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O futebol e a identidade nacional

No documento Futebol : mitos, idolos e herois (páginas 79-82)

4 Mito ou imaginário no futebol?

4.3 Identidade Nacional

4.3.1 O futebol e a identidade nacional

A identidade no futebol também pode assumir diversas “peles”. Pode ser vista na manifestação da torcida, no estilo de jogo, nas cores de uma seleção nacional, na rivalidade dos times, na escolha de um clube do coração, na idolatria de um jogador etc.

Um caso interessante e ilustrativo da questão da identidade nacional, que causou grande polêmica no futebol internacional, aconteceu no jogo válido pelas eliminatórias para a Copa da Alemanha de 2006, na partida entre Suíça e Turquia. Antes do início de jogos

internacionais, são executados os hinos das duas seleções e as bandeiras são hasteadas. No entanto, na primeira partida realizada na Suíça, a torcida local vaiou a execução do hino turco. No plano simbólico, esse ato significa um insulto a um dos símbolos nacionais, neste caso, o hino nacional da Turquia.

Na segunda partida, na Turquia, que decidiria uma das vagas para a Copa do Mundo foi a vez dos suíços serem hostilizados assim que chegaram. Após o encerramento da partida e mesmo com a vitória da Turquia, a classificação para a Copa foi conquistada pela Suíça (pelo critério de desempate referente ao maior no número de gols marcados no campo do adversário). O acontecimento do primeiro jogo e a desclassificação, mesmo após vencer a segunda partida, fez com que os jogadores turcos atacassem fisicamente os membros da seleção suíça. Ao término da partida, os suíços fugiram para os vestiários debaixo da chuva de muitos objetos lançados pela torcida.

Situações como essas são ilustrativas para observar e entender como a identidade nacional funciona como um importante eixo no futebol. Não se deve brincar com os símbolos representativos do outro país; vaiar o hino, queimar a bandeira adversária ou hostilizar a camisa do outro time representa, no campo simbólico, a inexistência do diferente. Se isso acontece em uma partida de grande tensão, como no exemplo, motivados pelo nacionalismo e patriotismo, essa violência pode deixar de ser simbólica e transformar-se em real.

Outro acontecimento que ilustra a questão da identidade da torcida com os símbolos que representam o time, aconteceu entre duas equipes rivais da Turquia. Agostino (2002) relata que perto do estádio do Besiktas, time que tem como cores o preto e o branco, foi construída uma filial da rede multinacional de fast-food McDonald´s, com suas tradicionais cores amarelo e vermelho.

No entanto, as cores da multinacional são as mesmas do Galatassaray, maior rival do Besiktas. Os torcedores da equipe local passaram a hostilizar a loja de fast-food, pois viam em suas cores o seu maior adversário. Ao ver que poderia ter algum prejuízo financeiro, a empresa reagiu imediatamente e mudou as cores daquela loja. Portanto, encontra-se, em Istambul, a única filial da lanchonete nas cores preto e branco, as mesmas da equipe do Besiktas.

As cores de uma torcida é uma das principais formas de identidade do time. O clube, do exemplo, é branco e preto porque não é amarelo e vermelho. Essa idéia do clube ser uma nação representada pelas cores do time amado é uma forma de estabelecer a identidade a

partir da diferença. E o verdadeiro torcedor “nunca” deve usar as cores adversárias e tampouco se alimentar, perto do estádio do seu time (mais um símbolo de identidade) em uma loja de lanches rápidos que detém as cores de seu maior oponente.

Se há uma identidade futebolística nacional, ela pode ser observada quando a seleção brasileira entra em campo. Não importa qual seja a preferência clubística, a seleção reúne torcedores rivais em torno de um único símbolo, o Brasil representado pela seleção de futebol. Cria-se uma grande expectativa para que os brasileiros joguem o estilo que se convencionou chamar de futebol-arte que se opõe ao futebol-força, praticado pelos europeus. Não basta ao jogador brasileiro jogar futebol, é preciso praticá-lo de uma determinada forma, capaz de identificá-lo a partir de algumas características particulares que compõe o seu estilo de jogar. A construção desse estilo de jogo e sua reprodução foi uma forma de consolidar a nossa identidade, pois é por meio desse estilo que somos conhecidos no futebol brasileiro e mundial.

O futebol seria para o brasileiro o “jogo absorvente” descrito por Geertz (1989). A partir dele pode-se aprender sobre a cultura brasileira, principalmente sobre os homens, quando o assunto é futebol. Em nossa sociedade, os meninos, mesmo antes de nascer, já têm uma camisa da equipe de futebol para a qual deverá torcer, além de ganhar uma bola para começarem a dar seus primeiros chutes. Até pouco tempo era estranho ver uma mulher torcer por um time, discutir futebol e usar o uniforme de sua equipe, já que futebol era coisa para meninos, enquanto as meninas deveriam brincar de boneca e casinha. Esses papéis sociais modificaram-se com o passar do tempo e muitas mulheres “possuem um time de futebol20”. O número de mulheres que praticam futebol cresceu nos últimos anos, no entanto, ainda é pequena a quantidade de mulheres que freqüentam os estádios, que assistem aos jogos pela televisão e que o praticam se comparados ao número de praticantes do sexo masculino.

O futebol espetáculo, em sua expressão máxima, a Copa do Mundo, indica a transformação do futebol em marca da identidade nacional em que o ato de torcer, a incorporação de uma prática particular de se jogar (leia-se estilo de jogo), valorização da experiência comunitária, a comoção, as concentrações populares para assistir aos jogos do Brasil, as ruas enfeitadas e pintadas de verde e amarelo, enfim, a metamorfose da cidade e do cotidiano em torno da participação da seleção em uma Copa do Mundo, representam a valorização de um dos maiores símbolos de nossa brasilidade: o futebol.

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