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CAPÍTULO 4 A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO NO SISTEMA

4.2 Origem da obrigação

A Carta da Organização dos Estados Americanos – OEA em seu preâmbulo reza que “(...) a organização jurídica é uma condição necessária à segurança e à paz, baseados na ordem moral e na justiça(...)”. No art. 3.º, letra ‘j’, diz que “a justiça e a segurança sociais são base de uma paz duradoura”, na letra ‘l’ do mesmo artigo

estabelece que “os Estados americanos proclamam os direitos fundamentais da pessoa humana...” e no art. 17 que “(...) no seu livre desenvolvimento, o Estado respeitará os direitos da pessoa humana e os princípios da moral universal.” Fundada em tais princípios e por expressa disposição da Carta da OEA, os Estados Americanos convieram em estabelecer a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Na Convenção – art. 7.º, item 1 – ficou preceituado que “Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais.” É semelhante ao disposto no art. XXII da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social (...)” e é idêntico ao que reza o art. 9.º, item 1, do Pacto Interamericano dos Direitos Civis e Políticos.

Em uma visão tradicional, o direito à segurança, tal qual vem disciplinado nos instrumentos internacionais, é mera garantia da pessoa humana contra as investidas do Estado. É direito que se exerce em face do Estado, exigindo uma prestação negativa deste. O Estado é o violador da norma. Porém, numa interpretação atualizada e moderna, baseada no princípio da eficácia irradiante dos direitos fundamentais, pelo qual a interpretação desses direitos deve ser “ampliada, buscando a leitura mais favorável que deles se possa fazer”,58 o direito à segurança pressupõe proteção tanto em face das violações vindas do Estado quanto das oriundas de particulares. Estipulam, pois, os preceitos positivados nas normas internacionais já vistas, o direito à segurança em toda sua amplitude. Assim, o Estado responde pelas violações ocorridas, quer tenham advindo da ação de seus agentes, quer tenham originado de ações dos particulares. Nessa hipótese, porém, a obrigação deriva da omissão do Estado em não ter adotado as medidas legais, judiciais, legislativas ou mesmo de política social, necessárias à pacificação da sociedade. É aqui o cerne da questão: por ser omisso, o Estado brasileiro está indiretamente permitindo a violação de direitos humanos fundamentais inscritos na Convenção Americana de Direitos Humanos, como o direito à vida (art. 4.º), direito à integridade pessoal (art. 5.º), direito à liberdade pessoal (art. 7.º), direito à indenização (art. 10) e garantias judiciais e proteção da honra e da dignidade (arts. 8.º e 11).

58

ROTHENBURG, Walter Claudius. Direitos Fundamentais e suas Características, Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, n.º 29.

No caso não se exige a abstenção do Estado (não violando tais direitos), mas uma atuação positiva no sentido de implementar mecanismos de atenuação da violência, ou seja, de promoção da segurança. Há uma mudança de postura frente ao tema. O enfoque não é o Estado violador, mas o Estado omisso. A omissão gera a obrigação de indenizar, com suporte no art. 10.1 da Convenção, que estabelece que os Estados-partes se comprometem a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a “garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição”.

Reporta-se aqui a questão da classificação dos direitos fundamentais ou gerações de direitos. Para Ingo W. Sarlet,59 baseado em R. Alexy e J. J. Gomes Canotilho, há dois grandes grupos de direitos: os direitos de defesa e os direitos de prestações. Os direitos de defesa objetivam a limitação do poder estatal, assegurando ao indivíduo uma esfera de liberdade, dando-lhe direitos subjetivos que visam evitar interferências indevidas, dar-lhe proteção ou mesmo eliminar agressões que eventualmente estejam sofrendo na esfera de sua autonomia pessoal. Já os direitos a prestações implicam numa postura ativa do Estado no sentido de que este se encontra obrigado a colocar à disposição dos indivíduos prestações de natureza jurídica e material (fática).

