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CAPÍTULO 5 SITUAÇÃO BRASILEIRA

5.1 Breves Considerações sobre os Direitos Humanos nas Constituições Brasileiras

5.1.4 Restrições às Liberdades Públicas no Direito Brasileiro

a) Estado de Sítio e Estado de Emergência

Todas as Constituições republicanas trouxeram limites, restrições, obstáculos ao exercício das liberdades públicas dos cidadãos brasileiros. Assim, o estado de sítio constava da Constituição de 1891 (art. 80), da

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Constituição de 1934 (art. 175), o estado de emergência da Constituição de 1937 (arts. 166/170), novamente o estado de sítio da Constituição de 1969 (arts. 155/159).

Sempre se justificou tais medidas sob o argumento de que eram necessárias nas crises graves internas (comoção intestina), ou agressões externas. Na verdade, serviram aos propósitos de grupos e pessoas autoritárias que assumiram o poder para praticarem, sob a aparência de legalidade, toda sorte de arbitrariedades, cassações, desapropriações, prisões, mortes e banimentos. Não raro, o exercício dos direitos e garantias individuais foram vistos como nocivos aos interesses do Estado. Logo no início da República, o país foi governado sob o estado de sítio. Assim estava quando da reforma constitucional de 1926. A Constituição de 1937, outorgada por Getúlio Vargas, em seu art. 186, já decretava o estado de emergência em caráter permanente. A República nos presenteou com momentos cíclicos de liberdade, ponteados por espasmos de ditaduras. Assim foi da proclamação da República até 1930, com períodos de estado de sítio; de 1930 – início da ditadura de Vargas – até 1946; de 1946 – redemocratização do país – até 1964; e de 1964 – início da ditadura militar – até 1985, fim da última ditadura e reinicio da democracia no país.

b) Legislação Excepcional

A Carta Constitucional de 1824, outorgada por D. Pedro I, Imperador do Brasil, era legítima e não representou ruptura com a ordem jurídica como se pode supor. D. Pedro I era o sucessor hereditário do trono português e, por conseguinte, do Brasil, já elevado à condição de reino unido à Portugal desde 1817. A Independência apenas abreviou um processo que inexoravelmente se daria mais tarde. D. Pedro I poderia outorgar uma constituição e o fez.

Sua sucessão também se fez pelos cânones legítimos. Havendo abdicado do trono do Brasil, sucedeu-lhe D. Pedro Alcântara, seu herdeiro, que na maioridade foi coroado com o título de D. Pedro II. A ordem jurídica foi respeitada.

Sob o influxo de idéias alienígenas, nasceu a República. O golpe republicano, assistido pelo povo apático e bestificado, foi dado pelos intelectuais

e os militares. O Decreto n.º 1, de 15 de novembro de 1889, dá aparência de legalidade ao golpe. Dessa “quartelada” nasceu a Constituição de 1891, conforme prova o Decreto n.º 510, de 22 de junho de 1890.

Oliveira Viana, citado por Walter Costa Porto,84 analisa a constituinte de 1890:

Quanto à Constituinte de 1890, ‘as próprias fontes de sua autoridade não eram de pureza absoluta’. Resultara de ‘embuste formidável’, preparado pelo Regulamento Alvim, destinado a abafar qualquer movimentação livre do povo, contrário à idéia republicana.

E Oliveira Viana prossegue em seu confronto demolidor: os constituintes do Império eram todos animados de altos ideais políticos, unidos no ardente e claro pensamento de construir uma pátria; na Constituinte da 1.ª República o pensamento político não tinha, no espírito da maioria, essa clareza e intensidade de ideal. Antes, na luta pelo modelo republicano, houvera somente ‘um vago programa de aspirações vagas’. ‘um culto das generalidades sonoras’, como se vira no manifesto de 1870. Quando os líderes republicanos assumiram o poder, essa mentalidade não se modificara, seu traço mais distinto sendo ‘a crença no poder das fórmulas escritas’.

De crise em crise, chega-se ao golpe de 1930. O Decreto n.º 19.398, de 11 de novembro daquele ano, deu-lhe aparência jurídica. Tal Decreto estabelecia que o Governo Provisório exercia as funções dos Poderes Executivo e Legislativo. Dissolveu o Congresso Nacional, as Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais, nomeou um interventor para cada estado da federação e este nomeou os prefeitos dos municípios. Igualmente, todos os nomeados exerciam as funções executivas e legislativas. Retirou-se as garantias da Magistratura e do Ministério Público. Era o governo da vontade de um homem: Getúlio Vargas. Era a ditadura. As liberdades públicas foram suprimidas. Dispunha o art. 5.º do referido Decreto:

“Art. 5.º - Ficam suspensas as garantias constitucionais e excluídas a apreciação judicial dos decretos e atos do Governo Provisório ou dos Interventores federais, praticados na conformidade da presente Lei ou de suas modificações ulteriores.

Parágrafo Único – É mantido o habeas corpus em favor dos réus ou acusados em processos de crimes comuns, salvo os funcionais e da competência de Tribunais Especiais” – (crimes políticos e funcionais – art. 16).

