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2 A FOLIA DE REIS

15. ou e ai (dits.) – a) Acentuado ou não, contrai-se o primeiro em ô: pôco,

2.6.15 Música e Funções

A música na Folia de Reis é rodeada de funções. A música orienta diversas ações do ritual, ao mesmo tempo em que causa e feitos psíquicos aos que assistem ao rito. Através das

Toadas e textos cantados, orienta e/ou avisa as ações que devem ser realizadas. A música, no entanto, torna-se um veículo ritual, dentro de sua estrutura “toada-texto” direciona as pessoas que dela participam, gerando ações e reações. Nas etnografias sobre a Folia são inúmeras as descrições feitas desses momentos. Outro fato no que diz respeito a função, está vinculada a ação de transcendência da música, assunto que veremos mais detalhadamente na quarta parte deste trabalho.

Em Castro e Couto o canto é separado em duas espécies: os de saudações (louva) e as profecias, ou seja, os cânticos de ocasião “para saudar o dono da casa, ou uma outra bandeira que se encontre em marcha, um presépio, etc. e os cânticos de motivo bíblico, em torno de episódios relacionados com a Natividade. A maioria das folias não tem um cântico próprio para São Sebastião.” (CASTRO; COUTO, 1960, p.43)

Brandão ao relatar a cantoria de “saída” diz que o rito se faz e se concretiza através da música, e por isso ela é tão importante:

O núcleo do ritual da Folia é a sua cantoria. Nela estão os principais símbolos rituais e todos os momentos anteriores ou posteriores à cantoria são preparatórios ou complementares. É através da cantoria de Santos Reis que os principais momentos de toda a jornada são realizados: a “saída” da casa do folião do ano; os pedidos de esmola pelas casas do giro; os pedidos de pouso; a “passação da coroa” e a “passação do galho”; a adoração ao Menino Jesus, na “entrega. (BRANDÃO, 1977, p.18)

Brandão diz que “uma mesma música é repetida infinitas vezes durante os sete dias de jornada. Ela é considerada como típica daquela Companhia e somente muda no momento da cantoria da adoração do presépio. Ele descreve como são formadas as estrofes da cantoria nas quais “o embaixador canta sozinho duas frases de uma estrofe. Os outros cantores repetem os dois versos e terminam com o longo grito dos “requinteiros”. De novo o embaixador retoma a cantoria e completa a estrofe com mais duas frases. Elas são igualmente respondidas.” (BRANDÃO, 1977, p.18).

O uso da cantoria é muitas vezes “ajustável”. O Embaixador de certa forma administra o tempo da cantoria ao escolher que tipo de Toada irá cantar. Dependendo de como estiver organizado o itinerário do dia, lugares onde a Folia tem que cantar para cumprir a jornada, faz com que se cante mais rápido, lento ou que uma toada possa descansar os cantadores se por

exemplo já é tarde da noite. Ou seja, ela é ajustada pelo Embaixador à necessidade do momento, no entanto manipulável e direcionada.

A esse respeito, Brandão conta sobre a conduta do mestre da Companhia de Reis de Caldas, que puxa uma toada “no ritmo de congado”, com o intuito de chegar mais rápido no “pouso do almoço”, sem a necessidade de repetir após as quadras as vozes do Tiple e Contra- tiple ou seja é uma toada mais curta. Completa apontando que o mestre tem que cumprir certo protocolo, coisas que ele tem obrigação de cantar, como tipos de louvação dependendo do que se apresenta ali na hora da visita, como por exemplo o arco, presépio ou rojão, e tudo isso, ele tem que agregar em seus versos na hora da cantoria (BRANDÃO, 1981, p.20).

Descrevendo os diversos tipos de cantoria, apresenta as seguintes: a) para a Folia pedir almoço ou pouso da janta e dormida; b) para se apresentar e dizer por que veio; c) para pedir ofertas de esmolas; d) para agradecer por serviços de pouso e de ofertas de bens, distribuindo bênçãos em nome de Santos Reis; e) para atualizar o cumprimento de promessas; f) para se despedir de volta à caminhada entre casas; g) para fazer a adoração ao presépio. (BRANDÃO, 1981, p.39).

Esse formato de tipos de cantoria, também aparece em Moreyra, que aponta os cantos próprios para cada fase do ritual como Chegada, Saída, Pedido de Esmola, Agradecimentos, Adoração do Presépio. A firma que são os versos (o texto) que caracterizam as diversas Cantorias, sendo eles de domínio público. Muitas vezes essa questão de apropriação de texto e música na música dita tradicional, no caso da Folia de Reis é muito relativa. Temos na região de Cajuru uma grande quantidade de Folias de Reis. As Toadas acabam por circularem entre os grupos e o interessante é que muitas vezes certas são reconhecidas como de autoria deste ou de outro Embaixador, mantendo de certa forma reconhecido esse direito autoral, coisa que já não ocorre com os textos, por fazerem parte de um enredo que é comum a todas elas.

