• Nenhum resultado encontrado

2 A FOLIA DE REIS

15. ou e ai (dits.) – a) Acentuado ou não, contrai-se o primeiro em ô: pôco,

2.6.17 Ôh Patrão! o Palhaço

Os Palhaços da Folia de Reis também recebem o nome de Marungo, Alfer, Bastião. Representam a parte cômica do rito, mas que se estabelecem dentro de uma forma rígida de atuação. Isto quer dizer que, atuam dentro de regras que não podem ser quebradas, como por exemplo, seu protocolo ao chegar a uma casa, o modo como se portam diante de um presépio, que tem como preceito ficarem de joelhos e fazer toda a adoração ao presépio, recitando a história do nascimento de Cristo. Eles constituem a única parte que podemos chamar de “dramática” na Folia, pois tomam papel de personagens. Araujo (1949) cita além dos Palhaços, outros personagens que integram a Folia: “na roça aos domingos e feriados, na folia aparecem mais três personagens, fantasiados e com máscaras: Pai João, Catirina e Palhaço.” (ARAUJO, 1949, p.229)

A máscara do Palhaço é também de couro, cobrindo a face e se prolonga acima da cabeça em forma cônica, com u’a pelota na ponta. A máscara toda enfeitada de fitas, é de cor pardo-escuro. Sua roupa é inteiriça, paletó e calça de um pano só, vermelho ramado, calças muito ajustadas, toalha no pescoço. O Palhaço pouco fala, porém pula muito, e é o que mais procura brincar com as pessoas que deparam na estrada, nas casas ou nas vendolas à beira do caminho. (ARAUJO, 1949, p.429-430)

Esses personagens relatados por Araujo, também são próprios dos folguedos de Bois descritos por Mário de Andrade (1982), como aparecem citados por Bueno (2004) em seu trabalho Palhaços da cara preta: Pai Francisco, Catirina, Mateus e Bastião, parentes de

Macunaíma nos Bumba-bois e Folias-de-Reis – MA, PE, MG.

O Palhaço da Folia de Reis tem a função de cuidar e proteger a Bandeira, por isso também leva o nome de Alferes, que se origina das patentes militares coloniais e imperiais. Lembrando que em algumas Folias o nome “Arfer” (Alferes) é empregado para a pessoa que carrega a Bandeira. No giro, o Palhaço anda sempre ao lado da Bandeira, e nunca à sua frente. Usa uma roupa muito colorida, geralmente feita de pano de chita e uma máscara horrenda, feita de pelúcia, couro de boi ou o material que tiver disponível. “As máscaras usadas por

couro de diversos tipos (especialmente de capivara), crinas e presas, assim como materiais industriais, espuma, espelhos, EVA etc.” (BITTER, 2010, p.201)

Geralmente na máscara, colocam dentes pontudos, deixando-a mais tenebrosa possível. Sua obrigação é fazer louvações a presépios e arcos (esses aparecem nos momentos mais solenes do dia, que são o Almoço e a Janta, como também no dia da Festa de Reis). Quando se dirige a alguém antes de adentrar uma casa, ou parado à frente do arco, faz todo o seu diálogo em versos, ao seu dizer “trovados”, que quer dizer rimados, que aparecem na maioria das vezes em sextilhas.

Entre seus versos de louvação, também faz versos cômicos alegrando os presentes. É comum ver que algumas crianças têm medo deles, mas muitas outras procuram provocá-los, resultando em brincadeiras de correria, e distribuição de balas, assim eles também têm a função de distrair os presentes. Outra função do Palhaço é dialogar com o dono da casa solicitando prendas ou dinheiro.

Segundo o Alfer Zé Aguiar da Folia de Reis União de Cajuru-SP, sobre a origem dos Palhaços, diz a lenda que dois irmãos, soldados de Herodes, mandados por ele para achar e matar o Menino Jesus, ao encontrar o Menino, converteram-se, passando então a protegê-lo e distrair os outros soldados que por ali rondavam à procura Dele, como também ajudando Maria e José na fuga, com o Menino, para o Egito23.

Os Palhaços ao declamarem seus versos realizam uma inflexão na voz trazem uma sonoridade específica na declamação dos versos, muito presente e característica nos Palhaços de Folia de Reis.

