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2 A FOLIA DE REIS

15. ou e ai (dits.) – a) Acentuado ou não, contrai-se o primeiro em ô: pôco,

2.6.5 A Chegada A Festa de Reis

A Chegada, muitas vezes chamada de “Entrega”, é o dia mais importante da Jornada. É o dia em que os Foliões revivem intensamente a visita dos Três Reis Magos ao Menino Jesus. Para o catolicismo significa o cumprimento da profecia de Isaías em que afirma a fé cristã sobre a vinda do filho de Deus encarnado. Na Festa de Reis dos Prudêncio a Chegada inicia-se ao meio-dia e tem em média duração de 4 horas.

Brandão designa como dia da “entrega”, culminando num verdadeiro momento de síntese de toda a jornada, em que os foliões reproduzem todas as situações rituais de chegada em cada pouso, e fazem outras cerimônias como a “passação da coroa e do galho”e a Adoração do Menino Jesus na Lapinha. Segundo Brandão a “passação do galho” é quando a função de Folião do ano é passada para outra pessoa, assim acontece com a coroa, que também é passada para os próximos festeiros. Na Companhia dos Prudêncio só existe a “passação” da coroa, sendo que a função de Folião do Ano aproxima-se neste caso apenas quando aparece alguém que queira pagar uma promessa ou tem uma intenção, dispondo-se a carregar a Bandeira naquele ano no Giro, tornando-se “o” ou “a” Bandeireiro (a), que é acompanhado o tempo todo pela Bandeireira “oficial”.

Além disso, no dia da Chegada também acontecem gritos de “viva!”, muitos fogos, conhecimento dos novos Festeiros, enfeites e bandeirinhas de papel seda e crepom. Jogam papéis picados e pétalas de flores na Bandeira e nos foliões, e fazem a adoração ao presépio.

Depois da adoração ao presépio, o embaixador chama o palhaço e faz com que ele peça perdão por ter perseguido o menino Jesus, ou seja, ele era visto como o soldado de Herodes. Daí ele retira a máscara e pede perdão ao Menino Jesus. Depois disso, fazem uma cantoria e o gerente entrega para o embaixador toda esmola arrecadada nos dias de giro. Beijam a bandeira, colocam-na sobre o presépio na parede. Daí está encerrada a entrega, fazem uma confraternização e iniciam as danças de catira. (BRANDÃO, 1977, p.28)

Canesin e Silva (1983) nomeiam a Chegada de “Recolhida”, dizendo que na porta há um arco e na sala um Presépio. “A recolhida acontece a meia-noite, hora que se chega à casa do Festeiro. ” (CANESIN, SILVA, 1983, p.77)

A prática de enfeitar o local da Festa de Reis, também aparece em Porto (1982), diante da casa são amarrados 3 arcos de bambu sob os quais deve passar a Folia. Assim também se faz na Folia dos Prudêncio, os arcos de bambu são um dos símbolos da Festa da Chegada. O autor diz que a cada arco a Folia deve pedir permissão cantando para passar por eles, e os Palhaços são os primeiros a passar por eles. O autor cita também que há um rito de louvação e agradecimento dentro da casa, e cânticos entoados para as pessoas que oferecem esmolas a Bandeira. Daí tem-se um baile de encerramento e entrega da “Doutrina” (nome dado a Bandeira), que segundo Porto “constitui o elemento sagrado da Companhia e assim é tratada: beijam-na respeitosamente os moradores das casas visitadas, é passada com muita fé sobre as camas da residência e nunca pode ser colocada num lugar menos digno.” (PORTO, 1982, p.19), em um dado momento esse baile é interrompido e se faz a entrega da Bandeira. Depois o baile segue até o amanhecer do dia 7, entendendo-se que o encerramento do rito aconteceu no dia 6 janeiro. (PORTO, 1982, p.31)

Em Castro e Couto (1960) não há cerimônia de Chegada: “No último dia de jornada (dia 5) à meia-noite, os foliões voltam a rezar e a entoar ladainhas em ação de graças pelo bom êxito da jornada. Guardam-se as roupas e o instrumental” (CASTRO; COUTO, 1960, p.36). Ao invés da Chegada, como na Folia dos Prudêncio, as Folias relatadas pelas autoras fazem a festa do Remate, onde os fundos arrecadados pela Bandeira, mais as doações feitas em formas de prendas, fazem a festa de encerramento, tirando a parte do dinheiro que é usada para a manutenção dos objetos usados na Folia, como roupas e instrumentos, não havendo um Festeiro (CASTRO; COUTO, 1960, p.59). Descrevendo a Festa do Remate as autoras dizem que a festa tem lugar e data marcados pelo mestre, geralmente um sábado, logo depois do dia 20 de janeiro ou nos meses seguintes, de acordo com a conveniência de todos. O Remate é uma cerimônia à parte da jornada, segue um protocolo de servir comida, os Palhaços (personagens que compõem a Folia) sentam-se separados, os foliões têm lugares marcados na mesa seguindo a hierarquia, e há um momento onde acontece o “desfardamento”, neste momento os Palhaços de joelhos depositam suas máscaras aos pés da Bandeira. (CASTRO; COUTO, 1960, p.60). Na Folia dos Prudêncio não há essa cerimônia do “desfardamento”, os Palhaços apenas retiram suas máscaras em frente ao presépio, como fazem em todos os ambientes que tem presépio, e realizam suas louvações direcionadas a ele.