Moreyra quando descreve a forma Folia, aponta para duas partes, cada uma contendo duas ou três frases musicais diferentes, com quatro compassos cada – entre as três frases, o texto da última repete o da segunda. Em algumas Folias o coro repete o verso do Embaixador ou, como dizem os foliões, “dobra o verso”. Nos exemplos musicais transcritos por Moreyra constam apenas a melodia do Embaixador sem a resposta do coro (MOREYRA, 1983, p.178). Ao falar sobre os “sistemas de cantoria”, Moreyra diz que o sistema mineiro é a “Folia de sete vozes”, que são apresentadas em entradas sucessivas. A autora pontua que o sistema goiano está ligado às Folias do Divino e o sistema Mineiro encontra sua forma de expressão

nas Folias de Santos Reis, não sendo usado, portanto nas Folias do Divino (MOREYRA, 1983, p.175). A esse respeito falaremos mais detalhadamente na quarta parte do trabalho, quando expusermos os sistemas de cantoria constantes nas Folias de Reis.

Canesin e Silva (1983) mostram os tipos de cantoria para o ritual em que tanto o giro como a Recolhida, são feitos de formas diferentes do que conhecemos em Cajuru. O Giro inicia-se a noite, completando seu itinerário na noite seguinte. A sequência da Recolhida (que é relativa a Chegada da Folia dos Prudêncio) acontece da seguinte forma:iniciando por volta da meia-noite, as seguintes cantorias:1º- Saudação do Arco; 2º Pedindo para Abrir a Porta; 3º Abrir a Corrente; 4º Licença ao Folião de Guia (este quando houver outro que não seja da própria Companhia); 5º Nascimento; 6º Catira (as pessoas amanhecem dançando catira e forró); 7º Bendito de Mesa (os foliões voltam a casa que está sendo a recolhida para almoçarem); 8º Entrega da Folia (escolhem os novos Festeiros) (CANESIN; SILVA, 1983, p.78).

Porto (1982) também faz divisões dentro do rito, que se aproxima das apontadas pelos autores anteriores. Nos ritos de chegada a uma casa, pergunta-se se a pessoa quer receber a Bandeira, se sim, entrega-se a Bandeira, e a pessoa que a recebe passa a Bandeira por todos os cômodos da casa. Nos ritos de louvação aparece o pedido de licença (com canto) para entrar na casa, se houver presépio na casa o primeiro canto já é direcionado ao presépio, em que é realizada juntamente uma louvação aos moradores (o autor cita que há também versos cantados a falecidos quando os moradores da casa pedem, na Folia dos Prudêncio quando isso acontece a Bandeira fica de pé apoiada no chão, ninguém a segura, e o canto é diferenciado, não fazendo uso da percussão); pedido de esmolas; agradecimento (o autor cita que essas melodias cantadas levam o nome de “toadas”, e contabiliza mais de 10 tipos de toadas de agradecimento, ressalto que essa nomenclatura não aparece na grande maioria das etnografias sobre a Folia).

A respeito dos ritos relativos ao encontro entre duas Folias, o autor diz que esse é logo evitado, por causa da demora que pode acarretar no cumprimento do trajeto do dia e das rivalidades existentes entres as Folias. Existe um rito específico e complexo para esse momento, que descreve da seguinte maneira: Rito de saudação: um mestre tem que saudar cantando a Bandeira da outra Folia. Rito do beijo das Bandeiras: os bandeireiros cruzam as Bandeiras e os foliões beijam a Bandeira da outra Folia e vice-versa. Às vezes se inicia o “hino do nascimento” conhecido como “canto das 25 estrofes”, o autor diz que esse é um dos poucos versos fixos das Folias, em que um Mestre começa a cantoria e o outro Mestre tem

que continuar a cantar a partir do ponto que o primeiro parar de cantar, como uma espécie de “desafio”. Porto completa citando o rito da esmola em que os foliões de uma Companhia oferecem as esmolas para a outra (PORTO, 1982, p.28-30)

Vimos que os ritos são muito semelhantes e em alguns casos idênticos entre os grupos estudados, apontando para uma uniformidade no que diz respeito a forma do que seria o ritual da Folia de Reis.

2.6.16 O Bendito

Bendito na liturgia católica é uma louvação a Deus. Segundo o Catecismo abençoar (dizer “bendito seja”) é uma ação divina que dá a vida e de que o Pai (Deus) é a fonte, aplicada ao homem, tal palavra significa a adoração e a entrega ao seu Criador, em ação de graças (CATECISMO, 2000, p.305), sendo o Bendito um dos tipos de doxologia22 no rito católico.

Muitos autores citam o Bendito de Mesa, cantado ao redor da mesa de comida, para agradecer o alimento ali ofertado aos foliões. Na Folia dos Prudêncio não existe uma cantoria específica para isso, eles apenas agradecem o alimento em forma de versos declamados pelos Palhaços completados pela oração do Pai Nosso.

Yara Moreyra fala que o Bendito de Mesa pode ser cantado no Sistema Goiano com as vozes dobradas ou como os Terços Cantados, sempre antifonais (MOREYRA, 1983, p.183). Completando, em Brandão (1977) temos a seguinte descrição: “O almoço é servido primeiramente aos foliões. Logo após o almoço eles cantam o “Bendito de Mesa” que é uma oração cantada em agradecimento a comida e distribui bênçãos a quem preparou a comida.” (BRANDÃO, 1977, p.13). Qualquer um dos foliões pode “puxar” o bendito da seguinte maneira “a ordem da cantoria é determinada pela combinação de vozes”, no entanto não se sabe ao certo como é esse canto. Acrescenta ainda que o Bendito de Mesa nunca é acompanhado de instrumentos de música. (BRANDÃO, 1977, p.13)