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O mito em Mircea Eliade

No documento Futebol : mitos, idolos e herois (páginas 50-52)

2.1 “Um jogo absorvente 5 ”

3.3 O mito em Mircea Eliade

Segundo Eliade (2000, 2004), os mitos revelam as estruturas do real e as múltiplas formas de existir no mundo. Os mitos constituem o modelo exemplar dos comportamentos humanos, ou seja, revelam histórias verdadeiras, já que se referem às realidades. A principal função do mito está em revelar modelos exemplares dos ritos e atividades humanas significativas. O mito é considerado uma história sagrada, uma história verdadeira, já que se refere a realidades e, deste modo, fala apenas do que realmente aconteceu. Define o mito da seguinte forma:

O mito define-se pelo seu modo de ser: não se deixa interpretar enquanto mito, a não ser na medida em que revela que qualquer coisa se manifestou plenamente, sendo que esta manifestação, por sua vez, criadora e exemplar, já que tanto funda uma estrutura do real como um comportamento humano. Um mito narra sempre que qualquer coisa se passou realmente, que um acontecimento teve lugar no sentido estrito da palavra, quer se trate da criação do Mundo, da mais insignificante espécie animal ou vegetal, ou de uma instituição (ELIADE, 2000, p. 8-9).

O mito, enquanto uma narrativa especial, particular e única distingue-se de outras narrativas humanas e somente será entendido se for analisado em sua totalidade, pois relata como algo foi produzido e começou a ser. A função do mito de origem é a de revelar modelos e fornecer um significado ao mundo e à existência humana. (ELIADE, 2004).

Eliade (2000) procura entender em que se transformaram os mitos nas sociedades modernas, ou seja, quer saber o que tomou o lugar essencial que o mito possuía nas sociedades tradicionais. Ao comparar o mundo moderno às sociedades tradicionais, afirma que a primeira é desprovida de mitos. Pensa o mito, ao mesmo tempo, como comportamento humano e como um elemento de civilização, isto é, “no mito tal como se encontra nas sociedades tradicionais porque, ao nível da experiência individual, o mito nunca desapareceu por completo: faz-se sentir nos sonhos, nas fantasias e nostalgias do homem moderno [...]” (p. 19). Questiona de que forma o mito, enquanto um modelo exemplar do comportamento humano, sobrevive no mundo moderno. O autor utiliza-se dos símbolos para responder a sua pergunta. Afirma que os

temas míticos repetem-se nas zonas obscuras da psique e para sobreviver o mito muda de aspecto e disfarça suas funções, principalmente ao nível social. Os mitos nesse nível social a que Eliade se refere, seriam algumas festas do mundo moderno que conservam a estrutura e a função mítica. Entre as festividades que representam um recomeço o autor destaca: o Ano Novo, o nascimento de uma criança, à construção de uma casa etc.

Considera alguns aspectos como componentes do comportamento mítico: modelo exemplar, repetição, ruptura da duração e integração do tempo primordial. Sendo as duas primeiras consubstanciais a toda condição humana, portanto, pode-se dizer que a sociedade, seja qual for, não possa se libertar completamente do mito. Afirma que a função exercida pelos mitos nas sociedades arcaicas é exercida na sociedade moderna pela educação, cultura didática e instrução. Também ressalta que uma das funções do mito é a de criar modelos exemplares para uma sociedade, ou seja, transformar uma existência em paradigma e uma personagem mítica em arquétipo12.

Eliade afirma que os heróis desempenham um papel importante na formação dos adolescentes, que se esforçarão em se assemelhar a eles. Esses modelos prolongam uma mitologia e a sua atualidade denuncia um comportamento mitológico.

[...] viver a aventura pessoal como reiteração de uma saga mítica equivale a escamotear o presente. Essa angústia perante o tempo histórico, acompanhada pelo desejo obscuro de participar num tempo glorioso, primordial, total, denuncia-se, entre os modernos, por uma tentativa por vezes desesperada para quebrar a homogeneidade do Tempo, para “sair” do presente e reintegrar-se num tempo qualitativamente diferente daquele que cria, ao decorrer, a sua própria história. É sobretudo aqui que se percebe melhor aquilo em que se tornou a função dos mitos no mundo moderno. Por meios múltiplos, mas homologáveis, o homem moderno esforça-se, também ele, por sair da sua “vitória” e viver um ritmo temporal qualitativamente diferente. Ora, ao fazê-lo, reencontra, sem se dar conta disso, o comportamento mítico (ELIADE, 2000, p. 26).

Para compreender isso, o autor, afirma que é preciso entender uma das vias de “evasão” que o homem moderno toma emprestado: o espetáculo. Um dos exemplos que cita é o esportivo e afirma que os eventos acontecem em um “tempo concentrado”, de grande intensidade, resíduo do tempo mágico-religioso. Esse “tempo concentrado” seria a duração prévia de algum espetáculo, seja de teatro, cinema ou esportivo. Afirma que tais espetáculos utilizam um tempo diferente da “duração profana”, um ritmo temporal concentrado e ao mesmo tempo partido que gera uma profunda ressonância e interesse no espectador. Conclui que o mito no mundo moderno

12

Segundo Ruthven (1997), Jung denominou o conteúdo do inconsciente coletivo de arquétipo, que produz as “imagens arquétipicas” comuns nos mitos, nos sonhos, na arte e na literatura.

ainda está presente, não mais nos setores essenciais da vida, e sim, nas zonas da psique, em atividades secundárias ou mesmo irresponsáveis da sociedade. No entanto, o comportamento mítico também está presente, agora camuflado, no papel desempenhado pela educação.

Em seu estudo do mito, Eliade preocupa-se principalmente em analisar os mitos de origem, as sociedades primitivas e a sua relação com a História. O seu estudo do mito no mundo moderno fica em segundo plano. Campbell também percorre as sociedades primitivas para decifrar alguns mitos, mas de forma mais detida se volta para o mundo moderno e busca entender a sua relação com a sociedade contemporânea, seja pela sua análise em relação ao casamento, ao filme Guerra nas Estrelas, ao alistamento militar etc.

No documento Futebol : mitos, idolos e herois (páginas 50-52)