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4 NOVA LUZ

4.1 PRESSUPOSTOS PARA O ESTUDO DE CASO

O estudo de caso concreto na área de ZEIS é fundamental neste trabalho, para identificar as contradições existentes na aplicação da lei, mapeando as razões e analisando quais as dificuldades na implementação da gestão democrática para a promoção da regularização fundiária e para a produção de HIS na cidade para atender as demandas sociais existentes e garantir o reconhecimento dos direitos da população de baixa renda. Apenas com esta análise é que se fará possível a apresentação de eventuais propostas para avanço no tema. O estudo de caso não busca contemplar uma alta gama de possibilidades, não se pretende com eles fazer uma análise quantitativa, mas sim, demonstrar, a partir da análise qualitativa, a relação entre a teoria estudada, os dados coletados e as conclusões extraídas da aplicação da teoria ao caso concreto.

O processo de coleta de dados foi feito de diversas formas. Foram utilizadas atas das reuniões do Conselho Gestor, além do acompanhamento in loco de diversas delas. No sitio eletrônico149 do Projeto Nova Luz foram disponibilizadas atas de 46 reuniões realizadas pelo conselho, cada uma com cerca de 70, 80 páginas, e este destaque é interessante, pois aqui já de vislumbra um aspecto controvertido da participação. As atas ficam tão extensas por serem transcritas, já que os conselheiros da Sociedade Civil não se sentem seguros nem contemplados pela ata sistematizada e resumida por servidores da PMSP.

Moradores, conselheiros, gestores municipais e pessoas que atuaram durante a elaboração do Plano Diretor Municipal de São Paulo foram entrevistados, além da busca de informações divulgadas por jornais e por meio eletrônico. Como este é um projeto de grande importância para a Prefeitura no presente momento, há ampla fonte de informações disponíveis no sítio eletrônico.

O estudo de caso pretende abordar a efetividade da gestão democrática neste processo, identificando problemas e buscando apontas soluções.

Alguns instrumentos que serão apresentados como mecanismos de gestão democrática são: Conselho Gestor, audiências públicas, associação de moradores e participação no Plano de Urbanização.

4.2 SERÁ MESMO UMA ³129$/8=´"150

2FDVRDQDOLVDGRVHVLWXDQRFHQWURGDFLGDGHGH6mR3DXOR$UHJLmRGD³1RYD/X]´ TXH DEUDQJH WDPEpP D iUHD FRQKHFLGD FRPR ³FUDFROkQGLD´ HVWi entre os bairros da Luz e Santa Ifigênia (Anexo I), e reflete bem as contradições de uma ZEIS 03 no centro da capital paulista, onde a disputa entre as leis de mercado e as leis que garantem a moradia popular na região está em constante conflito. Lá foi constituído o Conselho Gestor e, a partir da observação de seu funcionamento, é possível constatar as dificuldades e os obstáculos para se garantir a gestão democrática com a efetiva participação do Poder Público e da sociedade.

A imagem abaixo ilustra, em amarelo, os imóveis que sofrerão alteração e o perímetro da ZEIS, delimitado pela linha vermelha.

Figura 1 ± Imóveis a renovar na ZEIS da Nova Luz

Fonte: Disponível em: <http://www.novaluzsp.com.br/files/201108_PUZEIS.pdf>.

Há uma alta diversidade de ocupação, tanto para fins de moradia, quanto para fins comerciais. A área é marcada pela presença tradicional de segmentos comerciais especializados em produtos eletrônicos e serviços. Merece amplo destaque a complexidade de cada segmento, sendo que dentre moradores há: inquilinos, sublocatários, proprietários e população em situação de rua, e dentre os comerciantes há os grandes, os pequenos e os

informais. É importante que se entenda a existência destas várias categorias para compreensão das dificuldades que serão apresentadas a seguir.

Além disso, por estar no centro da cidade de São Paulo, a região é rica em equipamentos culturais e edifícios de valor arquitetônico e histórico-cultural que circundam o polígono, como a Pinacoteca do Estado, a Sala São Paulo e o Museu de Língua Portuguesa.

