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4 MÚSICA E FOLIA

4.1 TOADA: A MÚSICA DA FOLIA

Na parte central deste trabalho colocamos o que mais “lustra os ouvidos” de quem vive a Folia de Reis, seja tocando, cantando, acompanhando os dias de Giro ou apenas parando para ouvir alguns minutos: a Toada. A música da Folia, em sua estrutura geral, no entanto, encerra-se na toada. Esta é a nomenclatura atribuída pelos Foliões às melodias que são cantadas pela Folia. Essas melodias comportam uma ideia musical que se divide em duas partes que eles nomeiam de “embaixada” e “resposta”. Procuramos estudar os cinco tipos de toadas presentes na Folia de Reis dos Prudêncio tendo em vista situações específicas do cantar e improvisar versos. No decorrer do trabalho pudemos perceber que a toada cantada atua de diferentes maneiras, como quando se chega a uma casa, com presépio ou não, o que subentende duas formas diversas de responder musicalmente; como a toada cantada quando a Folia é surpreendida por algum fiel em meio a seu trajeto; como a toada cantada em memória de alguém que faleceu (nessa situação ninguém segura a Bandeira que permanece apoiada no chão).

Para tanto, arrolamos definições do termo, dadas por alguns autores para melhor entender seu uso e sentido, comparando suas definições. Câmara Cascudo traz em seu

Dicionário do Folclore Brasileiro (2010), que o termo toada refere-se a “Cantiga, canção,

cantilena; solfa, a melodia nos versos para cantar-se”. Apoia-se nas definições de Izaac Newton, Renato Almeida e Oneyda Alvarenga que apresentam o termo como “sinônimo de Soada”, “forma do romance lírico brasileiro, “canção breve, em geral de estrofe e refrão, em quadras”. Cascudo aponta nas definições de Oneyda Alvarenga que a toada é encontrada por todo o Brasil, e que musicalmente não tem o caráter definido e inconfundível da moda caipira, mostrando um possível uso como uma “forma” musical de um tipo especial de canção empregada em seu sentido genérico da mesma forma que a moda. Diz que formalmente é composta de estrofe e refrão de melancolia dolente, num processo comum da entonação a duas vozes em terça. Como sinônimo da solfa, música, o som e o tom, sempre ligada à forma musical e não à disposição poética.

No Dicionário Musical Brasileiro de Mário de Andrade editado em 1989, oferece um estudo do verbete com definições organizadas e pré-organizadas pelo autor. No primeiro

estudo o autor chama de toada “Cantiga, sem forma fixa. Se distingue pelo caráter no geral melancólico, dolente, arrastado”, como também a ideia de linha melódica. Em uma das letras expostas em suas explicações há o uso das sílabas “ai ai ai”, que nos chama atenção pelo fato de estar muito presente nas toadas da Folia de Reis. Logo a frente ele diz que Toada no domínio caipira, significa “melodia, a linha melódica e não o conjunto de peça”, isto é, a poesia cantada com acompanhamento de viola ou violão e completa atribuindo também o significado de tonalidade e afinação. (ANDRADE, 1989, p.518).

Em outros dicionários musicais, encontramos que “no Brasil configura-se como cantiga geralmente melancólica ou arrastada; o termo também é empregado regionalmente no sentido de “entonação” ou “linha melódica” (GROVE, 1994, p.950). Segundo Henrique Dourado (2008), toada é “uma breve canção brasileira de caráter triste, lamentoso e em andamento lento”, como também pode designar genericamente melodias que possuem características semelhantes (DOURADO, 2008, p.334).

Dentro das definições e estudos feitos pelos autores citados acima, comparamos com o sentido atribuído pelos foliões à palavra “Toada”, podemos afirmar que são as melodias cantadas que dão a entender uma forma melódica a ser seguida com altura definida. A Folia se dá com uso de versos feitos na cantoria onde o Embaixador “tira o verso” e o coro “responde” em cantoria, que muito se assemelha ao canto antifonal comumente encontrado na música tradicional brasileira no geral (ANDRADE, 1989). Elas são entendidas como formas fechadas em linhas melódicas, que são completas no sentido de começo, meio e fim, que fazem parte de uma “forma” composicional, pelo fato de serem estipuladas como uma unidade formal musical. Os Embaixadores têm diversas delas disponíveis em seu repertório, lembrando que ela em si, não se faz dependente do texto, mas o texto é dependente dela, pois ao escolher uma Toada o Embaixador terá a necessidade de ajustar o texto dentro da extensão melódica desta.

Assim, com base na performance da Folia de Reis dos Prudêncio elas são utilizadas em seis situações principais, “Chegadas”, “Despedida”, “Agradecimento”, Promessa”, “Pedido e Distribuição de Bênçãos”. Pertencem a sistemas de cantoria que são conhecidas como Toada de Caminhada, Toada Mineira, Toada Paulista, Toada Dobrada e Toada de Falecidos. Entre elas observamos movimentos de funções harmônicas diferentes, mas igualam-se em outras características como por exemplo a tonalidade, que se mantém sempre a mesma, embora haja variação no número de vozes, nas formas, assim como a resposta do coro. Para melhor entendê-las, foi necessário transcrever as toadas encontradas nas coleções que delimitamos entre os anos de 1982 a 2015. A possibilidade de realizar a anotação do texto sonoro nos proporciona o registro desse importante repertório musical, mesmo realizando

aproximações necessárias na escrita, pois a partitura apenas funciona como um “lembrete”, já que não consegue traduzir com exatidão o que foi cantado e tocado no momento correspondente, comparada a uma gravação, por exemplo. Há de se levar em conta que o caminho da escrita musical neste caso é o inverso, pois trata-se de uma música feita a partir do “não escrito”, carregada das implicações próprias dessa dinâmica de movimento musical. Uma delas é a responsabilidade para com as escolhas feitas das notas escritas, pois nem tudo que foi escrito trata-se exatamente do que foi cantado ou tocado e sim de aproximações, pelo fato de ser uma música dinâmica (dentro do que é permitido entre os cantadores) a depender de quem canta e do momento que canta, sendo que grande parte da composição musical vem a partir da interpretação do cantador, ou tocador, como os fazedores da Folia se nomeiam. Por isso, é necessário pensar muito bem e considerar inúmeros aspectos na hora de transcrever, como por exemplo, a escolha do dia em que determinada toada foi cantada, pois isso acarreta mudanças na performance. Na toada cantada no dia 1º de janeiro (primeiro dia de Giro da Folia) a maioria dos cantadores está com a voz descansada como na maioria das manhãs do giro, diferentemente do dia 6 de janeiro (último dia de Giro da Folia), em que os cantadores provavelmente estarão com as vozes cansadas, alguns com rouquidão, mudando muito sua forma de cantar, até mesmo deixando de cantar certas notas e também certas toadas. As descrições minuciosas dos registros são necessárias e importantes, por fornecerem o máximo de informações sobre a música e sobre os textos, já que estes funcionam conjuntamente. Pudemos rastrear na cronologia da Folia de Reis dos Prudêncio, o motivo e a forma como as Toadas acontecem, pois são a base do repertório musical da Folia, estão presentes e se repetem nos diversos anos, presentes na memória coletiva do grupo. Deste modo, as pessoas que ali participam desse “movimento musical”, atribuem as toadas valor e significado, conforme vão presenciando suas diversas performances.