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Mito e cultura

No documento Futebol : mitos, idolos e herois (páginas 52-54)

2.1 “Um jogo absorvente 5 ”

3.4 Mito e cultura

O mito pertence à cultura a qual foi produzido, interpretado e repassado. Desse modo, o olhar de uma cultura sobre o mito de outra sociedade pode gerar uma interpretação diferente. Essa riquíssima gama de interpretações faz com que o debate seja extenso e extremamente interessante. Só é possível falar em valores, se falarmos em cultura. Também só é possível falar em mitos porque o homem é um ser cultural e, como tal, produtor de cultura.

Eliade (2004) afirma que o mito é uma realidade cultural muito complexa, que pode ser interpretada e analisada por diversas perspectivas. O mito é um produto humano, ou seja, é produzido a partir de uma interpretação da realidade mundana. Portanto, para entender o mito, é preciso aproximá-lo do conceito de cultura.

Para Rubio (2001), as concepções clássicas de cultura encontram-se preocupadas com todos os aspectos de uma realidade social. Entende, portanto, que a “cultura refere-se a tudo aquilo que caracteriza a existência social de grupos, povos ou nações, ou seja, é uma dimensão do processo social e não uma decorrência de leis físicas ou biológicas” (p. 36). Geertz (1989) define o conceito de cultura como uma teia de significados que o homem teceu e na qual está amarrado.

Para Geertz, a cultura é a própria condição de vida de todos os seres humanos. É produto das ações humanas, mas é também processo contínuo pelo qual as pessoas dão sentido às suas ações. Constitui-se em processo singular e privado, mas é também plural e público.

É universal, porque todos os humanos a produzem, mas é também local, uma vez que é a dinâmica específica de vida que significa o que o ser humano faz. A cultura ocorre na mediação dos indivíduos entre si, manipulando padrões de significados que fazem sentido num contexto especifico (DAOLIO, 2004, p. 7).

Sem dúvida, o contexto definirá o significado de um ato, pois os códigos sociais de um gesto geralmente estão subentendidos. Por exemplo: um candidato político que faz um gesto com os dedos indicador e médio, formando um “v” possui um significado. Provavelmente quer simbolizar que a união desses dois dedos representa o “v” da vitória. No entanto, o que o faz ser entendido como vitória, e não como o numeral ou como símbolo da filosofia de vida “paz e amor” é o significado. Os dois gestos do exemplo são idênticos, o que os torna diferentes é o significado que é estabelecido por um código construído socialmente. Concordo com Geertz (1989, p. 22) quando afirma que “a cultura é pública porque o significado o é”. Pelo fato do significado ser público, o contexto definirá de que forma deve ser decifrado tal código, pelo simples fato de também ser público. A decifração a partir de um outro olhar pode gerar uma série de interpretações.

Cultura seria “[...] um processo pelo qual os homens orientam e dão significados às suas ações através de uma manipulação simbólica que é atributo fundamental de toda prática humana” (DURHAM, 1977, p. 34). Em cada cultura os homens estabelecem relações, crenças e costumes que se tornam características de seu povo. Os significados dos atos realizados por um grupo são justificados pela simbologia presente no mesmo e podem assumir significados diferentes em outro lugar, pois são definidos pela cultura.

Os homens diferenciam-se uns dos outros nos diferentes lugares no mundo por produzirem diferentes culturas. As pessoas comportam-se segundo os padrões e regras de sua sociedade. Seus corpos fazem parte da cultura, pois é através dele que o homem se relaciona com outras pessoas. Portanto, o homem é constituído por um corpo que se expressa socialmente, portador de muitos significados e simbologias, traduzidas através dos gestos corporais. Embora biologicamente os corpos sejam iguais, em cada sociedade encontramos corpos diferentes devido à especificidade de manifestação corporal entre os povos. Nessa linha Kofes (1994, p. 52), entende “[...] o corpo como entidade cultural, no qual a sociedade está se expressando, no qual a cultura está se expressando. [...] Portanto cada cultura vai expressar diferentes corpos, porque se expressa diferentemente enquanto cultura”.

Pode-se analisar o corpo em um jogo de futebol, pois tanto o esporte quanto o corpo são construídos socialmente. É comum ouvir que o brasileiro possui jogo de cintura, principalmente quando diz respeito ao futebol e samba. Essa afirmação é feita em oposição aos europeus, ou melhor, ao corpo do europeu dito como “rígido e sem jogo de cintura”.

A diferença manifestada pelo corpo ao jogar futebol pode ser explicada por aquilo que Mauss (2003) definiu como técnicas corporais. As técnicas corporais seriam “[...] as maneiras como os homens, sociedade por sociedade e de maneira tradicional, sabem servir-se de seus corpos” (p. 401). Isso não é algo inato, muito pelo contrário, é aprendido.

Mauss relata como era, em sua época, o ensino das técnicas da natação e como aprendiam a mergulhar, sendo que tais técnicas modificaram-se com o passar dos anos. Também relata que durante a Primeira Guerra Mundial tinham que trocar milhares de pás francesas pelas inglesas, e vice-versa, toda vez que as tropas eram trocadas, pois cada nação possuía uma técnica para cavar. Afirma que cada técnica possui uma forma, já que o problema das trocas das pás seria resolvido com um gesto que é aprendido, o de girar a mão. Por técnica, Mauss classifica como um ato tradicional eficaz, isto é, precisa ser tradicional e eficaz. Só há técnica se houver transmissão e tradição.

Diante de tais exemplos, pode-se entender porque o jogador europeu é considerado “sem jogo de cintura”. Na verdade, possui em seu repertório motor outra técnica corporal que, como tal, é diferente da técnica do jogador brasileiro. Há uma educação do jogar e a sua transmissão é feita a partir de uma tradição, daquilo que é valorizado em sua cultura. Conforme definiu Mauss (2003), as técnicas corporais seriam as maneiras como cada sociedade se comporta, sendo os gestos e movimentos corporais técnicas próprias da cultura, transmitidas de geração a geração, carregadas de significados.

Ao analisar um mito, deve-se olhar para a sociedade que o produziu. Seus significados poderão assumir diferentes “roupagens”, influenciado por aquele que o lê. O mito sem dúvida diz muito sobre a cultura na qual está inserido.

No documento Futebol : mitos, idolos e herois (páginas 52-54)