Há muitos anos é interesse do Poder Público e também da população moradora melhorar as condições da região central da cidade de São Paulo, porém, a divergência crucial consiste na destinação final: enquanto os moradores pretendem permanecer no local, muitas vezes, mesmo que indiretamente, esta possibilidade não lhes é dada, já que a consequente valorização dos imóveis, o aumento do valor do aluguel e do custo de vida, promoverá sua expulsão.

A área contempla uma Zona Especial de Interesse Social ௅ ZEIS 3 C016, do Plano Regional Estratégico da Subprefeitura da Sé, constituída por 221 (duzentos e vinte e um) imóveis e distribuída por 11 (onze) quadras do Projeto Nova Luz.

Segundo Silvia Mariutti151 a ZEIS da Nova Luz (ZEIS 3 C 016) foi incorporada no processo de discussão e aprovação do Plano Diretor, nos anos de 2001/2002, já constava na proposta do Executivo, cuja delimitação foi feita por uma das assessorias contratadas para esta finalidade.

A região está dentro da Operação Urbana Centro (OUC), prevista pela lei nº 12.349/1997, que foi um dos mecanismos utilizados para atrair recursos da iniciativa privada, concedendo benefícios para implementação de empreendimentos. Outra iniciativa nesse sentido foi o consórcio Nova Luz. Em 2009 foi publicada a Lei Municipal nº 14.917/2009 a qual prevê a concessão urbanística no Município de São Paulo que, nos termos do artigo 2º seria:

(...) o contrato administrativo por meio do qual o poder concedente, mediante licitação, na modalidade concorrência, delega a pessoa jurídica ou a consórcio de empresas a execução de obras urbanísticas de interesse público, por conta e risco da empresa concessionária, de modo que o investimento desta seja remunerado e amortizado mediante a exploração dos imóveis resultantes destinados a usos privados nos termos do contrato de concessão, com base em prévio projeto urbanístico específico e em cumprimento de objetivos, diretrizes e prioridades da lei do plano diretor estratégico.

A concessão urbanística, prevista no artigo 198 do Plano Diretor, transfere, do Poder Público para o particular, a responsabilidade pela implementação de um projeto do Executivo.

No mesmo ano foi publicada a Lei nº 14.918/2009, que permite a aplicação da concessão urbanística no perímetro definido pelas Avenidas Casper Líbero, Ipiranga, São João, Duque de Caxias e Rua Mauá, no Distrito da República que formam um polígono de cerca de 500 m² TXLQKHQWRVPHWURVTXDGUDGRV GHQRPLQDGR³3URMHWR1RYD/X]´TXHSUHWHQGH³UHTXDOLILFDU´ a região, estabelecendo a intervenção em 45 (quarenta e cinco) quadras no centro da cidade.

Ainda em 2009 foi lançado edital que, por meio de uma concorrência pública, escolheu a equipe que desenvolverá o projeto urbanístico da região da Luz, um grupo de empresas composto por representantes nacionais e estrangeiros selecionado para dar traçado ao projeto Nova Luz.

Aqui vale destacar que há diversas ações judiciais contra esta concessão urbanística, sendo que os questionamentos centrais dessas ações são quanto à constitucionalidade e à ausência de participação popular, vez que sequer as audiências públicas obrigatórias pela lei do consórcio foram realizadas.

Este projeto, iniciado em 2010, já vem afetando diretamente o trabalho e a moradia de milhares de pessoas na região. Deveria, portanto, contar com ampla participação da população atingida, em todas as suas etapas. Contudo, a gestão democrática não é mecanismo de simples implementação, demonstrando contradições, obstáculos, inseguranças, aflorando sensibilidades e trazendo muitas questões pessoais para o espaço público, é que o será demonstrado a seguir.

4.3 AUDIÊNCIAS PÚBLICAS

A primeira audiência pública do Projeto Nova Luz ocorreu em janeiro de 2011, por meio da SMDU, no Palácio das Convenções, no Anhembi.

