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CAPÍTULO 7 O DEVER DE INDENIZAR DO ESTADO BRASILEIRO FRENTE ÀS

7.3 Óbices internos à responsabilidade do Estado e a Jurisprudência da Corte

Pode o Estado brasileiro alegar sua irresponsabilidade pela violação de direitos humanos em face de lei, sentença judicial com trânsito em julgado (res

judicata) ou ato administrativo?

A indagação comporta análise de cada uma das objeções: a) Leis violadoras da Convenção Americana

A Corte enfrentou a questão em dois pareceres consultivos e alguns julgados.

O primeiro é o Parecer Consultivo n.º 5/85,115 sobre a filiação obrigatória de jornalistas, no qual a Corte considerou que a Lei n.º 4.420 da Costa Rica violava a Convenção Americana ao exigir diploma universitário e filiação ao Conselho Profissional dos Jornalistas como requisito. A Corte declarou que esse diploma legal

113

Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Paniagua Morales, Mérito, Série C n.º 37, sentença de 8 de março de 1998, §§ 93 e 95.

114

Corte Interamericana de Direitos Humanos, ob. Cit. § 91. 115

violava a liberdade de expressão, o direito de todos de receber informações e o direito à comunicação.

O segundo é o Parecer Consultivo n.º 14/94,116 de 9 de dezembro de 1994, referente à interpretação dos arts. 1.º e 2.º da Convenção Americana de Direitos Humanos. Sobre o teor da consulta, nela a Comissão indagou quais os efeitos jurídicos de uma lei violadora da Convenção editada por um Estado-parte na referida Convenção e quais as responsabilidades dos funcionários que porventura tenham feito executar tal lei. Concretamente, tratava-se da ampliação dos casos em que se admitiria a pena de morte pelo art. 140 da Constituição do Estado do Peru, cujo teor é : “Art. 140 – A pena de morte somente poderá ser aplicada ao crime de traição à pátria em caso de guerra externa, para o crime de terrorismo, de acordo com as leis e tratados em que o Peru é parte.” Tal dispositivo revogava o art. 235 da anterior Constituição peruana que somente admitia pena de morte para os casos de “traição à pátria em caso de guerra externa.” Alegava-se que o dispositivo constitucional peruano feria o art. 4.º da Convenção Americana:

2. Nos países que não tenham abolido a pena de morte, ela somente poderá ser imposta aos crimes mais graves e em cumprimento de sentença prolatada por juízo competente e de acordo com lei que estabeleça tal punição, editada anteriormente à prática do crime. Tampouco a aplicação dessa pena será estendida para delitos aos quais não se aplique atualmente. 3. A pena de morte não pode ser restabelecida nos países que tenham-na abolido.

Respondendo as indagações da Comissão, a Corte estabeleceu que os arts. 1.º e 2.º da Convenção obrigam os Estados membros a respeitar direitos e liberdades nela reconhecidos e adotar medidas legislativas ou outras necessárias para a efetivação dos referidos direitos e liberdades. Declarou que, de acordo com o Direito Internacional, todos os deveres assumidos devem ser cumpridos de boa-fé e que a legislação nacional não pode ser invocada para justificar o seu descumprimento. Finalizando, afirmou que toda violação de direitos humanos por agentes ou funcionários de um Estado é de responsabilidade deste.

Como se observa, a responsabilidade internacional do Estado não é subtraída pela alegação de cumprimento de lei interna violadora da Convenção, mesmo que seja norma constitucional.

primeira vez, demonstrando opção pelo dualismo de ordens jurídicas, onde caberia a cada Estado resolver o problema com base na teoria que siga em matéria de hierarquia de leis. Alegou que os funcionários do Estado devem submeter-se aos ditames constitucionais e por último, numa argumentação capciosa com vistas a trazer perplexidade aos juízes da Corte, bem ao gosto dos juristas nacionais, a indagação sobre quem assumiria a responsabilidade: o povo que referendou a Constituição do Peru, ou quem efetivamente executou a sentença que impôs a pena capital.

A resposta é singela: a responsabilidade internacional é do Estado.