Os motivos poéticos, tanto para os repetidores como para os improvisadores, indicam a sua predileção pelo feio e mesmo pelo horrível, pelo fantástico, pelo incomum, pelo jocoso, pelo ridículo, pelo extraordinário e pelo absurdo. O palhaço como que sente necessidade de ser diferente, de se não parecer com o resto dos mortais, de saber estórias que ninguém sabe, de fazer coisas que ninguém faz... Ele é único, insubstituível, inimitável, o maior. Até quando se apresenta ao público. (CASTRO; COUTO, 1960, p.56)

23Vide Anexo A alguns versos que o Palhaço recita, quando encontra no arco das “Chegadas” o ABC do Palhaço de Reis José Aguiar da Companhia de Reis “União” de Cajuru-SP e o Relógio do Palhaço de Reis Ronaldo Paulista da Companhia de Reis dos Prudêncio de Cajuru-SP.

No trecho acima, o público não bate palma, os aplausos vêm em forma de gargalhadas e moedas que são atiradas para eles “Espião ou guia, o Palhaço está ligado à tradição dos bufões e histriões medievais, cuja função era transmitir notícias e divertir o povo – sempre com alta dose de mordacidade e com a intenção de fazer o público participar, dirigindo-se a ele diretamente.” (MOREYRA, 1983, p. 151)

Mário de Andrade fala sobre a prática do cômico nos ritos religiosos das tradições populares em que há elementos, ou personagens, que se assemelham ao papel do Palhaço: “A vontade de caçoar, de se libertar de valores dominantes por meio do riso, produziu a inflamação de episódios como esses, em que o povo atinge inocentemente o próprio sacrilégio, numa serena ausência de pecado.” (ANDRADE, 1982, vol.1, p.26)

O Palhaço além de sua fascinante facilidade de falar versos improvisados, carrega consigo a identidade ocultada pela máscara. A simbologia da máscara que mais parece um “bicho feio”, provoca medo em alguns e encantamento em outros. Quando os Palhaços a vestem, se transformam por completo. Andrade em um trecho das Danças Dramáticas relata um Dia de Reis, falando de mascarados que faziam parte dos folguedos e seu sentido “exorcisador”:

De tudo isto dei prova abundante na minha conferência sobre os Catimbós. E também nestas ocasiões os indivíduos do cortejo costumam andar feiamente

mascarados, na intenção de pôr em fuga, com maior facilidade, os espíritos maus. E ainda nesses cortejos pagãos da Europa atual, conforme a

dádiva, as despedidas são também de benção ou maldição. Todos esses

costumes existem em nossos Reis. A música, os mascarados exorcizadores, as despedidas de bem – ou maldizer, tudo persevera,

desabusadamente concebido, só pra divertir, imaginam. Se veja esta mais

cuidadosa descrição da tirada de Reis, por Joaquim Manuel de Macedo

(86, II, 149): “E enfim o dia de Reis fazia-se muito apreciado pelas cantatas de Reis, que começavam na noite cinco e repetiam-se na de seis de janeiro. Eram numerosos os Reis que corriam a cidade, cantando às portas das casas das famílias amigas, (aqui ele cita a gastronomia- P.R) que ofereciam a esses obsequiadores ceias opíparas e riquíssimas mesas de doces: havia cantador de Reis que atacava dez ou doze ceias em uma noite, e não tinham indigestão. Os cantadores de Reis compunham-se de mancebos e moças, de ordinário vestidos a camponesa, e de alguns mascarados a quem competia alegrar as companhias, provocando risadas. (ANDRADE, 1982, vol.1, p.61, grifo nosso).

No contexto da história dos Palhaços, seu papel é justamente o de abrir caminho para a Bandeira, para os Santos Reis. Utilizam seus gritos, máscara horrenda e movimentos agitados,

que garantem uma espécie de segurança, na maioria dos ritos sagrados tal ato torna-se necessário ao abrir e fechar o rito pelo fato de que um momento de “passagem” entre o “divino e o humano”, entre o “bem e o mal” está prestes a iniciar e do mesmo modo precisará ser encerrado, espantando o que de ruim possa impedir para que tal ato aconteça.