Foi explicado o funcionamento do processo de licitação, foi dito que pretendem levar cerca de 20 mil empregos para a região e que o projeto comportará a criação de duas mil moradias populares.

Como já bem destacado neste trabalho, em capítulo em que foi abordado o conceito de audiência pública, que é importante que ela seja um espaço que propicie a troca entre Sociedade Civil e Poder Público, e não um momento formal onde este último só transmita

LQIRUPDo}HV &RQWXGR QD DWD GHVWD DXGLrQFLD FRQVWD TXH DV LQWHUYHQo}HV ³DWUDVDUDP RV trabaOKRV´152

De fato, a audiência foi bastante conturbada, inclusive com interrupção causada pela manifestação de pessoas que estavam presentes. Destaque-se que, nas atas consta apenas ³PDQLIHVWDomRS~EOLFD´QDPDLRUSDUWHGDVLQWHUYHQo}HVIHLWDVSRUUHSUHVHQWDntes da Sociedade Civil, em razão disso, resta inviabilizada a análise do teor dos questionamentos. Porém daí denota-se que, para o Poder Público, manifestações e questionamentos podem ser LGHQWLILFDGRVFRPR³LQWHUUXSo}HV´

Diversas manifestações contrárias ao projeto foram feitas, mas uma que merece destaque é a que solicita a criação de um espaço para debate entre os atores:

Um orador não identificado indagou à Prefeitura sobre a Lei 14.917 e o Projeto Nova Luz. Afirmou que moradores e trabalhadores da Região da Santa Ifigênia sentem-se aflitos por não terem conhecimentos suficientes sobre o projeto. Ressalta a importância de haver um cadastro de moradores, comerciantes e trabalhadores do local, para que seja garantida sua permanência da área. Afirmou ainda que é indispensável que essas pessoas sejam ouvidas, que haja uma interlocução profissional, não realizada pelo Poder Público e não realizada por partidos. Propôs ainda a instituição de um órgão independente, não ligado a partido nenhum, que ouça as pessoas da área, suas necessidades, as suas expectativas, e que o Poder Público comece a agir a partir delas e não impondo a sua própria vontade a elas.153

Esta fala resume grande parte das inquietações que permearão os debates durante as reuniões do Conselho Gestor, durante muitos meses.

Muitos atores protocolaram vários documentos em audiência, apresentando críticas e sugestões.

Três audiências públicas foram realizadas no estádio do Pacaembu, na zona oeste da cidade.154 A primeira para apresentação do Projeto Consolidado e as demais para apresentação dos relatórios de impacto ambiental (EIA/RIMA).

O destaque foi para o aparato policial deslocado para a região, que intimidava os moradores da região da Luz que chegavam ao local. Além dessa crítica, os conselheiros

152Manifestação pública ± foi responsável por diversas pausas na apresentação do Sr. Luis Ramos, atrasando o

andamento da Primeira Audiência Pública. Os momentos de pausa serão identificados nesta ata, para que seja melhor compreendido pelo leitor o contexto da Primeira Audiência Pública do Projeto Nova Luz ± Ata da primeira audiência pública realizada no Projeto Nova Luz

153Ata da primeira audiência pública realizada no Projeto Nova Luz.

154As atas dessas audiências não estão disponíveis no endereço eletrônico do Projeto Nova Luz, como as demais

atas, por isso as informações foram extraídas de outras fontes, como material do conselho gestor, e informações obtidas com os conselheiros, além do blog da AMOALUZ. Novas audiências públicas no Projeto Nova Luz. Divulgue. Disponível em: <http://apropriacaodaluz.blogspot.com.br/2011/09/novas-audiencias- publicas-do-projeto.html>. Acesso em: 19 set. 2012.

fizeram outras, desde a falta de ambiente adequado para o debate, até a necessidade de inscrição no período da tarde para ter direito à manifestação na audiência, que ocorreu somente à noite.

Outra reclamação recorrente foi sobre as respostas evasivas e pouco esclarecedoras recebidas da PMSP, fazendo novamente com que a gestão democrática prevista legalmente fosse apenas formal.