Quanto à jurisdição contenciosa, a Corte julgou várias ações envolvendo o assunto. Exemplar deles, o caso Maqueda X Argentina,117 resultou em acordo. Da ação, consta que Guillermo Maqueda e membros de uma organização política pretendiam fazer uma manifestação pacífica nas imediações do quartel das forças armadas da Argentina. Quando chegaram em La Tablada, se depararam com um confronto armado entre um grupo que queria tomar o quartel e o grupo que defendia o quartel. Quatro meses depois, em 19 de maio de 1989, Maqueda foi preso. Em 11 de junho de 1990, foi condenado a dez anos de prisão, com base na Lei n.º 23.077/84. Maqueda recorreu da sentença, mas a Câmara Federal de Apelação de San Martín denegou o recurso. Dessa denegação houve recurso à Corte Suprema de Justiça, que também foi denegado, esgotando-se assim a jurisdição interna.

Na verdade os sucessivos recursos foram denegados porque a Lei n.º 23.077/84 não contemplava nenhuma espécie de apelação ou recurso mais amplo perante nenhum tribunal de alçada.

Em 15 de setembro de 1992, a Comissão Interamericana recebeu a “denúncia” de Guilhermo Maqueda. Alegava-se violação dos artigos 2.8 e 25 c/c do artigo 1.1 da Convenção Americana. Após os trâmites regulares perante a Comissão, sem solução satisfatória pelo Estado Argentino, a ação foi proposta perante a Corte em 25 de maio de 1994. Em 20 de setembro de 1994 o Estado Argentino e os representantes de Guilhermo Maqueda celebraram um acordo pelo

116

Idem, p. 439. 117

Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Maqueda, Série C, n.º 18, sentença de 17 de janeiro de 1995.

qual ele seria colocado em liberdade e desistiria da ação e de pedido de indenização, o que efetivamente ocorreu. A desistência foi admitida pela Corte e o caso encerrado.

A importância do caso reside no reconhecimento, embora não tenha havido tecnicamente um julgamento, de que o Estado parte na Convenção a viola por editar lei incompatível com os direitos humanos que ela assegura. Portanto, um ato legislativo, uma lei, pode acarretar a responsabilidade internacional do Estado.

Outro caso exemplar é o Caso Barrios Altos X Peru. O Caso é o seguinte: Por volta das 22h30, do dia 3 de novembro de 1991, seis indivíduos fortemente armados chegaram ao povoado de Barrios Altos, região de Lima. Ao chegarem, as pessoas do lugar faziam uma festa para arrecadar fundos para reformar um imóvel do lugar. Chegaram em um Jeep Cherokee e um Mitsubishi. As luzes e sirenes indicativas de que eram da polícia foram desligadas.

Os indivíduos, cujas idades oscilavam entre 25 e 30 anos, cobriram os rostos e obrigaram as vítimas a deitarem-se ao solo. No solo, lhes dispararam indiscriminadamente por cerca de dois minutos, matando 15 pessoas, ferindo gravemente quatro, sendo que uma destas, Tomás Ortega, ficou permanentemente incapacitado. Feito isto, com a mesma rapidez com que chegaram, saíram ligando as sirenes.

As investigações revelaram que os criminosos eram membros do exército peruano, componentes de um grupo anti-subversivo que atuava em perseguição a integrantes do “Sendero Luminoso”. Segundo noticiou a imprensa, os fatos aconteceram em represália a um ataque sofrido pelo exército por parte de guerrilheiros, próximo a Barrios Altos, em 1989. Somente em 1995 o Ministério Público pode denunciar os responsáveis pelo massacre. Eram cinco generais do exército peruano, os quais seguidamente se recusaram a serem ouvidos.

Apresentada a denúncia, os denunciados alegaram a incompetência do juízo criminal comum, dizendo, quatro deles, que competente era a justiça militar e um deles que tinha foro privilegiado, eis que era ministro de estado. Mesmo assim o 16.º Juizado Penal de Lima começou a apuração do caso. Porém, o Conselho Superior de Justiça Militar, proferiu uma resolução impedindo os acusados e o comandante geral do exército de prestarem informações a qualquer outro órgão judicial.

Paralelamente, os tribunais militares interpuseram junto à Suprema Corte uma petição reclamando a competência de julgar o caso. Porém, antes que a Suprema Corte decidisse o assunto, o Congresso peruano sancionou a lei de anistia, Lei n.º 26479, que anistiava os militares policiais e civis que houvessem cometido violações dos direitos humanos entre 1980 e 1995.

O juiz do caso entendeu que a Lei n.º 26479 era inconstitucional e contrariava a Convenção Americana, portanto, não se aplicava ao massacre de Barrios Altos. Os acusados recorreram dessa decisão.

