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O início no futebol

No documento Futebol : mitos, idolos e herois (páginas 110-113)

4.4.1 “Eles jogam bola das 8h às 18h”

4.6 O sonho de ser jogador profissional

4.6.1 O início no futebol

O início no futebol significa a busca pelo sonho de criança. Dedicar-se a esse projeto representa investir intensamente a algo incerto, pois a qualquer momento pode ser excluído do processo e se quiserem continuar o sonho, terão que iniciar seu projeto em outro clube. Projeto esse que não visa somente tornar-se um jogador de futebol, o sonho envolve os grandes clubes, jogar no exterior e a seleção brasileira. Boa parte dos que tentam ingressar em um clube vem das camadas de baixa renda e acredita que só conseguirão mudar de vida por meio do futebol.

Ingressar em um clube profissional representa a porta de entrada para percorrer o tão esperado sonho de ser um jogador profissional. No entanto, ao fazer parte de um time o mais difícil torna-se se manter no elenco. Ser dispensado pode representar o fim prematuro da carreira ou se empenhar novamente no árduo caminho para ingressar em alguma equipe.

Os meninos que ingressam nos clubes de futebol o fazem por duas maneiras: pelas peneiras ou pela indicação de alguém, seja o diretor, pai, empresário, olheiro do time etc. De maneira geral, nos últimos anos, os clubes abandonaram a peneira como uma forma de seleção de futuros jogadores. O São Paulo e o São Caetano recrutam seus jovens jogadores apenas por indicação, pois a realização da peneira envolvia muito trabalho e pouco resultado49.

Este é um dos paradoxos do esporte de rendimento. Ao mesmo tempo em que é visto como um espaço de ascensão social exclui grande parcela da população que tenta vencer na

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Informação da assessoria de imprensa dos clubes. Palmeiras, Corinthians e Portuguesa ainda mantêm a seleção por meio de peneiras.

vida por meio do esporte. O futebol é um exemplo disso. Os dados coletados por Toledo (2002), revelam uma face pouco conhecida do futebol. Dos jogadores que disputam uma vaga no São Paulo, estatisticamente, menos de 1% são aprovados. Em 1996, o número de pretendentes a uma vaga foram 4.000 garotos, no entanto, somente dois permaneceram no clube. E, além disso, ser aprovado não significa que chegará às outras categorias.

O caso do Internacional de Porto Alegre se assemelha muito ao do São Paulo. Os dados de Damo (2005) revelam que nos anos entre 2004 e 2005 nenhum atleta das categorias de base ingressou na equipe profissional. Quando muito, a realidade do clube mostra que de três a quatro jogadores são promovidos por ano ao profissional. Muitos são testados e logo dispensados, enquanto outros não recebem oportunidades.

Somente um dos entrevistados50 foi aprovado em uma peneira, mas não permaneceu no time por saudade da família. Os demais entrevistados não tentaram peneiras ou não foram aprovados. Conseguiram ingressar por meio de convite.

Eu e um amigo meu fomos um dia fazer um teste lá no Torpedão51, numa peneira. Só que aconteceu assim: o meu pai foi jogador de futebol e o dia em que eu fui treinar, [eu] tava no grupo lá no meio de campo junto com vários rapazes [...]. Quando terminou o treino ele me chamou e falou: mas você é o filho do João52? Eu falei: sou. Ah, então, eu joguei com o seu pai, seu pai foi meu amigo, tal, tal e tal. Então, na realidade meu pai por ter jogado até me ajudou no início da carreira.

E essa peneira era de um dia ou você ficou alguns dias no clube?

Não. Aí eu fiquei direto. Porque ele escolheu alguns garotos e como ia ter o campeonato infantil, ele começou armar a equipe pra jogar aquele ano. Então, aí nós já ficamos, eu e esse rapaz fomos os dois que permanecemos e aí já naquele ano começamos a jogar no infantil [...].

