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3 O REGISTRO COMO RESGATE E MEMÓRIA

3.4 PORQUE GRAVAR A FOLIA DE REIS?

No decorrer do trabalho de pesquisa foram realizadas diversas entrevistas tanto na participação em campo como também por telefone. Algumas delas de maneira informal, e outras, como veremos a seguir, de forma planejada em que a mesma pergunta foi feita para vários agentes diferentes. Essas entrevistas trouxeram dados importantes para compreender o papel das gravações dos anos de Folia como também a ação do cantar e tocar. As entrevistas reproduzidas a seguir foram feitas a partir de perguntas preparadas enviadas via WhatsApp26, resultando nas respostas reproduzidas a seguir. Dos entrevistados temos José Carlos Ribeiro, 63 anos, autônomo e José Osvaldo Paulista, 52 anos, funcionário público estadual-agente de serviços escolares, ambos doadores dos registros constantes em nossas coleções. Temos também os Embaixadores Pedro Paulo de Souza, 61 anos, técnico agrícola e seu filho Fábio Marcos de Souza, 37 anos, inspetor de tráfego.

Quando perguntamos a José Carlos e José Osvaldo como era gravar a Folia de Reis na década de 1990, percebemos que uma das coisas que mais motivava as gravações era o registro de momentos familiares, e a Folia era um deles. Tanto José Carlos quanto José Osvaldo são herdeiros da tradição, pois suas famílias são famílias de foliões. José Osvaldo cita a dificuldade que teve para conseguir equipamento para realizar as gravações, e que muitas vezes tinha que pegar emprestada uma filmadora, mas que sempre foi muito prazeroso filmar esses momentos que diz serem inesquecíveis.

Reproduzimos a seguir as palavras de José Carlos Ribeiro e José Osvaldo Paulista:

José Carlos (JC): “Bem...sempre gostei do reis desde criança, como você

sabe é tradição antiga em nossa família, minha vó Messias meu vô João Basílio...a vó cozinheira das festas e o vô folião nato...por outro lado meu vô Elias e vó Maria sempre devotos...vi e ouvi cantorias com toadas lá da Bahia...então vivi minha infância nesse meio...o vô João alfer...na pré- adolescência viemos pra São Simão...1965...ganhei um cavaquinho na época tenho ele até hoje os primeiros acordes que aprendi foi de Reis vô João e tio Orlando que ensinaram. No banco ai com condições de locomoção passei a acompanhar mais amiúde as temporadas de reis...com a aquisição da velha sharp passei a registrar esses momentos...sempre gostei de fotografia e

26O uso desse aplicativo nos facilitou o contato e acesso às informações pelo fato de que cada cantador mora em

uma cidade diferente. Dessa maneira pudemos de uma forma ágil obter as informações necessárias para a composição do trabalho. Essas entrevistas foram feitas entre os dias 20 e 25 de fevereiro de 2017.

cinema...tinha a intuição de que aqueles registros um dia seriam úteis... (risos) ”

José Osvaldo (JO): “Muito difícil! Não tínhamos equipamento e precisamos

muito de ajuda! Meu primo de São Simão/Bento Quirino me ajudou muito emprestando uma filmadora (risos)! Ao mesmo tempo era e, continua sendo muito prazeroso registrar estes momentos inesquecíveis da Cia. de Reis! ”

3.4.1 O que era mais importante gravar/filmar?

JC: “No tocante a companhia, sempre gostei de filmar toda sequência

...desde a puxada de versos pelo Embaixador até o último integrante...com uma câmera só isso quase sempre não era possível...daí a existência de vários cortes nas gravações...eu sonhava um dia ter uma ilha de edição para então trabalhar o material...eu filmava já com essa intenção...já tinha em mente a edição final...mas ainda não consegui, (risos)...gostava de filmar também detalhes tipo pessoas, paisagens, etc.”

JO: “Tudo! Eu queria registrar tudo, tudo, tudo! … (risos) mas o importante

pra mim era ter a Cia cantando. Era o que eu mais gostava e ainda gosto de ver e ouvir! ”

3.4.2 Quais eram as maiores dificuldades?

JC: “Eu preferia filmar...era um prazer e uma alegria enorme...conhecia as

toadas...conhecia o "roteiro"...não tinha muitas dificuldades...as dificuldades eram tipo conciliar o trabalho com os dias de cantoria...muitas e muitas vezes saia do Banco tipo 18hs ia nas jantas, filmava e voltava pra trabalhar noutro dia....do ponto de vista técnico era o uso de uma só câmera, iluminação, chuvas, etc., na maioria das casas a iluminação era muito ruim e as vezes em outras era lamparina...por exemplo as jantas do Batedor...(risos) O Junior, sendo o mais velho (seu filho mais velho) ajudou muitas vezes na iluminação...eu tinha um holofote...e como “camêraman” auxiliar nas raras cenas que apareço...(risos)”

JO: “A maior dificuldade era justamente a falta de equipamento! Até bem

pouco tempo ainda era! Inclusive alguns anos infelizmente não foi possível registrar nada devido a esse problema! É o caso por exemplo da festa em que o Lucas e Valeria fizeram, infelizmente não temos nada registrado daquele ano - não me recordo agora em qual ano foi. ”

3.4.3 Por que você se preocupava em gravar/filmar?

JC: “Como disse em outras palavras era uma forma de perpetuar a

tradição...”

