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2 A FOLIA DE REIS

15. ou e ai (dits.) – a) Acentuado ou não, contrai-se o primeiro em ô: pôco,

2.6.2 Jornada e Giro

Os seis dias completos, em alguns casos 13 dias, de peregrinação da Folia são chamados de Jornada, equiparados, no entanto, com os dias em que os Três Reis, guiados pela Estrela Guia,demoraram a chegar onde estava o Menino Jesus. Segundo Mário de Andrade, a denominação Jornada vem da terminologia tradicional do teatro ibérico para os episódios diversos da parte dramática (ANDRADE, 1982).

Brandão (1977) reforça que na Folia a jornada deve ser “cumprida” de tal forma que comece pelo Leste (Oriente) e termine a Oeste (Belém). Todo o percurso da jornada está dividido entre o “giro” e o “pouso”. A Folia gira entre um pouso e outro, cumprindo sua obrigação de passar de casa em casa, pedindo esmolas “em nome de Santos Reis”. O pouso

(pernoite) era feito antigamente, quando os foliões (nome dado aos que participam da Folia) passavam a noite, junto à Bandeira, pois faziam a peregrinação a pé, não havendo a possibilidade de voltarem para casa. Hoje em dia fazem a maioria do trajeto de carro, podendo assim, retornar as suas casas para dormir, retomando o giro no dia seguinte, da casa em que pousou a Bandeira. Antigamente na Folia dos Prudêncio todos os Foliões junto da Bandeira e dos Palhaços, dormiam na casa. Já na década de 1990 apenas a Bandeira, o Embaixador e os Palhaços dormiam nas casas, atualmente apenas a Bandeira pousa na casa. Em alguns lugares também é chamado de pouso, além da casa em que pousa de fato a Bandeira, a casa que oferece o almoço para a Folia, designando pouso então os dois momentos de descanso do grupo, o almoço e o jantar. Para esses momentos são dados os nomes de Chegadas, momentos mais solenes do dia. O nome origina-se da chegada que os Três Reis fizeram na Lapa de Belém para visitar o Menino Jesus. A cada “almoço” e “janta” é realizado um tipo de “Chegada”, nominados de “Chegada de Almoço” e “Chegada de Janta”.

Dentro da grande estrutura da jornada dois seis dias da Folia, no caso da dos Prudêncio, existem outras pequenas estruturas que nada mais são do que a repetição da estrutura maior. A cada dia refaz-se a caminhada dos Magos a gruta de Belém, repetindo o enredo da Natividade reforçando diariamente a cada visita feita, culminando nos pontos mais importantes do dia, as Chegadas. Em algumas etnografias sobre a Folia, são relatadas ocasiões de pouso em que se dançava catira, como forma de passatempo. E é entre os “pousos” que a Folia dos Prudêncio realiza seu giro utilizando-se de cantorias específicas para cada momento.

A convivência com o grupo durante a pesquisa possibilitou o entendimento de como estruturam-se os dias de Giro da Folia dos Prudêncio e suas cantorias, que resultou na seguinte organização, vejamos o quadro abaixo:

Estrutura e Cantorias do Giro da Folia de Reis dos Prudêncio de Cajuru-SP

Atividades Dias de Janeiro

Café da manhã onde pousou a Bandeira e os instrumentos

2,3,4,5 e 6

Cantoria pedindo que o dono da casa traga a Bandeira- Beijo da Bandeira- Agradecimento da janta e do café em cantoria- (versos e música da cantoria )

2, 3, 4, 5 e 6

Cantoria da Saída - Beijo da Bandeira- cantoria de agradecimento do almoço

(versos e música da cantoria)

Oração- reza do terço 1 e 6

Cantoria da manhã (realizada em diversas casas) (versos e música da cantoria)

2, 3, 4, 5 e 6

Cantoria na Chegada da casa do almoço- (versos e música da cantoria)

2, 3, 4 e 5

Almoço 1, 2, 3, 4, 5 e 6

Agradecimento do almoço em cantoria (versos e música da cantoria)

1, 2, 3, 4 e 5

Cantoria da tarde realizada em diversas casas (versos e música da cantoria)