A igualdade de oportunidades fica mais distante quando surge a pergunta: “Você sabe com quem está falando?” (DAMATTA, 1996). Em muitas profissões a indicação por uma pessoa conhecida ou influente faz com que o candidato avance em algumas etapas do processo de seleção. No futebol não poderia ser diferente. Mais uma vez os dados mostram que essa lógica faz parte do futebol. Dos jovens que são indicados, normalmente pelos olheiros53,

50 Entrevistado 5. 51 Nome fictício. 52 Nome fictício. 53

Pessoas que trabalham para os clubes com o intuito de observar jovens jogadores atuantes em clubes de menor expressão ou mesmo da várzea. Geralmente são ex-jogadores profissionais.

metade acaba aproveitada pelos clubes. A indicação permite que o jovem mostre suas qualidades durante um período de 10 a 15 dias (TOLEDO, 2002).

A indicação tem o papel de tranqüilizar o menino quanto às angústias e incertezas de um mundo que ainda não conhece. Ela permite que o teste seja realizado num período de tempo maior, além de ter o respaldo de alguém do clube.

Por ter uma pessoa conhecida ele te vê de uma outra maneira. A oportunidade que ele dá é até um pouco maior. Eu tive uma semana praticamente de testes né, normalmente se faz em um dia. Mas independente dessa ajuda acho que depende mais do talento do jogador, se o atleta não tiver talento, não tiver capacidade, o amigo, o primo, o irmão nada faz com que o jogador vire um profissional54.

O exemplo do jogador Cafu sempre é usado para ilustrar que é preciso lutar pelo seu sonho. Esse atleta realizou nove peneiras até ser aceito em um clube. Atuou pelos principais times de São Paulo, em boa parte de sua carreira jogou na Europa (ainda hoje atua por lá) e consagrou-se como o recordista de jogos em Copas do Mundo pela seleção brasileira. Sua trajetória é “vendida” como a possibilidade de sucesso, de que o sonho é possível para todos e que é preciso persistir muito para conseguir resultados no futebol.

O que não se questiona é a utilização da peneira como mecanismo de seleção. Geralmente os meninos realizam um jogo contra outros meninos. As duas equipes são formadas na hora e os garotos não demonstram nenhum entrosamento com os demais, afinal, mal sabem os nomes dos colegas. Também podem jogar contra os meninos que já fazem parte do clube, isto é, a equipe da categoria a qual pertencem ou completarem os times já formados. O que se observa durante o jogo é a exclusão dos meninos que não fazem parte do grupo, pois representam uma ameaça. Se algum menino de fora se destacar, pode ocupar a vaga de algum garoto já estabelecido no time. Assim, os que estão fora querem entrar e os que estão dentro querem permanecer, além de bloquear e na medida do possível excluir os novatos.

A peneira possui uma função social importante. Se o menino não possui ninguém que possa indicá-lo, somente ingressará em um time pelo processo da peneira. Ela representa a porta de entrada da grande maioria, mas a porta é pequena demais para a elevada demanda de meninos que sonham em transformar sua brincadeira favorita em profissão.

Poucos atletas profissionais ingressaram pelas peneiras. Claro que existem os que entram dessa maneira, mas os dados obtidos mostram que a maioria dos entrevistados não

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participou de peneiras ou, quando muito, fizeram testes em períodos maiores que os demais concorrentes. Possuir o contato com alguém do clube pode facilitar o acesso e, conseqüentemente, a possibilidade de um período de testes maior. Os meninos que conseguem ingressar dessa forma eliminam algumas etapas do processo de seleção. Não resta dúvida que os meninos corresponderam às expectativas, caso contrário seriam expelidos prematuramente do processo.

Ao mesmo tempo em que os números indicam que poucos conseguirão chegar à categoria profissional, percebe-se também que a procura é extremamente grande. Por isso a história de vida de muitos atletas que conseguiram mudar sua condição social por meio do futebol é valorizada e funciona como o modelo a ser seguido, transmitindo a idéia e validando o discurso de que qualquer pessoa poderá ser um “vencedor”.

No documento Futebol : mitos, idolos e herois (páginas 110-113)