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CAPÍTULO 4 A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO NO SISTEMA

4.3 Posição da Corte Interamericana de Direitos Humanos

O Estado brasileiro, internamente, como visto (Cap. II, item 2.3), para os atos da Administração Pública, admite a responsabilidade sem culpa objetiva. Porém, para os atos legislativos e judiciais típicos, a responsabilidade é com culpa, portanto, subjetiva. No plano internacional, entretanto, parece que a situação é um pouco diferente. Nesse sentido, a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos tem entendido que nas violações de Direitos Humanos que forem praticadas por agentes públicos, como legisladores, juízes, agentes do Executivo, o Estado responderá pelo fato em razão de serem “órgãos do próprio Estado.” Porém, quando a violação advier de atos de particulares, a conduta do Estado se dá por omissão, sendo responsável por não ter agido “razoavelmente para prevenir a realização do ato”. Em tal caso ”não basta que se demonstre a realização da violação”, pois a “mera constatação da lesão não implica em não ter sido o Estado diligente na prevenção”.68

Em síntese, quando a conduta que constitui o ilícito internacional é praticada pelos prepostos do Estado, a responsabilidade é objetiva. Quando a conduta é de terceiros, sendo o Estado omisso em não preveni-la, a responsabilidade pelo ilícito internacional é subjetiva, dependente da prova do dolo ou da culpa.

Dos casos julgados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, o caso Godínez Cruz X Honduras é o que melhor espelha a situação da responsabilidade internacional do Estado frente a ação de particulares e agentes do Estado agindo

ultra vires. O professor Raúl Godínez Cruz desapareceu no dia 22 de julho de 1982,

segundo testemunha, levado preso por um homem em trajes militares e dois civis. Dele não se teve mais notícia, tendo sido presumido morto e o Estado hondurenho responsabilizado pelo fato perante a Corte. Para esta “o Estado possui o dever jurídico de prevenir, razoavelmente, as violações de direitos humanos, de investigar seriamente, com os meios ao seu alcance, as violações que tenham sido realizadas no âmbito de sua jurisdição, a fim de identificar os responsáveis, impondo-lhes

doctrinale a pour effet d’etendre les obligations de l’Etat: la violation d’un droit protégé par la Covention peut résulter d’une ingerence de l’Etat, d’une abstention de l’Etat constitutive d’une mécornaissance des droits garantis et d’une abstention d’Etat permettant aux tiers de s’immicer dans le droit garanté.”

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sanções pertinentes e assegurando às vítimas uma adequada reparação”.69 Considerou a Corte ainda que conforme o artigo 1.170 é ilícita toda forma de exercício do poder público que viole os direitos reconhecidos na Convenção Americana de Direitos Humanos, independentemente de que o órgão ou funcionário haja atuado em contravenção à disposições de direito interno ou ultrapassado os limites de sua própria competência, posto que é princípio de Direito Internacional que “el Estado responde por los actos de sus agentes realizados al amparo de su

carácter oficial y por las omissiones de los mismos aun si actúan fuera de los límites de su competencia o en violación del derecho interno”.71 E conclui a Corte que, em princípio, é imputado ao Estado toda violação aos direitos reconhecidos pela Convenção praticada por um ato do poder público ou de pessoas que atuam prevalecendo dos poderes que ostentam por seu caráter oficial. Não obstante, não se esgotam ali as situações nas quais um Estado está obrigado a prevenir, investigar e sancionar as violações aos direitos humanos, na suposição de que sua responsabilidade pode ver-se comprometida por uma lesão a esses direitos. Com efeito, um ato ilícito violatório dos direitos humanos que inicialmente “no resulte imputable directamente” a um Estado, por exemplo, por ser obra de um particular “o

por no haber-se identificado al autor de la transgressión, puede acarretar la responsabilidad internacional del Estado, no por esse hecho em sí mismo, sino por falta de la debida diligencia para prevenir la violación o para tratarla em los términos requeridos por la Convención.”72

Desse importante julgado, pode-se extrair pelo menos três fundamentos para embasar a responsabilidade internacional do Estado:

1) o Estado responde pelas violações de direitos humanos praticadas pelos seus agentes, nessa qualidade, ou por qualquer pessoa que atue prevalecendo dos poderes oficiais que ostentam;

69

Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Godínez Cruz – Mérito, sentença de 20 de janeiro de 1989, série C n.º 5, § 184.

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O art. 1.1 diz: “Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.”

71

Corte Interamericana de Direitos Humanos, ob. Cit. §§ 178 e 179. 72

2) o Estado responde por estas violações, por falta da devida vigilância para preveni-las ou tratá-las, conforme exige a Convenção; e

3) no mesmo caso anterior, por não haver identificado o autor da transgressão. Portanto, a responsabilidade emerge tanto da ação comissiva dos agente do Estado, na primeira hipótese, quanto pela omissão, a falta da devida diligência, por não prevenir e punir o particular transgressor, nos dois últimos casos. Na primeira hipótese, a responsabilidade é objetiva. Na segunda e na terceira é subjetiva.

Enfim, o que se trata em definitivo, é determinar que a violação aos direitos humanos origina da inobservância por parte do Estado de seus deveres de respeitar e garantir ditos direitos, que são impostos pelo artigo 1.1 da Convenção Americana. Cabe considerar que esse dever de prevenção abrange todas as medidas de caráter jurídico, político, administrativo e cultural que promovem a salvaguarda dos direitos humanos e que assegurem que eventuais violações dos mesmos sejam efetivamente tratadas como ato ilícito passível de sanção e que acarretem a obrigação de indenizar a vítima.

É patente que os Estados respondem pelas violações de direitos humanos, seja por ação de seus agentes, seja por omissão, de acordo com a Convenção Americana de Direitos Humanos.

O Estado brasileiro é signatário desta Convenção desde 25.09.92, quando a ratificou. Cabe-se-lhe todas as obrigações insculpidas na Convenção. Há violações de direitos humanos no âmbito interno no Brasil. Estas ocorrem tanto por ação de agentes do Estado, quanto por omissão em não implementar mecanismos adequados de pacificação social, inclusive punindo os culpados pelas violações, permitindo assim que a violência urbana e rural ultrapasse todos os limites aceitáveis, tornando-se um dos graves problemas brasileiros.

Nesse ponto, aliás, como alimentador da violência, tem-se a impunidade, que é notória. Enfrentando tal questão no Caso Paniagua Morales X Guatemala, a Corte reconheceu que a impunidade criminal dos infratores ofende os direitos humanos das vítimas:

La Corte constata que en Guatemala existió y existe un estado de impunidad respecto de los hechos del presente caso entendiédose como impunidad la falta en su conjunto de investigación, captura, injuiciamento y condenación de los responsables de las violaciones de los derechos protegidos por la Convención Americana, toda vez que el Estado tiene la obligación de combatir tal situación por todos los medios legales disponibles ya que la impunidad propicia la

repetición crónica de las violaciones de derechos humanos y la total indefensión de las víctimas y sus familiares. La Corte considera, con fundamento en el artículo 1.1 de la Convención Americana, que Guatemala está obligada a organizar el Poder Público para garantizar a las personas bajo su jurisdición el libre y pleno ejercicio de los derechos humanos, como también lo preceptúa su Constitución Política vigente (Título I, Capítulo Único). Lo anterior se impone independientemente de que los responsables de las violaciones de estos derechos sean agentes del poder público o particulares, o grupo de ellos.73

73

Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Paniagua Morales – Mérito, série C, n.º 37, sentença de 8 de março de 1998, §§ 173 e 174.