1, 2, 3, 4 e 5

Cantoria para a chegada na casa da janta (versos e música da cantoria)

1, 2, 3, 4 e 5

Janta - onde pousa a Bandeira e os instrumentos 1, 2, 3, 4 e 5 Festa de Reis- Cantoria da Chegada e encerramento no

local da festa do ano (versos e música da cantoria)

6

Baile 6

Quadro 3 - Programa do Giro da Folia de Reis dos Prudêncio

As partes móveis da tabela são sempre de cantoria, onde acontecem as Toadas, que veremos detalhadamente na terceira parte do trabalho. Os versos são algumas vezes improvisados e em outras, adaptados à ocasião.

2.6.3 A Saída

A Saída é a primeira parte do Giro. Um dos dias mais importantes da peregrinação da Folia de Reis, dia em que os foliões iniciam sua “missão”, assim como fizeram os Três Reis Magos quando viajaram para Belém, eles reproduzem essa viajem, revivendo o épico e a partir dele criando valores e significados.

Brandão (1977) quando descreve a Folia de Reis da cidade de Mossâmedes-GO, ele mostra passo a passo do giro da Folia, sua rotina e de seus fazedores. Ele específica da seguinte forma a cerimônias de saída: a) a reza do terço diante do altar; b) almoço dos foliões e cantoria dos benditos de mesa (estes podem ser o agradecimento da comida, que na Companhia dos Prudêncio é feita de forma falada pelos Alferes) ;c) falas de saída da companhia; d) cantorias de saída. Afirma que com o passar dos anos pode haver mudanças na estrutura por não ser uma estrutura ritualística rígida (BRANDÃO, 1977, p.11). Para o autor o momento da “saída” é o segundo mais importante na Folia, sendo o primeiro o da “entrega”, a Chegada da Festa de Reis.

Em Canesin e Silva (1983) a peregrinação também é chamada de Giro, e “a saída é sempre feita a direita, nunca pela esquerda, e o caminho não se cruza. A Folia dos Prudêncio segue à risca o costume de não cruzar os caminhos, ou seja, o caminho de passagem da Folia deve ser organizado de maneira que nunca passe pelo mesmo lugar duas vezes, como se realizasse um movimento circular, pois os Três Reis Magos quando avisados pelo Anjo que Herodes tinha a intenção de segui-los a fim de saber onde estava o Menino Jesus para poder matá-lo, realizaram um outro caminho de volta, para despistar Herodes.

Canesin e Silva afirmam que quando acontece um encontro entre Folias, eles não entram em conflito, simplesmente saúdam os outros foliões e continuam a jornada (CANESIN; SILVA, 1983, p.48). Antigamente era costume entre as Folias de Reis realizarem versos de desafio, em que a Folia vencedora ficaria com os instrumentos e a Bandeira da outra. Nesses encontros eram comuns grandes confusões que muitas vezes acabavam em mortes.

Na descrição de Jornada feita por Brandão a Folia viaja da casa do Folião do Ano (“pouso da saída”) para a casa do festeiro (“pouso da entrega” e da “festa”). Folião do Ano é a pessoa que aquele ano fica encarregado de levar a Bandeira à frente da Companhia, bem como de estar atento zelando por este que é o símbolo sagrado da Companhia. Canesin e Silva (1983) relatam a dinâmica da Folia, os integrantes passam grande parte do tempo na casa que vai dar o Almoço, ali dançam catira e forró durante toda a tarde, depois acontece a reza do terço, a noite jantam e agradecem a refeição e saem em Giro, que é feito praticamente todo a noite. (CANESIN, SILVA, 1983, p.71).

