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CAPÍTULO 9 O CASO “URSO BRANCO”

9.1 O Caso Sub Judice

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos submeteu à Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 06 de junho de 2002, o primeiro caso envolvendo o Brasil. Na oportunidade, a Comissão, com base no art. 63.2 da Convenção, solicitou medidas provisórias em favor dos presos da “Casa de Detenção José Mário Alves”, conhecida como “Penitenciária Urso Branco”, localizada em Porto Velho/RO, os quais estavam sendo sistematicamente mortos uns pelos outros. Os fatos ocorreram depois que os presos considerados perigosos foram colocados em contato com a população carcerária geral. Segundo a Comissão, no dia 02 de janeiro de 2002, após a rebelião interna, a tropa de choque da PM de Rondônia invadiu o presídio, e lá encontrou 45 corpos de detentos mortos pelos demais. O governo de Rondônia admitia a existência de 27 mortos. Feita nova realocação dos presos, em 18 de fevereiro mais 03 corpos foram encontrados. Em dias seqüentes houve novas tentativas de homicídio. Novos homicídios ocorreram em 10 de março (02), em 14 de abril (01), em 02 de maio (01), em 03 de maio (01), em 08 de maio (01) e em 10 de maio (01) esquartejado pelos outros presos. Pela gravidade da situação e o periculum in mora, a Comissão, com base no descumprimento da “obrigação positiva de prevenir os atentados à vida e à integridade física dos presos da Penitenciária Urso Branco”, solicitou que a Corte ordenasse ao Brasil que adotasse as medidas adequadas para a proteção dos presos da Penitenciária, apreendesse as armas que estivessem com a população carcerária e informasse tudo à Corte. A Corte deferiu o solicitado e ainda determinou

que o Brasil lhe fornecesse a lista completa dos presos da Urso Branco.

Em relatório de 08 de julho de 2002, o Brasil informou à Corte que havia formado uma comissão no âmbito do Ministério das Relações Exteriores e da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça, a qual se deslocou à Rondônia, para gestão junto às autoridades locais. Informou ainda que havia tomado algumas medidas como a substituição da força policial de segurança do presídio por agentes penitenciárias, visitas periódicas do Juiz e do Promotor de Justiça ao presídio e a realização de um “mutirão” para analisar os processos dos presos, bem como a instauração de um inquérito policial para apurar as mortes ocorridas, salientando que “não havia evidência de que agentes estatais tenham participado das mortes dos 38 presos ocorridas ao longo do presente ano”.

A Comissão ofereceu observação críticas ao relatório do Estado brasileiro, aduzindo que a missão que fora enviada a Rondônia sequer visitou a Urso Branco, que militares permanecia no interior do presídio e foram contratadas no lugar de agentes penitenciários, que havia atraso nas obras dos novos presídios, que não se fez as revistas periódicas na Penitenciária, que não havia possibilidade de avaliação do procedimento de investigação; que o inquérito da polícia civil não havia responsabilizado ninguém pelas mortes dos presos e que o Estado brasileiro pré- julgava a questão ao afirmar que não havia evidências de que “agentes estatais tenham participado das mortes dos 38 presos”.

Relatou ainda a Comissão certos fatos graves que continuavam a ocorrer como mais um assassinato, castigo aos presos, envio de novos contingentes de presos a Urso Branco, ameaças de mortes a presos e que, após visita de representantes da ONG Justiça Global à Penitenciária, todos os presos entrevistados foram espancados e torturados por agentes civis e militares.

Pelas razões anotadas, a Comissão solicitou à Corte que mantivesse as medidas provisionais ordenadas e que determinasse ao Estado a responsabilização dos infratores, os nomes dos torturadores dos presos após a visita dos representantes da ONG, garantias de comunicação dos presos com membros de ONG`s, informação do número de presos sentenciados e não sentenciados e informações sobre as medidas adotadas.

A Corte deferiu o requerido pela Comissão, determinando ainda pela Resolução de 29 de agosto de 2002, que o Estado, no máximo no dia 01 de outubro de 2002, apresentasse informação minuciosa sobre o cumprimento das medidas

provisórias ordenadas pelo Tribunal na Resolução de 18 de junho de 2002 e na própria resolução que ora se emitia.

Dando cumprimento às determinações da Corte, o Brasil apresentou cinco relatórios, sendo o primeiro deles de 11 de setembro 2002 e o último em 20 de fevereiro de 2004, com remessa de seus anexos em 11 de março de 2004.

