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A tentativa de profissionalização

No documento Futebol : mitos, idolos e herois (páginas 113-115)

4.4.1 “Eles jogam bola das 8h às 18h”

4.6 O sonho de ser jogador profissional

4.6.2 A tentativa de profissionalização

Os caminhos percorridos para ingressar no futebol são extremamente concorridos. Ingressar nas categorias de base pode ser um começo, mas não é garantia que chegará ao profissional. A maioria dos entrevistados ingressou nos clubes com idades entre 11-12 e 15 anos e avançou até ser promovido a categoria profissional.

A grande maioria dos meninos tenta as peneiras como a única forma de entrar nos clubes, mas há casos em que os meninos chegam ainda pequenos e conforme avançam são dispensados. Depois de fazerem parte do time, sem participar de peneiras, se quiserem chegar a outro clube será por meio dessa forma de seleção. O entrevistado 9 jogou dos 7 aos 17 anos e quando ia ser promovido ao time júnior (categoria que antecede a profissionalização) foi dispensado. Em busca do sonho, conseguiu ingressar em outro time somente na sexta tentativa de testes.

Nos últimos anos, os meninos brasileiros partem para os centros de treinamento no exterior sem ao menos jogarem por algum clube nacional. O sonho de jogar fora do país tem sido a realidade de muitos garotos. Antigamente os jogadores partiam ao exterior após conquistarem notoriedade nacional e mesmo internacional. Isso ainda acontece, mas os meninos

são seduzidos pelas ofertas ao exterior cada vez mais cedo. Ir para um centro de treinamento estrangeiro é uma maneira de ingressar no futebol sem ter que passar pelas inúmeras peneiras. Lá serão formados, os clubes investirão em sua formação para que no futuro possam colher os frutos desse investimento.

Um caso ilustrativo da busca precoce de meninos talentosos foi o de Jean Carlos Chera, nove anos, contratado pelo Santos. Segundo a reportagem55, especula-se que o acordo feito com os pais dessa criança foi em torno de 4 mil reais. Seu pai disponibilizou na Internet algumas imagens do filho jogando bola, o que possibilitou o contato com alguns clubes e empresários.

Será que esse menino, apontado como destaque entre os garotos da mesma idade, também será o melhor quando tiver 15 anos? 18 anos? E se não for? Se for excluído pelo sistema tão logo não tenha nada a oferecer em troca, o que vai fazer? Certamente aqueles que têm manipulado seu sonho precocemente não estão preocupados com o processo e sim com o imediato. Tanto é que o garoto foi notícia na imprensa escrita e televisiva, sem falar na internet que atinge proporções inimagináveis. Por enquanto, casos como esse são exceções, mas podem rapidamente se transformar em uma prática rotineira.

De certa forma, as trajetórias dos atletas de futebol são muito parecidas. Existem algumas etapas a serem cumpridas e percorridas, ou seja, fases comuns ao mito. A dedicação a uma determinada prática esportiva muitas vezes significa deixar a casa dos pais em busca de um mundo desconhecido. O novo clube corresponde a um caminho de provas em que a resistência, determinação, paciência e um pouco de sorte farão parte dessa iniciação (RUBIO, 2001).

O apoio da família passa a ser praticamente unânime. São poucos os casos em que não há apoio. Para o entrevistado 3, somente a mãe e a avó o incentivava, o restante dos familiares queria que trabalhasse para ajudar a família. Os demais entrevistados tinham apoio da família e a única preocupação de alguns pais era com os estudos. É comum que os pais também vislumbrem que o filho siga na carreira profissional, pois nela projetam a ascensão social. Devido à possibilidade de altos ganhos financeiros, o futebol passa a ser não só o sonho dos meninos como também de toda a família.

55

O jovem abdica de tantas coisas em busca do sonho e encontra o amparo na família. É ela que será lembrada, juntamente com os amigos e o local da infância, caso o sucesso seja atingido. Os jogadores que viram ídolos e heróis evocam constantemente a infância cheia de dificuldades e, muitas vezes, pobre, como forma de resgatar os tempos difíceis e salientar que foram importantes para atingir o sucesso. Guedes (2001, p. 135) afirma que “É a família de

origem, de fato, que estabelece o mais forte elo entre as duas vidas dos craques, secundada pela

referência a seus locais de origem e amigos de infância. Assim, suas trajetórias também consagram seu englobamento pela família, outro dos nossos ‘valores eternos’”.

Os jogadores que enriquecem não deixam de ajudar aqueles que um dia fizeram parte de sua vida, a sua comunidade. É muito importante solidificar a imagem de ídolo junto a sua origem, pois ela permite uma identificação e revela, como os demais membros ligados às suas raízes, que uma pessoa famosa surgiu de lá. A busca por esse elo faz com que os jogadores não sejam vistos apenas como ricos e famosos, mas como pessoas humildes e solidárias, qualidades tão estimadas para os profissionais da bola. Também nos últimos anos, os jogadores têm investido em Fundações56 que visam auxiliar as crianças carentes. Essas Fundações são implantadas no bairro em que viveram a sua infância e possibilitar que as crianças de hoje vislumbrem um futuro mais promissor daquele vivido quando ninguém olhava para a sua comunidade e as dificuldades que enfrentavam. Conforme afirma Guedes (1998, p. 73), “O jogador fala do povo e para o povo, a partir da sustentação de sua posição como alguém do povo”. Fica a pergunta: até que ponto essas Fundações que geralmente levam os nomes dos jogadores não funcionam também como alimentadores do sonho de ser jogador de futebol? Afinal, recebem a assistência de uma pessoa que como eles saiu da mesma condição e venceu na vida por meio do futebol.

No documento Futebol : mitos, idolos e herois (páginas 113-115)