Os direitos de defesa são, portanto, de cunho negativo. Já os direitos de prestações, de cunho positivo. Os primeiros são exercitáveis a qualquer momento. Os segundos, dependeriam do que se convencionou chamar “reserva do possível”,60 cuja satisfação está afeta à possibilidade do Estado e ao poder de jurídico dispor por parte do destinatário da norma.

Para Andreas J. Krell,61 porém, a doutrina moderna (essa é a linha predominante da doutrina constitucional alemã), dá ênfase em afirmar que qualquer direito fundamental contém, ao mesmo tempo, componentes de obrigações positivas e negativas para o Estado. Nessa visão, a tradicional diferenciação entre os direitos da “primeira” e os da “segunda” geração é meramente gradual, mas não substancial, já que muitos direitos fundamentais tradicionais foram reinterpretados como sociais,

59

SARLET, Ingo W. A eficácia dos Direitos fundamentais. Porto Alegre : Livraria do Advogado Editora, 1988, pp. 78 e ss.

60

Idem, p. 152. 61

KRELL, Andreas J. Realização dos direitos fundamentais sociais mediante controle judicial da prestação dos

perdendo sentido as distinções rígidas. Nessa linha, Canotilho, lembrado por Andreas J. Krell,62 ressalta que o direito à vida “é um direito subjetivo de defesa (...), com os correspondentes deveres jurídicos dos poderes públicos e dos outros indivíduos de não agredirem o bem da vida (dever de abstenção). Isto, segundo Canotilho, não afasta a possibilidade de “neste direito coexistir uma dimensão protectiva, ou seja, uma pretensão jurídica à proteção, através do Estado, do direito à vida (dever de proteção jurídica) que obrigará este, por exemplo, à criação de serviços de polícia, de um sistema prisional e de uma organização judiciária”.63

Esse é o ponto nodal: do mesmo modo que uma pessoa morre por não ter atendimento hospitalar, morre vitimada pela violência por não ter policiamento ou por ser o aparelho judiciário inapto para punir criminosos.

O Professor A. J. Krell,64 escudado na Teoria dos Valores de R. Smend, a qual é defendida pela Corte Constitucional alemã, sobre os direitos ditos fundamentais, enfatiza que estes “atuam sobre as relações jurídicas diante dos poderes públicos e sobre as relações jurídicas dos cidadãos entre si”, fazendo com que “os valores assentados nos direitos fundamentais sejam “capazes de impregnar toda a ordem jurídica”. E conclui: “esta compreensão jurídico-objetiva também é de fundamental importância para os deveres do Estado, pois a vinculação de todos os poderes aos direitos fundamentais contém não só uma obrigatoriedade negativa do Estado de não fazer intervenções em áreas protegidas pelos direitos fundamentais, mas também uma obrigação positiva de fazer tudo para realizar os mesmos, mesmo se não existir um direito público subjetivo do cidadão.”

Assim, não havendo diferenciação substancial entre os direitos de primeira e segunda geração,65 deve-se concluir que todos são exigíveis do Estado, a qualquer tempo, sendo imperiosa uma releitura da cláusula da “reserva do possível”.66

Descumprindo suas obrigações, positivas ou negativas, pode ser o Estado compelido a efetivar as reparações devidas.67

62

Idem, p. 146. 63

CANOTILHO, José J. Gomes. Direito Constitucional. 5.ª ed. Coimbra : Almedina, 1991, p. 526. 64

KRELL, op. cit., p. 158. 65

KRES. Andreas J. Ob. Cit. p. 146. 66

A Constituição Federal trata os direitos de primeira e segunda geração como direitos fundamentais (Título II, Capítulo I e II).

67

SUDRE, Frédéric. Droit International et européen des Droits de L’lome. Presses Universitaires de France, 2.ª éd. S/d, p. 179: “En bref, la responsabilité de l’Etat peut être engagée par des particuliers. Cette constrution