Com a negativa de aplicação da lei de anistia, o Congresso aprovou uma segunda lei de anistia, a Lei n.º 26492, que proibia a revisão judicial dos casos anistiados e declarava obrigatória a aplicação dessa lei, a qual ampliava o alcance da lei anterior.

Em 14 de julho de 1995, a Corte Superior de Lima decidiu em sentido favorável à aplicação da lei de anistia e conseqüente arquivamento do caso Barrios Altos. Decidiu também que o órgão judicial de controle interno deveria investigar o juiz prolator da sentença, sob o argumento de que o mesmo havia interpretado as normas incorretamente.

Em 29 de janeiro de 1996, La Associación Pro-Derechos Humanos – APRODEH apresentou denúncia ante a Comissão, no que foi secundada pela

Comisión de Derechos Humanos, que representava duas das vítimas.

O procedimento transcorreu normalmente na Comissão, a qual ajuizou ação perante a Corte em 8 de junho de 2000. Após, as alegações regulares das partes, a Corte, por unanimidade declarou a responsabilidade internacional do Estado peruano, reconhecendo que o mesmo violara o direito à vida, o direito à integridade corporal, o direito às garantias judiciais das vítimas.

Declarou ainda, da mesma forma, a responsabilidade do Estado do Peru por violação à Convenção Americana em razão da promulgação e aplicação das leis de anistia e que referidas Leyes n.º 26479 e 26492 “são incompatíveis com a Convenção” e, em conseqüência, “carecem de efeitos jurídicos.”

Como reparações, a Corte determinou que o Estado do Peru era responsável por investigar e punir os agentes que violaram os direitos humanos das vítimas e dispôs que as indenizações fossem acordadas pelas partes.118

O caso fala por si mesmo. É inegável a responsabilidade internacional do Estado em razão da edição de leis violadoras da Convenção Americana.

b) Sentença judicial violadora da Convenção Americana

A Corte Interamericana de Direitos Humanos já enfrentou a questão da sentença judicial que viola a Convenção Americana. Decidiu a Corte que a res

judicata não constitui óbice à responsabilização internacional do Estado. Dois casos

são ilustrativos: o “caso Loayza Tamoyo”119 e o “caso Cesti Hurtado”,120 ambos contra o Estado peruano.

No primeiro deles, a professora universitária Maria Elena Loayza Tamoyo e Ladislao Alberto Loayza foram presos sob a imputação de pertencerem ao grupo armado “Sendero Luminoso”, por membros da Divisão Nacional contra o Terrorismo da Polícia Nacional do Peru, no dia 6 de fevereiro de 1993. A senhora Tamoyo, após presa, foi torturada, humilhada e estuprada. Julgada pelo Juizado Especial da Marinha, foi absolvida em 5 de março de 1993. O Supremo Tribunal Militar Especial confirmou a absolvição. Absolvida pelo crime de traição à pátria, a senhora Tamoyo deveria ser colocada em liberdade, porém, o Tribunal Militar entendeu que o crime era de terrorismo, julgado pela justiça comum. Julgada pela justiça comum, a senhora Tamoyo restou condenada a vinte anos de privação de sua liberdade.

118

Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Barrios Altos – Mérito, sentença de 14 de março de 2001. Importante e esclarecedor é o § 42 do voto em separado do Juez de Roux: “Las leyes de amnistía adoptadas por

el Perú son incompatibles con la Convención Americana por varias razones: impidieron que los familiares de las presuntas víctimas de la masacre de Barrios Altos y las víctimas sobrevivientes fueran oídas por un juez, en violación del artículo 25 de la Convención; coartaron la investigación, persecución, captura, enjuiciamiento y sanción de los responsables de la masacre, violando el deber de garantía estipulado en el artículo 1.1 de la Convención; e impidieron el esclarecimiento de los hechos del caso en violación al derecho de la verdad. Además, la Ley de Amnistía n.º 26492 cercenó la independencia del Poder Judicial, em violación del artículo 8.1 de la Convención. Finalmente, la adopción de leyes incompatibles con la Convención violó la obligación de adecuar el derecho interno consagrada en el artículo 2 de la misma.”

119

Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Loayza Tamoyo – Mérito, sentença de 17 de setembro de 1997, série C.

120

Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Cesti Hurtado – Mérito, sentença de 29 de setembro de 1999, Série C.