Na Folia dos Prudêncio o Giro é planejado aproximadamente um ano antes da Jornada e definidos os locais onde acontecerão as “chegadas de almoço e janta”. Muitas vezes, acontece de já haver oferecimento de Almoços e Jantas para mais de duas jornadas, ficando o

devoto numa espécie de “lista de espera” para os próximos anos. Em Porto (1982) o trajeto também é planejado com antecedência e rigorosamente respeitado. A Folia quase sempre sai da casa onde será a festa de encerramento, pode ser a casa do mestre (nomeado como Embaixador, a pessoa responsável em puxar a cantoria) ou a casa de quem está custeando a festa de encerramento. Às vezes a saída da Folia não é feita no mesmo lugar da chegada. Eles realizam o giro durante o dia e a noite. Em Porto, o início dos giros das Folias varia entre o dia 24 de dezembro a meia noite e 25 de dezembro ao meio dia, mas o encerramento é sempre no dia 6 de janeiro. Assinala a dificuldade de cumprir o trajeto por causa das chuvas do mês de janeiro, ponto este muito relevante, quando se pensa na performance da Folia, desde afinação dos instrumentos até a vestimenta. Não consta se há um nome específico para saída e chegada, como há na Folia dos Prudêncio (PORTO, 1982, p.26).

Em relação ao giro feito a noite, Brandão descreve o pensamento dos foliões de Mossâmedes, que dizem que “hoje em dia” se faz errado, pois o giro deve continuar a noite, e sempre deve fazer silêncio, coisa que não acontece mais, pois os foliões dormem a noite e caminham de forma festiva, sem silêncio em suas caminhadas noturnas, atitudes reprovadas por alguns foliões. Também descreve a proibição da Folia passar pelo mesmo caminho, ou cruzar caminho. Deve-se evitar o encontro de duas bandeiras, por conta dos conflitos de antigamente, deve-se evitar encontrar um presépio. Diferente da dos Prudêncio, que não evita encontrar presépio e quando isso acontece há toda uma ritualização e solenidade. Relata que um mestre em uma ocasião encontrou um presépio e o dono da casa pediu que “cumprissem com a obrigação”, o mestre então fez a parte do ritual cantando e disse que fez apenas uma parte da adoração, pois a forma completa só poderia realizar no dia da “entrega” (6 de janeiro, dia de Reis) (BRANDÃO, 1977, p.9).

O ritual nas casas do giro é muito mais simples do que nas casas de pouso. Ele se divide nas partes seguintes: a) cantoria na porta da casa com avisos de visita e pedidos de esmola; b) diálogo jocoso do palhaço com o dono da casa; c) doação de esmola e agradecimentos com pedidos de bênçãos. (BRANDÃO, 1977, p.22)

Brandão descreve como é feita a Chegada a um pouso. A Companhia dos Prudêncio compartilha da mesma forma:

O percurso da jornada é feito de tal modo que, de casa em casa, a companhia de Santos Reis aproxima-se do local do pouso. A chegada em um pouso é sempre muito festiva. Desde a aproximação do grupo, as pessoas da casa começam a soltar fogos. O grupo aproxima-se do quintal da casa tocando os seus instrumentos. Faz as evoluções do caracol e se aproxima cantando.(...) Tal como nas casas do giro os moradores esperam pela Folia do lado de fora da casa. É feito um arco com bambu e folhas de bananeira. (...) Todo o lugar é enfeitado com bandeirinhas de papel colorido. (BRANDÃO, 1977, p.24)

Nota-se que durante o período de Jornada e Giro, o tempo é modificado pelos agentes da Folia e o tempo do homem se transforma no tempo do próprio mito. Sempre quando se referenciam a história da visitação dos Magos, o tempo é sempre um momento fantástico de tempos imemoriais. “Um mito sempre se refere a eventos passados, “antes da criação do mundo” ou “nos primórdios”- em todo caso, “há muito tempo”.” (LÉVI-STRAUSS, 2012, p.297). Assim, esse deslocar do tempo faz com que o rito se transforme em um momento anacrônico de sobreposições de gestos e condutas:

Quando se tornam tanto homens como ratos, os homens são removidos do espaço e do tempo da atividade cotidiana. Sua identidade remete ao tempo do próprio mito, e “encerra um paradoxo” (no sentido de Herzfeld 1979), na medida em que eles serão criaturas do pátio e da periferia a um só tempo. É essa espécie de justaposição radical de tempos e espaços diferentes que confere a esses momentos sua potência conceitual. (SEEGER, 2015, p.229)

Assim, o espaço é transformado auxiliando na performance e eficácia do rito.