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Ópio do povo e futebol brasileiro

No documento Futebol : mitos, idolos e herois (páginas 66-69)

4 Mito ou imaginário no futebol?

4.2 Ópio do povo

4.2.1 Ópio do povo e futebol brasileiro

Muitos governos apropriaram-se do sucesso do esporte, principalmente do futebol, para utilizá-lo como uma forma de manipulação das massas. Foi isso o que povo viveu no período conhecido como Estado Novo (1937-1945), que concedeu poderes ditatoriais ao presidente Vargas. Alguns anos antes do estabelecimento do Estado Novo aconteceu a profissionalização do futebol (1933) e no primeiro ano desse governo aconteceu a primeira transmissão por rádio de uma Copa do Mundo, a da França em 1938. Ainda, antes do embarque

para essa Copa do Mundo, o presidente cumprimentou os jogadores e ressaltou a importância da conquista para o futuro da nação. O populista presidente Vargas astutamente utilizou-se do futebol para anunciar novas medidas referentes à adoção do salário mínimo (1940) e à criação das leis do trabalho (1943), ambas em pleno estádio de São Januário, o maior estádio da época (COSTA, 2006; LOPES, 1994).

A cada vitória brasileira na Copa, o presidente Vargas recebia as congratulações, já que o triunfo nos gramados europeus representava uma conquista pessoal. O presidente sempre esteve muito atento ao que o esporte, em geral, e o futebol, em particular, poderiam oferecer ao seu governo. Agostino (2002, p. 142) relata:

Na verdade os esforços governamentais foram ainda mais longe, uma vez que se percebera o quanto o futebol era um importante instrumento para moldar a visão que o brasileiro tinha de si próprio. Nos anos seguintes, Getúlio tornou-se um dos patronos da seleção brasileira, enquanto sua filha, Alzira Vargas, seria transformada em madrinha dos jogadores. Uma das primeiras manifestações desta interação entre líder e esporte ocorreu em dezembro de 1932, quando a seleção brasileira foi recebida com festa após uma jornada de vitórias no Uruguai, onde disputou a Copa Rio Branco [...]. Desfilando em carro aberto, os jogadores foram acolhidos por milhares de entusiastas na capital. Passando pelo Palácio do Catete, lá estava Getúlio Vargas, ainda chefe do Governo Provisório, a saudar o scracht com a mão estendida, um gesto que os brasileiros – querendo ou não – ainda veriam muitas vezes.

Na Copa de 1950, o estádio do Maracanã serviu de palanque para os partidos políticos. Durante os cinco jogos que o Brasil realizou no estádio circularam panfletos com a intenção de angariar votos15. Na Copa de 1958, foi a vez de Juscelino Kubistchek se preocupar com o futebol. Disponibilizou um avião para buscar os campeões mundiais em Recife e a festa foi realizada no Palácio do Catete. O clima de otimismo e entusiasmo pela conquista foi um grande momento para promover o discurso político do lema do então governo: cinqüenta anos de desenvolvimento em cinco anos de governo. Quatro anos mais tarde, foi a vez de João Goulart utilizar-se do futebol, pois sabia que esse esporte era um importante veículo de legitimação política (AGOSTINO, 2002).

A utilização do futebol por parte dos governantes como um meio de aproximar o diálogo com a população e transmitir otimismo, foi explorado principalmente no período da ditadura militar. Dessa forma, o futebol passou a ser visto como algo alienante. Logo foi criada a

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No mesmo dia da inauguração do estádio do Maracanã, em 16 de junho de 1950, Getúlio Vargas foi indicado como candidato pelo PTB. Após o primeiro jogo e a vitória do Brasil, o Brigadeiro Eduardo Gomes, da UDN, e Cristiano Machado, do PSD, lançaram suas candidaturas (AGOSTINO, 2002).

tese de que o futebol seria o ópio do povo. Essa tese foi muito explorada durante a época da Copa do Mundo de 1970, quando o Brasil sagrou-se tricampeão mundial. O governo autoritário daquele período utilizou a conquista para transmitiruma imagem de que tudo caminhava bem no país. A cada vitória do Brasil, o governo apropriava-se do sucesso da seleção para fortalecer a ditadura. Gaspari (2002) relata que essa Copa do Mundo foi um momento de grande euforia em contraposição aos terríveis momentos vividos naqueles anos de ditadura. Euforia porque nunca se vira nada igual, já que foi a primeira Copa transmitida ao vivo e as multidões cantavam nas ruas os versinhos patrióticos e o presidente Médici transformou-se em mais um torcedor.

Com o objetivo de estabelecer uma aproximação entre governo e a população, foram criadas músicas e slogans16 a fim de reforçar um sentimento coletivo de que o país estava no caminho certo.Essa política foi adotada para camuflar o regime violento que, paradoxalmente, foi chamado de “Milagre Brasileiro”.

Com a conquista do tricampeonato mundial, o governo decretou feriado nacional para recepcionar os campeões. Um sentimento de patriotismo foi usado pelo governo para ocultar as torturas, os atentados, as prisões, a censura, os assassinatos aos opositores do regime político, os desaparecimentos de pessoas etc. O então presidente Médici não se cansava de aparecer na televisão para dar seu palpite sobre o resultado das partidas do Brasil. As manchetes traduziam o patriotismo e otimismo do presidente, relacionadas ao desempenho do “scratch” brasileiro ganhavam destaque nos meios de comunicação. Era comum circular pela mídia a opinião do então presidente da República, sobre os jogos do Brasil: “Palpite do torcedor Médici: 4 x 1” ou “A alegria do presidente que acertou o resultado17”.

Em todas as conquistas brasileiras a recepção foi feita pelo presidente da República. Foi assim com Juscelino Kubitschek, em 1958, com João Goulart, o “Jango”, em 1962, com o general Médici, em 1970, com Itamar Franco, em 1994, e com Fernando Henrique Cardoso, em 2002. Provavelmente os jogadores brasileiros seriam recebidos pelo governo Lula caso saíssem vitoriosos da Copa de 2006, já que houve uma aproximação do presidente com a seleção brasileira antes do início da competição.

No dia 8 de junho de 2006, foi realizada uma videoconferência entre o presidente, os jogadores e a comissão técnica da seleção brasileira. Mais uma vez um presidente

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“Noventa milhões em ação, pra frente Brasil!”; “A taça do mundo é nossa, com o brasileiro, não há quem possa...”; “Brasil, ame-o ou deixe-o”; “Ninguém segura esse país”.

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buscou se aproximar da seleção e do grande apelo popular que ela representa. A seleção carrega o desejo dos brasileiros que se vêem representados por ela.

Figura 1- Tabela distribuída no metrô de São Paulo

(Fonte: O Estado de S. Paulo, 31 de maio de 2006, p. A6).

Antes da videoconferência foram distribuídas, no metrô de São Paulo, tabelas com o título: “Lula é show de bola”. A oposição, encabeçada pelo PSDB, foi à justiça para impedir a distribuição da tabela sob alegação de propaganda ilegal para a reeleição de Lula. Tanto a videoconferência quanto a tabela com referência ao presidente representam a tentativa de se aproveitar de um possível sucesso e revertê-lo em popularidade.

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