Na prática, as liberdades públicas deixaram de existir.

Mesmo após a Constituição de 1934 a situação não se normalizou porque

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em 1935, pelo Decreto Legislativo n.º 6, de 18 de dezembro daquele ano, era autorizado ao Presidente da República (Getúlio Vargas) equiparar o estado de comoção intestina grave ao estado de guerra e declarar “as garantias constitucionais que não ficarão suspensas” (grifamos).

Com a Constituição de 1937, outorgada por Getúlio Vargas, sem qualquer legitimidade, o “estado de emergência” foi permanente. Não havia lugar para o exercício das liberdades públicas.

Em 1946 houve a reconstitucionalização do país. Segue-se breve período histórico de democracia.

Em 1961 Jânio Quadros renunciou à Presidência da República. Seu vice, João Goulart, estava ameaçado de não tomar posse no cargo de Presidente porque os militares viam nele um simpatizante do comunismo. Por isso, como medida paliativa, o Congresso Nacional emendou a Constituição, editando o Ato Adicional (Emenda Constitucional n.º 4, de 2 de setembro de 1961), instituindo a forma parlamentar de governo. Nova emenda é editada em 1963 (Emenda Constitucional n.º 6), restabelecendo o presidencialismo. Em 31 de março de 1964 os militares deram um golpe de estado. Derrubaram João Goulart e assumiram o poder. É a ruptura institucional do país. Instala-se a ditadura militar, que durou de 1964 a 1985.

O instrumento tido como legal para corporificar o golpe é o chamado Ato Institucional, ente desconhecido até então pelo direito brasileiro. Pelo Ato Institucional, que não tinha número porque seria o único, mas que depois tomou o número 1, em razão da edição de 17 desses famigerados atos, os chefes militares do Exército, Marinha e Aeronáutica tornavam-se comandantes absolutos do processo golpista. Estavam acima da Constituição e da lei. É interessante notar, pelas considerações iniciais do Ato Institucional n.º 1, a necessidade que tinham de justificar e dar aparência de legalidade e legitimidade ao golpe. É curioso observar com que ânsia e sofreguidão insistiram em conceituar “revolução”, “Poder Constituinte” e “normas jurídicas”, no malsinado Ato. Vale a pena transcrevê-lo em parte:

É indispensável fixar o conceito do movimento civil e militar que acaba de abrir ao Brasil uma nova perspectiva sobre o seu futuro. O que houve e continuará a haver neste momento, não só no espírito e no comportamento das classes armadas, como na opinião pública nacional, é uma autêntica revolução.

A revolução se distingue de outros movimentos armados pelo fato de que nela se traduz, não o interesse e a vontade de um grupo, mas o interesse e a vontade da Nação.

A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte. Este se manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte. Assim, a revolução vitoriosa, como o Poder Constituinte, se legitima por si mesma. Ela destitui o governo anterior e tem a capacidade de constituir o novo governo. Nela se contém a força normativa, inerente ao Poder Constituinte. Ela edita normas jurídicas sem que nisto seja limitada pela normatividade anterior à sua vitória.

Como se vê, não eram governantes, eram deuses, os chefes militares. Eram o “verbo divino”:85 tudo podiam. O malsinado Ato, dentre outras medidas, suspende a vitaliciedade dos juízes e estabilidade dos funcionários públicos (art. 7.º), proíbe o controle jurisdicional sobre os atos dos comandantes do golpe (art. 7.º, parágrafo 4.º), dá ao Presidente da República o poder de decretar o estado de sítio (art. 6.º) e cria a figura dos “inquéritos coletivos” para apuração de “crimes contra o Estado” (art. 8.º).

Falar-se em direitos humanos, garantias e direitos individuais e liberdades em um ambiente desses era uma temeridade.

O Ato Institucional n.º 2, de 27 de outubro de 1965, traz uma expressão que demonstra bem o espírito da época: “não se disse que a revolução foi, mas que É e continuará.” (Grifamos). O art. 19 do Ato n.º 2 proibia a apreciação pelo Poder Judiciário de todos os atos praticados em razão da “revolução”. O mesmo aconteceu pelo Ato n.º 3 (art. 6.º); pela Constituição de 1967 (art. 173); pelo Ato n.º 5 (art. 11), além da suspensão do habeas corpus para vários crimes (art. 10); pelo Ato n.º 6 (art. 4.º); pelo Ato n.º 7 (art. 9.º); pelo Ato n.º 11 (art. 7.º); pelo Ato n.º 1286 (art. 5.º); pelo

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Bíblia Sagrada. Gênesis. 86

Por esse Ato, o Presidente da República foi considerado afastado temporariamente do cargo por alegada enfermidade, assumindo as funções do Poder Executivo os ministros militares (Exército, Marinha e Aeronáutica) – art. 1.º

Ato n.º 1387 (art. 2.º); pelo Ato n.º 1488 (art. 3.º); pelo Ato n.º 15 (art. 4.º); pelo Ato n.º 1689 (art. 8.º) e Ato n.º 17 (art. 4.º) e pela Emenda Constitucional n.º 1/6990 (art. 181).