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2 INSTRUMENTOS PARA A CONSTRUÇÃO DE CIDADES DEMOCRÁTICAS E

2.3 OS CONSELHOS GESTORES

Os conselhos gestores, de caráter interinstitucional, surgem nos anos 1990. Neste período, em que a política neoliberal reduz ao máximo a atuação do Estado na gestão pública, esses conselhos seriam um importante contraponto, no sentido de organização da sociedade para reconstrução do que o Estado julgaria não ser competência da esfera pública. Os conselhos gestores são formas inovadoras de expressão e de garantia da participação democrática e popular, eles:

(...) integram-se aos órgãos públicos vinculados ao Poder Executivo, voltados para políticas públicas específicas, responsáveis pela assessoria e suporte ao funcionamento das áreas onde atuam. Eles são compostos, portanto, por representantes do Poder Público e da Sociedade Civil organizada.

(...)

Os conselhos gestores são novos instrumentos de expressão, representação e participação; em tese, eles são dotados de potencial de transformação política. Se efetivamente representativos, poderão imprimir um novo formato às políticas sociais, pois se relacionam ao processo de formação das políticas e tomadas de decisões.99

Este formato de Conselho Gestor é uma proposta inovadora, que se propõe a criar uma nova institucionalidade, porque traz uma nova proposta de relação Estado-sociedade, possibilitando, ao menos teoricamente, que a sociedade tenha acesso e interfira nos espaços onde as decisões são tomadas. Eles formam um espaço público que não se confunde com o governamental.

Para Gohn, há quatro tipos de conselhos gestores: aqueles relacionados diretamente à questão urbana, aqueles que decorrem da prestação de serviços urbanos, os que abrangem

políticas focalizadas e setoriais, e aqueles na área da cultura.100 São aqueles pertencentes à

primeira categoria os que importam a este estudo.

Mesmo que os conselhos sejam concebidos como parte da gestão democrática, como atores deliberativos, há diversos entendimentos que pretendem limitar sua influencia à esfera consultiva, restringindo sua atuação à consulta e aconselhamento.

Aqui se defende que os conselhos gestores devam ser fiscais da gestão pública, atuando com poderes deliberativos e fiscalizatórios sobre a condução das políticas públicas, de modo a garantir os interesses sociais. Em razão disso, a representatividade tem papel fundamental, tanto de modo a garantir a diversidade da composição por vários segmentos sociais e das diversas forças políticas que atuem sobre aquela questão, bem como para garantir o contato permanente do conselheiro com a comunidade que o escolheu, para que ele possa ser a voz de sua base.

Há diversos aspectos que devem também ser observados para que a participação dos segmentos seja equivalente, como o acesso às informações, a publicidade das ações do conselho, o controle dos atos dos conselheiros, os mecanismos de aplicabilidade das decisões do conselho pelo Executivo, entre outros.101

E é por isso que a paridade que deve ser respeitada entre representantes do Poder Público e da Sociedade Civil, não pode se limitar à questão numérica. Alguns problemas que já foram abordados quando do capítulo da democracia participativa, é a disparidade de preparo entre os representantes do Poder Público e aqueles da Sociedade Civil. Enquanto que para os primeiros exercer as atividades relacionadas ao conselho durante seu horário de expediente é inerente ao seu cargo, o que os deixa mais familiarizados tanto com o tema quanto com as questões técnicas, além recebem remuneração para isto e de terem acesso a informações privilegiadas, bem como estrutura para exercício dessas atividades, aos segundos resta somente o tempo livre para exercício desta atividade. Diante deste quadro, os conselheiros da Sociedade Civil ficam prejudicados, pois em geral não estão acostumados com os termos técnicos e não são remunerados para o exercício da atividade de conselheiro, o que muitas vezes tem implicação direta no tempo e na qualidade da dedicação.

Os conselhos, se mal representados, podem exercer o efeito contrário do que se propõem. Se forem tomados por conselheiros que não o representem, o conselho será apenas

100GOHN, Maria da Glória. Conselhos gestores na política social urbana e participação popular. Cadernos

Metrópole, n. 7, p. 9-31, 2002. Disponível em: <http://www.cadernosmetropole.net/download/cm_artigos/cm7_29.pdf>. Acesso em: 1 mai. 2012. p. 191.

um instrumento para legitimar uma prática ilegítima. Por outro lado, se bem formulados, se bem representados, podem ser a base de transformação do poder local, sedimentando os alicerces da gestão democrática.

