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ÓRGÃOS COLEGIADOS DE POLÍTICA URBANA ± OS CONSELHOS

2 INSTRUMENTOS PARA A CONSTRUÇÃO DE CIDADES DEMOCRÁTICAS E

2.1 ÓRGÃOS COLEGIADOS DE POLÍTICA URBANA ± OS CONSELHOS

O sentimento de desenraizamento produzido ao longo dos anos poderá ser superado por meio do resgate de laços sociais, via a constituição de novas teias solidárias nas relações sociais cotidianas que os conselhos geram. Além disso, a identidade daqueles indivíduos poderá ser reconstruída pelos novos sentimentos de identificação, pertencimento e reconhecimento que os conselhos ajudam a edificar.85

Maria da Gloria Gohn

Existem três tipos de conselhos, aqueles criados pelo Poder Público para facilitar a comunicação ente o Poder Executivo e a Sociedade Civil; os conselhos populares, constituídos pela Sociedade Civil organizada; e os conselhos institucionalizados, que efetivamente interferem na gestão pública.86

Historicamente a origem dos conselhos pelo mundo se deu em contextos de insurgência popular, oriundos de manifestações que lutavam pela mudança do contexto político do momento, Gonh menciona como exemplos: a Comuna de Paris, em 1871, os sovietes russos, em 1905, os conselhos operários na Alemanha em 1918; em 1981 na Itália; em 1934 na Espanha, e nos anos 1950 na Hungria, Polônia e Iugoslávia.87

No Brasil, na década de 80, começaram a despontar os conselhos populares como proposta dos setores de oposição à ditadura militar. E sua criação foi fruto de uma demanda advinda da ânsia pela participação, tão sufocada pelo período militar.

³A participação popular foi definida, naquele período, como esforços organizados para aumentar o controle sobre os recursos e as instituições que controlam a vida em sociedade´.88

Neste período, então, a Sociedade Civil se organizava para unir esforços e participar da gestão, possibilidade que até então lhes era muito distante. A criação dos conselhos apontava um caminho, uma esperança naquele momento, correspondente à expectativa da sociedade brasileira para consolidação da abertura política do Brasil por meio da participação social.

85GOHN, Maria da Glória. Conselhos gestores na política social urbana e participação popular. Cadernos

Metrópole, n. 7, p. 9-31, 2002. Disponível em: <http://www.cadernosmetropole.net/download/cm_artigos/cm7_29.pdf>. Acesso em: 1 mai. 2012. p. 191.

86Id. Conselhos gestores e participação sociopolítica. São Paulo: Cortez, 2011. p. 74. 87Ibid., p. 74.

De acordo com Luciana Tatagiba89 os conselhos passaram por três fases distintas,

sendo a primeira esta mencionada anteriormente, a do período ditatorial, em que a criação e o funcionamento dos conselhos era meramente formal, já que eles eram inoperantes. A segunda fase ocorreu no momento da abertura política, quando aumentava a mobilização popular, e na terceira os conselhos já são concebidos como elementos fundamentais na elaboração das políticas públicas, com base na legislação, inclusive constitucional.

Em São Paulo, contudo, cidade foco deste estudo, a criação deste mecanismo ocorreu durante a primeira fase, no período ditatorial, por meio de um Decreto do Poder Executivo Municipal. SRE D MXVWLILFDWLYD GH PHOKRUDU R FDQDO GH FRPXQLFDomR HQWUH ³R SRYR H R JRYHUQR´DXPHQWDQGRDOHJLWLPLGDGHQDUHSUHVHQWDomRR3UHIHLWRGR0XQLFtSLRGH6mR3DXOR editou este decreto90, FXMD FRPSRVLomR VHULD IHLWD SRU ³DVVRFLDo}HV GH FODVVH´ ³FOXEHV GH seUYLoR´ ³HQWLGDGHV VRFLDLV´ ³PRYLPHQWRV VRFLDLV UHOLJLRVRV´ H ³VRFLHGDGHV GH DPLJRV GH EDLUUR´± termos utilizados no decreto. Em que pese toda a crítica que lhe é cabida, por não explicitar o seu papel, ausência de qualquer justificativa para escolha e representatividade das entidades, além do fato de ter sido criado por decreto, o conselho estava sendo ansiado pela sociedade, e por isso foi bem recebido.

Assim, os conselhos foram criados, e acabaram sendo o espaço onde as reclamações de toda sorte eram feitas, de forma descoordenada, porém, amplamente utilizado pela sociedade como canal de escoamento de suas insatisfações perante o governo.91

A conjuntura, contudo, em fins da década de 80, vinha se alterando, e com a abertura democrática veio a criação de diversos conselhos. Aqui, novamente, como bem salientado no primeiro capítulo, verifica-se uma mudança de ordem política e legislativa neste momento. Em SP, especificamente, o Partido dos Trabalhadores assumindo a gestão da cidade, ampliou os espaços de participação dos conselhos.

Neste momento inicial algumas questões ainda eram incertas, e, então, Estado e Sociedade Civil precisavam trabalhar juntos para defini-las. Eram incertezas como: de que forma se daria a relação entre a sociedade e o governo; qual seria o limite de interferência do conselho na gestão municipal? Qual o limite que o Estado estaria disposto a abrir para

89TATAGIBA, Luciana. A participação em São Paulo. In: AVRITZER, Leonardo. (Org.). A participação em

São Paulo. São Paulo: UNESP, 2004. p. 325.

90SÃO PAULO. Decreto nº 16.100, de 12 de setembro de 1979. Dispõe sobre a criação de Conselhos

Comunitários. Disponível em: <http://camaramunicipalsp.qaplaweb.com.br/iah/fulltext/decretos/D16100.pdf>. Acesso em: 23 jul. 2012.

91GOHN, Maria da Glória. Conselhos gestores e participação sociopolítica. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2011. p.

participação social? Muitas destas dúvidas permanecem até hoje, cerca de trianta anos após a criação massiva dos conselhos.

Em São Paulo, quando da elaboração da LOM (Lei Orgânica Municipal), em 1990, a Sociedade Civil e alguns vereadores propuseram a criação de diversos conselhos. Por fim, em que pese apenas alguns terem sido incorporados, esta mudança foi simbólica para demarcar uma nova fase na participação política em São Paulo.92

Interessante observar que, mesmo governos mais democráticos, que estabelecem laços mais próximos e sólidos com a Sociedade Civil, também determinaram a criação de conselhos por meio de decreto, como no caso da Prefeita Luiza Erundina, que durante sua gestão criou cinco conselhos por meio de decretos. E esta iniciativa pode ser explicada da seguinte maneira: quatro desses conselhos haviam sido propostos e não aprovados pelo Legislativo durante a elaboração da LOM, assim a saída foi criá-los por meio de decreto.93

Nos anos 1990 uma nova configuração política assume a direção do Executivo municipal, alterando completamente a importância e o espaço e influência dos conselhos, reduzindo-os à mera existência formal.

Contudo, nos anos 2000, a prefeita Marta Suplicy assume o comando do Poder Executivo Municipal e a força dos conselhos toma novo vigor, com a criação de alguns conselhos e a reativação de outros anteriormente desativados.

Porém, os desafios de uma gestão pública compartilhada ainda são muitos, e transcendem a necessidade de um governo progressista, apesar da importância deles neste campo, e é preciso muito esforço e empenho para que este caminho se torne viável.

92TATAGIBA, Luciana. A participação em São Paulo. In: AVRITZER, Leonardo. (Org.). A participação em

São Paulo. São Paulo: UNESP, 2004. p. 334.