O caso, após passar pela Comissão, foi submetido à Corte, onde o Estado peruano resultou condenado por violação ao direito de liberdade, violação ao direito à integridade corporal, violação ao devido processo legal e violação à proibição do

bis in idem. Assim, a Corte exigiu a imediata soltura da senhora Tamoyo, não

acatando a defesa do Estado peruano de respeito a res judicata.

No segundo caso, o “Caso Cesti Hurtado”, também ocorreu violação da Convenção Americana por sentença judicial. De acordo com os fatos narrados pela Comissão, o senhor Gustavo Adolfo Cesti Hurtado, militar da reserva do exército peruano, foi processado em 1996, no foro militar, pela prática de crimes de fraude, desobediência e atos atentatórios ao dever e dignidade militar, sendo ordenada sua prisão. Contra essa prisão, o Senhor Hurtado impetrou Habeas Corpus na Corte Suprema de Lima, a qual concedeu a ordem, declarando nulo o processo. Desconhecendo essa decisão, a Justiça Militar continuou com o processo, sendo o Sr. Hurtado efetivamente preso. Em nova decisão, a Corte Superior de Lima determinou que suas decisões são vinculantes e obrigatórias. O foro militar ignorou a decisão. Prosseguiu com o processo e condenou o Sr. Hurtado a quatro anos de prisão e multa de trezentos e noventa mil dólares.

Demandado perante a Corte Interamericana por violação da Convenção Americana, o Estado peruano alegou, dentre outras objeções, a exceção de coisa julgada, eis que o caso do Sr. Hurtado não seria mais passível de revisão. Em 29 de setembro de 1999, a Corte Interamericana julgou o mérito do caso, condenando o Estado peruano por violação do direito de liberdade, do direito à proteção judicial, do direito ao devido processo legal (julgamento de civil pela justiça militar) e pela violação da obrigação de garantir os direitos humanos, ordenando a anulação do processo judicial militar contra o Sr. Hurtado, não aceitando a alegação de res

judicata.

Como se observa, o Estado pode ser responsabilizado por uma sentença judicial que viola a Convenção Americana, não prevalecendo a existência de coisa julgada. Não há a intangibilidade da coisa julgada material no plano interno, quando a decisão ferir a Convenção.

c) Ato administrativo violador da Convenção

Quanto ao ato administrativo não paira dúvida: se violar a Convenção, o Estado é responsável, o que não é novidade, pois no plano interno ocorre o mesmo, sem os tabus atinentes a responsabilidade quanto à lei ou à sentença judicial.

7.4 O Dever de indenizar

Como examinado, a responsabilidade do Estado é objetiva e subjetiva, dependendo do caso. Porém, no Sistema Interamericano, os recursos da inversão do ônus da prova, a presunção de fatos contrários ao Estado demandado e o silêncio ou falta de contestação como confissão ficta, têm feito com que, na prática, a responsabilidade internacional do Estado seja objetiva ou quase isso, daí emergindo o dever de indenizar. Causado o dano, indeniza-se, pouco importando se o ato violador é uma lei, uma sentença judicial ou um ato administrativo. No caso brasileiro, sob o prisma analisado neste trabalho, as violações de direitos humanos ocorrem por omissão do Estado. Essa omissão pode se materializar na ausência da edição de uma lei, na falta de aplicação da lei, na ausência de mecanismos de contenção das violações. A omissão se dá por não agir o Estado quando tinha o dever de fazê-lo. Esse estado de inércia é que gera as violações.

A omissão do Estado brasileiro é caracterizada pela falta de mecanismos de proteção dos direitos humanos. Da ausência de mecanismos, merece relevo a impunidade, que conforme a Corte Interamericana (Caso Paniagua Morales), sua existência propicia a repetição crônica das violações de direitos humanos, deixando as vítimas e seus familiares indefesos (item 6.2).

Ora, há um estado de impunidade notório no Brasil, o que tem permitido e até estimulado, reiteradas, seguidas e freqüentes violações de direitos humanos, mormente os direitos à vida, à integridade corporal e o patrimônio das pessoas. Nessas condições, por exemplo, se alguém mata ou lesiona outrem e não é punido, seja por ausência de lei, seja por sua equivocada aplicação ou inércia do aparelho repressivo público, disso emerge a responsabilidade internacional do Estado brasileiro. Houve violação dos direitos humanos porque o Estado foi omisso na

prevenção e repressão das ações criminosas. Vê-se nesse ponto que o Estado é responsável não porque praticara o ato violador por seus agentes, mas porque, por sua omissão, possibilitou que o particular agisse e violasse os direitos humanos de outrem.