Alguns dos desafios que estão impostos aos conselhos gestores atualmente são com relação ao seu caráter consultivo ou deliberativo; com relação à criação de mecanismos que garantam o cumprimento de seu planejamento; instrumentos de responsabilização dos conselheiros por suas resoluções e definição dos limites de atuação dos conselhos. Maria da Glória Gohn identifica algumas questões cujo debate precisa ser aprofundado:

(...) certas questões são muito relevantes no debate atual sobre a criação e implementação dos conselhos gestores, tais como: a representatividade qualitativa dos diferentes segmentos sociais, territoriais e de forças políticas organizadas em sua composição; o percentual quantitativo, em termos de paridade, entre membros do governo e membros da Sociedade Civil organizada que o compõe; o problema da capacitação dos conselheiros ± mormente os advindos da Sociedade Civil; o acesso às informações (e à sua decodificação) tornando públicas as ações dos conselhos; a fiscalização e o controle sobre os próprios atos dos conselheiros; o poder e os mecanismos de aplicabilidade das decisões do conselho pelo Executivo e outros etc.102

Como se vê, os obstáculos são de diversas ordens, que vão desde o mínimo acesso às informações relativas ao objeto do conselho, à qualidade da representação, que tem relação direta com a quantidade de informações recebidas e de que forma terão sua efetividade aplicada à prática.

Alguns problemas identificados podem ser atribuídos à falta de prática participativa da sociedade, que acaba abrindo espaço para legitimar os interesses do grande poder econômico, já amplamente representado. Ou seja, a falta de prática da própria gestão democrática abre o espaço para que se consolidem, por meio dos conselhos, posições já pré definidas sem que haja debate entre os conselheiros; nesse caso os conselhos são usados apenas para legitimar e viabilizar objetivos pré estabelecidos. Nesse passo, a grande influência do governo e a baixa interferência da sociedade exercendo pressão sobre os conselhos também pode ser um dos problemas apontados.

Como afirma Gohn, a representatividade é problema constante nos conselhos.

(...) As questões da representatividade e da paridade constituem problemas cruciais para serem mais bem definidas nos conselhos gestores de uma forma geral. Os problemas decorrentes da inexistência de critérios que garantam uma efetiva igualdade de condições entre os participantes. Alguns analistas têm sugerido que a renovação do mandato dos conselheiros seja parcial, para não coincidir com o mandato dos dirigentes e alcaides municipais e para que fiquem desacoplados dos períodos dos mandatos eleitorais. (...).103

É muito comum que nas reuniões dos conselhos, diversos assuntos não constantes na pauta, tampouco de pertinência do conselho, sejam abordados, como se verá nos estudos de caso. Contudo, é natural, já que na maioria dos casos, é o único espaço coletivo onde existe o canal aberto para apresentação das queixas. E este é um indicativo que pode ser utilizado para aferir a qualidade do debate: ³(...) A qualidade do processo decisório não depende apenas de µquem¶ e µcomo¶ se debate e se delibera, mas o que se define também em termos de µo que¶ ocupa maior espaço na pauta das reuniões´.104

(HVWH³RTXH´SRGHVHUJHQHULFDPHQWHFDUDFWHUL]DGRFRPRDVVXQWRS~EOLFRRXLQWHUQR (referentes ao próprio conselho105), sendo o primeiro de interesse geral. E nesse passo, Fuks, analisando a pesquisa realizada pelo CNPQ106, afirma que a prevalência por assuntos públicos

faz supor que a agenda do conselho foi ocupada por temas substantivos.107 Contudo, por mais

que este seja um indicativo de que o debate esteja se orientando para o interesse coletivo, este aspecto pode não ser suficiente para se avaliar a qualidade das reuniões do conselho.

&RPRDILUPD*RKQ³  HOHVQHFHVVLWDPLQVWLWXLUIRUPDVSUySULDVGHSHQVDUDFLGDGHH seus problemas para além dos µSODQHMDPHQWRV HVWUDWpJLFRV¶, de caráter emergencial, que diagnosticam para selecionar/prLRUL]DUDVXUJrQFLDV´.108

Há alguns desafios que ainda estão impostos para que se verifique um salto de qualidade ao funcionamento dos conselhos gestores: o aumento de recursos públicos no orçamento público, paridade efetiva, qualificação dos conselheiros, tornar a atividade dos conselheiros passível de fiscalização, especialmente por seus representados.

103GOHN, Maria da Glória. Conselhos gestores e participação sociopolítica. São Paulo: Cortez, 2011. p. 95-

96.

104FUKS, Mario; PERISSINOTO, Renato M.; SOUZA, Nelson Rosario de. (Orgs.). Democracia e

participação. Curitiba (PR): UFPR, 2004. p. 36.

105O autor classifica interesses internos ao conselho: regimento interno, estrutura de participação, capacitação; e

assuntos públicos: finanças, funcionalismo, saúde, participação, políticas públicas, programas governamentais, credenciamento, controle social.

106Pesquisa financiada pelo CNPQ, coordenada pelo Professor Mário Fuks e desenvolvida pelo núcleo de

SHVTXLVD³'HPRFUDFLDH3ROtWLFDV6RFLDLVQR3DUDQi´UHIHUHQWHVjJHVWmR-2001, do Conselho Municipal de Saúde de Curitiba.

107FUKS; PERISSINOTO; SOUZA, op. cit., p. 37. 108GOHN, op. cit., p. 115.