiais aceitaram em sua maioria a deposição de um presidente que a seus olhos parecia envelhecido e desacreditado,mas desejavam um retomo à "nonnalidade" e condenavam os objetivos constitucionais de Uriburu, que estavam atemorizando a classe poUtica.

Se se compara, sob o ãngulo da participação militar, este golpe de Estado às

"revoluções radicais" anteriores à obtenção do voto secreto universal, percebe-se que o Exército argentino contribuiu mais para o acesso do. radicais ao poder do

que para seu afastamento. A contribuição numérica dos militares na virada do século, visando pôr fim ao Estado oligârquico "excludente" e ampliar a sociedade

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Seminário Internacional

politica, é efetivamente muito importante, tanto em 1 890 quanto em 1905. E são os "oficiais de escola" do novo exército que tomam pane ativa nos ''pulseM democráticos"4. Um dos protagonistas militares do golpe de Estado de

1930,

engajado ainda jovem oficial na rebelião de 1905, imagina que 2/3 do Exército se hajam sublevado então (sem sucesso) contra o regimeS. Yrigoyen afirmará alguns anos após o episódio que cerca de mil oficiais das forças terrestres tinham tomado parte do movimento Hrevolucionário"6. E não nos esqueçamos de que é por exigência dos radicais que a confecção das listas eleitorais, a partir de

1912,

é confiada ao Exército.

Isto não deve dissimular as profundas diferenças que separam os dois tipos de movimento. Nos

putschs

radicais, os militares saem dos quanéis sob a direção de chefes civis. Estas

puebladas

não são "rebeliões de casemau, para usar a expressão dos radicais argentinos da época. Com uma participação militar mínima, o golpe de 6 de setembro ê uma manifestação de militarismo. Militares que desconfiam dos civis não se limitam a dirigir as operações, mas querem impor seu próprio projeto politico, o que é novo. Último

pronunciamento

do século XIX, o golpe de Estado de Uriburu inaugura a era militar da qual a Argentina não mais saiu. Escusado dizer que, a partir deste momento, todas as altas patentes, comandantes de unidades e membros dos Estados-maiores se vêem na obrigação de tomar panido. Deta! modo que o regime instaurado em

1930 e que subsistirá, no dizer

dos radicais e democratas, por toda uma "década infame" lhes deve,

por

ação ou por omissão, o nascimento. Assim, com Uriburu os militares tomam consciência de sua possibilidade de ação política organicamente autõnoma - em relação aos panidos, ainda que inspirada por eles-, ao mesmo tempo que o "fechamento" do sistema e os meios utilizados para tantO, com base na violência oficial, comprometem todo o Exército com o poder restaurado da oligarquia dos

beef

baTons.

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