A responsabilidade emerge da omissão, que adquire relevância jurídica. É de se recordar nesse ponto o Caso Paniagua Morales, no qual a Corte Interamericana decidiu que “também se compromete a responsabilidade internacional do Estado, quando este não realiza as atividades necessárias, de acordo com seu direito interno, para identificar e punir os autores de violações“ mesmo que se trate de “delinqüentes comuns”, porque, de acordo com a Convenção “estava obrigado a garantir às pessoas vítimas o pleno e livre exercício de seus direitos humanos”. A omissão é assim juridicamente relevante. Portanto, não basta que o Estado não viole os direitos humanos ativamente. É necessário que o mesmo não permita que outrem os violem. Caso contrário, há o dever de indenizar.

CAPÍTULO 8 AS INDENIZAÇÕES

Falou-se no dever de indenizar no capítulo precedente. Neste capítulo discute-se as indenizações, a forma de execução e a execução interna no Brasil dos valores das prestações devidas como indenizações.

8.1 Introdução

Indenizar significa tornar indene (do latim indemnis), que quer dizer íntegro, livre de perdas, reparado, recompensado (ver 2.2 supra). Em resumo, repor as coisas no status quo ante. Expungir o dano ou minorar-lhe as conseqüências, seja este material ou moral. Dano material é a lesão perceptível no mundo dos fatos que atinge o patrimônio de alguém. Dano moral é a lesão ocorrida no patrimônio ideal de alguém, entendendo-se como tal o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico.

No âmbito da responsabilidade internacional do Estado, ocorrido o dano, as indenizações consistem em reparações de ordem variada, segundo a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

8.2 Reparações

O art. 63.1 do Pacto de San José da Costa Rica estabelece regras sobre as reparações, afirmando:

Artigo 63 – Quando decidir que houve violação de um direito ou liberdade protegidos nesta Convenção, a Corte determinará que se assegure ao prejudicado o gozo do seu direito ou liberdade violados. Determinará também, se isso for procedente, que sejam reparadas as conseqüências da medida ou situação que haja configurado a violação desses direitos, bem como o pagamento de indenização justa à parte lesada.

Efetivamente, a Corte, em seus julgamentos, tem fixado reparações variadas, como demonstra a jurisprudência. Além da obrigação de restituição na íntegra (obrigação de fazer, como a soltura de um preso – caso Tamoyo), há ainda indenização por dano material, por dano moral, obrigação de editar ou alterar lei

interna (Caso Suaréz Rosero), obrigação de punir os responsáveis pelas violações (Caso Velásquez Rodriguez), até a obrigação de tornar nulo o processo judicial (Caso Cesti Hurtado).

O que se nota pela jurisprudência da Corte, é que está havendo um alargamento do sentido das reparações e de quem seja beneficiário. Nos casos em que as sentenças da Corte impuseram obrigações de construir posto médico, editar ou alterar lei interna, punir responsáveis pelas violações, com certeza, as reparações dessa ordem, transcendem em muito os aspectos pecuniários e individuais, atingindo positivamente a coletividade. Tais obrigações se revestem de cunho eminentemente social. Da construção de um posto médico, dele se beneficiam não só a vítima ou seus dependentes, mas toda a coletividade local. Já da obrigação de editar ou alterar lei interna ou da obrigação de punir os responsáveis pelas violações de direitos humanos, se beneficia a coletividade nacional e não as vítimas ou seus dependentes diretamente. Logo, pode-se concluir que nem sempre as partes na relação jurídica material são só as vítimas e seus dependentes, mas também a coletividade local ou nacional, o que dá natureza jurídica pública à questão.

Há casos em que o interesse público suplanta o interesse particular. Isso deverá ser considerado quando se buscar acordo entre as partes, ou nos incidentes processuais em que o ofendido ou seus dependentes venham a se desinteressar pelo processo ou desistir do conteúdo do pedido.

Assentada essa assertiva, entende-se a razão da legitimidade da atuação da Comissão (que funciona como Ministério Público) para propor a ação perante a Corte (art. 57 da Convenção), em conseqüência, a legitimidade do Ministério Público para exigir o adimplemento das obrigações constantes da sentença da Corte, junto ao Poder Judiciário interno, quando houver omissão do Estado, por exemplo, no caso brasileiro, (art. 127 da Constituição Federal).

8.3 Execução

O art. 68.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos estabelece que:

Art. 168.1 – Os Estados-partes na Convenção comprometem-se a