Em observações datadas de 20 de abril de 2004, a Comissão enfatizou que “tem recrudescido a situação de extrema gravidade na Penitenciária Urso Branco”, informando ainda que “nos últimos dias vários internos da Penitenciária Urso Branco foram assassinados, alguns deles publicamente” e que houve “esquartejamento de cadáveres e pedaços destes foram lançados contra autoridades e presentes no lugar”. Finalmente, informou a Comissão que em motim mais de 170 pessoas foram feitas reféns.

Após várias considerações, a Corte deliberou (Resolução de 22.04.2004) que o Brasil adotasse todas as medidas que sejam necessárias para proteger eficazmente a vida e a integridade corporal de todas as pessoas presas e visitantes da Urso Branco; que mandasse à Corte a lista completa e discriminada dos presos; que investigasse os fatos relacionados aos acontecimentos de Penitenciária e que relatasse à Corte o cumprimento das medidas já adotadas em relação aos acontecimentos da Urso Branco. Ao ensejo, convocou a Comissão, o Brasil e demais interessados para uma audiência pública a se realizar em 28.06.2004, a partir das 15.30h, na sede da Corte.

Dando cumprimento ao determinado pela Corte, o Brasil apresentou em 04 de maio de 2004 seu sexto relatório, informando sobre a rebelião de abril de 2004; que reconhecia a gravidade da situação; a celebração de convênio entre a União e o Estado de Rondônia sobre a execução de presos naquela unidade fechada; o número de presos e o andamento das investigações.

A Comissão apresentou críticas ao relatório brasileiro, o mesmo acontecendo com as entidades interessadas no caso.

A audiência pública marcada para 28 de junho de 2004 se realizou com representantes da Comissão, dos peticionários, da ONG Justiça Global, Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Porto Velho e representantes do Brasil, sendo estes os embaixadores Tadeu Valadares e Francisco Soares Alvim Neto, os diplomatas Maria Cristina Pereira da Silva e André Sabóia Martins, o Diretor do Departamento de Política Penitenciária do Ministério da Justiça e Danielle Aleixo,

advogada da União.

Tanto a Comissão, quanto os penitenciários alegaram que o Brasil não adotou as medidas determinadas pela Corte. O Brasil, por sua vez, alegou reconhecer que, apesar dos esforços governamentais, não alcançou a meta de superar a situação inaceitável em que se encontra a Penitenciária. Detalhou ainda que o Ministério Público de Rondônia realizou esforços no sentido de identificar os autores das mortes ocorridas em 2002 e que a demora se devia à necessidade de se realizar um trabalho detalhado para apresentar a denúncia.

Durante e após a audiência pública, o Brasil apresentou novos documentos nos quais informou que foi instalado em 21 de junho um juizado itinerante dentro da Penitenciária para atender os presos e que o Ministério Público finalmente apresentou denúncia contra 49 presos autores dos homicídios na Urso Branco.

Após as considerações de praxe, a Corte determinou ao Brasil que:

a) Adote de forma imediata todas as medidas que sejam necessárias para proteger eficazmente a vida e a integridade física de presos, visitantes e agentes de segurança que ingressam e trabalham na Penitenciária Urso Branco;

b) Ajuste as condições da Penitenciária às normas internacionais de proteção dos direitos humanos aplicáveis à matéria;

c) Remeta à Corte lista atualizada de todos os presos da Penitenciária, indicando com precisão:

1. os presos postos em liberdade;

2. os presos que ingressam no dito centro penal;

3. o número e nomes das presos que se encontram cumprindo pena;

4. o número e nomes dos presos sem sentença condenatória; e 5. se os presos condenados e os não condenados se encontram

confinados em diferentes seções;

d) investigue os fatos que motivaram a adoção das medidas provisórias com o fim de identificar os responsáveis e puni-los, incluindo a

investigação dos fatos graves ocorridos depois que a Corte emitiu as Resoluções de 18 de junho e 29 de agosto de 2002; e

e) submeta à Corte relatório, até 23 de julho de 2004, informando o cumprimento das medidas indicadas nos itens anteriores, particularmente sobre as medidas adotadas de forma imediata para preservar a vida e a integridade física das pessoas presas ou que, por qualquer motivo ingressam na Penitenciária Urso Branco.