Priscila Ribeiro (PR): Como assim perpetuar a tradição?

“Tipo assim, registrar as cantorias, os costumes, a fé nos Três Reis...daquela região onde nasci, onde viveram meus antepassados...de pai para filho, usando a tecnologia da imagem e do som... Tecnologia essa que não era disponível nos meus tempos de criança. Não sei se ainda dá tempo, mas principalmente nos dias de janta...no banco eu fazia alguns rascunhos de "storyboard" nas horas de folga e levava pras filmagens...devo ter alguns guardados lá naquela estante... (risos) ...lembrei dela hoje! ”

PR: O que é storyboard exatamente?

“São desenhos tipo quadrinhos das cenas que você quer e vai filmar...é pratica comum nas produções de cinema.... Neles você dimensiona luz, espaço entre cenas, perspectiva, etc.”

JO: “Era um sonho grande poder registrar e ter isso registrado pra sempre!

Tudo é sempre tão grandioso! Sempre tive em mente que "aquilo" precisava ficar registrado para que no futuro as pessoas pudessem ver o quanto tudo era tão difícil! Que pudessem sentir a emoção de estar ali e sentir todo o envolvimento que eram aqueles 06 dias! ”

3.4.4 As gravações da Folia de Reis são importantes? Por que?

JO: “São importantes por que no futuro todos sem exceção poderão ter estes

registros como fonte de inspiração! Daqui há mil anos, enquanto o mundo for mundo, enquanto existir o planeta...enfim, eternamente as pessoas poderão ir lá e ver como eram as coisas! Tudo que registramos são de extrema importância!!! Imagine se tivéssemos hoje os registros em vídeo por exemplo da chegada dos reis magos visitando aquele menino que nasceu em Belém e, que mudou o mundo!Isso me lembra a frase de um filme que adoro "Gladiador". Em um determinado momento o protagonista diz: "O que fazemos na vida ecoa na eternidade!" Não sei se esta frase pertence ao filme ou se foi apenas usada ali, retirada de algum livro, poema, sei lá, não importa, mas tem tudo a ver com o que todos nós fazemos, construindo história! Registrando o que se passa naqueles 6,7 dias estamos fazendo exatamente isso! Estamos deixando todo este trabalho ecoando na história, inclusive este seu trabalho maravilhoso Pri! Tenho certeza absoluta que ficara pra sempre eternizado pra todos nós como algo incrível e inimaginável até você tomar a decisão de fazê-lo! Fica aqui meu obrigado a você e a todos que de alguma forma te ajudam, colaborando com informações para que

estas sejam também eternizadas! Só a título de esclarecimento, o meu primo ai de Bento Quirino faleceu ano passado, era o Zé Olímpio! Que Deus o tenha num bom lugar! E, em 1985 (Tenho quase certeza ok (risos), a primeira vez que sai numa cia de reis foi na Cia do Tiaozão, lá de Cássia dos Coqueiros, o festeiro na ocasião era o Hélio Ramos...me lembro que os tios Prudêncios estavam todos com ele e fui atrás (risos) ... no ano seguinte, se não me falha a memória, foi a festa lá do "Oi D'agua" (risos). ”

Pedro Paulo (PP): “As gravações são importantes sim, você ouvindo, eu até

não gosto, de vez em quando eu escuto aquilo que eu canto sabe, mas você ouve, você corrige falhas. É... as suas falas, a cantoria, dá pra você corrigir um monte de coisa. Porque tudo que você canta em qualquer situação, é uma sequência de palavras, uma sequência de coisas. Não dá pra ficar cantando saltiados, você tem que pegar uma linha, começo e fim. Então a gravação é importante, pra você evitar ser repetitivo, as vezes você escuta uma gravação e fala “opa, tô repetindo aí né...”. É muito importante. ”

Fábio Marcos (FM): “Eu acho que é importante sim, as gravações pra

Companhia. Principalmente vindo da família nossa, que é bem unida. A gente vê antepassados nosso, os entes queridos nossos, a gente vai sentido saudade tal. Também serve pra ver os erros, porque na hora ali a gente tá cantando ali, talvez não pode perceber, mas depois que você põe uma fita, um DVD pra vê ou escutar, você vai perceber o erro na voz, por que as vozes são todas duetadas entendeu. Então eu acho que serve também pra ver os erros. E também matar a saudade, matar a saudade de ver a trajetória da Companhia. Pra gente tem muito fundamento isso aí, é muito bom, é prazeroso, é gostoso, a gente tá vendo a Companhia de Reis nossa, aí pelas filmagens. ”

A partir das entrevistas podemos vera importância que o vídeo tem na manutenção e salvaguarda da memória do grupo e análise crítica da prática dos “fazedores”, pois permite ver e rever suas ações analisando-as para que no futuro possam aprimorar seus modos de fazer música e texto dentro da Folia.