O fato da Folia de Reis possuir alguns elementos, em sua origem, de formas religiosas de representação e organização litúrgica, torna sua estrutura tradicional ritualística rígida, dificilmente são aceitas mudanças em suas formas tradicionais de acontecimentos, ou seja, na Folia existem algumas formas fixas que nunca mudam permeadas por outras que mudam com o passar dos anos e acontecimentos, nos lembrando de certa forma, o próprio e o ordinário da missa católica. O novo, como também a manutenção do rito dentro da Folia, aparece de forma a não modificar o tradicionalismo existente, como o sistema formal e protocolar das “Chegadas” tanto dos dias de giro, como da Festa da Chegada, no dia 6 de janeiro.

2.6.6 A Bandeira

A Bandeira é um dos elementos simbólicos mais importantes da Folia de Reis. Sobre ela abrem-se diversas indagações sobre sua possível adesão ao grupo, indo além do fato funcional deter que representar os próprios Reis Magos. “Não há massas organizadas sem suportes visuais de adesão. Cruz, Pastor, Bandeira vermelha, Marianne. No Ocidente, seja lá onde for, desde que as multidões se põem em movimento - procissões, desfiles, meetings - colocam à frente o ícone do Santo ou o retrato do Chefe, Jesus Cristo ou Karl Max.” (DEBRAY, 1993, p.91)

Daniel Bitter em sua obra A bandeira e a máscara: a circulação de objetos rituais nas

Folias de Reis (2010) assinala a importância desses símbolos na Folia:

Como se verifica por meio das descrições etnográficas apresentadas no capítulo anterior, a bandeira é um objeto de grande valor simbólico e ritual para foliões e devotos. Constitui um ponto focal, um “símbolo dominante” (TURNER, 2005), estabelecendo hierarquias e um intenso campo de interações em torno de si. Bandeiras, ao lado de coroas, altares móveis, registros, esculturas, relíquias e outros objetos, ocupam lugar central em diversas manifestações religiosas, constituindo meios privilegiados para a intermediação com a ordem supramundana. Em muitos contextos, a importância desses artefatos para a vida social pode ser resumida na crença de que sejam capazes de fornecer bênçãos, graças e outras dádivas, como curar enfermos, cessar calamidades naturais ou propiciar ganhos materiais. O ponto a ressaltar é que, de modo geral, devotos esperam que todos esses benefícios venham diretamente do objeto material, através de sua presença,

proximidade, visibilidade e contato. Simultaneamente objetivos e subjetivos, materiais e imateriais, esses objetos se caracterizam, afinal, por serem profundamente ambivalentes e polissêmicos, realizando mediações nos domínios social e cósmico. Confundindo-se com as próprias divindades que “representam”, esses objetos são suportes ou extensões de deuses e espíritos, tornando-se um meio através do qual eles se manifestam, se aproximam dos homens, para interagir e trocar com eles (MAUSS, 2003). (BITTER, 2010, p.129)

Bitter aponta para os efeitos que tanto a Bandeira quanto a máscara utilizada pelos Palhaços exercem efeitos sobre as pessoas em que “os objetos aparecem como mediadores no processo de transmissão de ideias, visões de mundo e conhecimentos, materializando categorias classificatórias e de pensamento. Em outras palavras, os objetos dão visibilidade ao modo como essas pessoas ordenam o mundo e estabelecem vínculos fundamentais.” (BITTER, 2010, p.210). Realiza, portanto uma aproximação do humano para com o divino, assunto que trataremos na quinta parte do trabalho.

No Brasil colonial, cada corporação de ofício era representada por uma bandeira. Essas corporações de ofício, herdadas da Idade Média europeia, acabaram por se fundir nas irmandades religiosas, que no Brasil setecentista eram a vigente organização social (TONI, 1985; BITTER, 2010). Acreditamos que a Bandeira da Folia, pode ser uma das heranças dessas organizações religiosas, havendo em seu interior uma organização social muito parecida com a das irmandades setecentistas. A música da Folia em sua construção vocal, também traz algumas características da música praticada nessas irmandades.

A Bandeira geralmente traz a cena da Adoração dos Magos, em alguns casos aparecem outras estampas como a da Sagrada Família ou até como relatam Castro e Couto (1960), outras imagens de santos de devoção do grupo que, além dos Magos e de São Sebastião, aparecem imagens como a de Senhora da Conceição, São Jorge, São João Batista e os gêmeos São Cosme e Damião, muitas vezes todos juntos em uma mesma Bandeira, e observam também que em uma das Companhias que estudaram, aparecia o desenho de uma gambá, esta teria alimentado o recém-nascido, Menino Jesus (CASTRO;COUTO, 1960, p.21). Tradicionalmente nas Folias do Rio de Janeiro, depois dos Reis, a estampa de São Sebastião passa a figurar em todas as Bandeiras até 20 de janeiro, dia de sua festa. As autoras acrescentam ainda que muitas Folias trocam de Bandeira em sua jornada, coisa que não acontece com a dos Prudêncio, pois sua Bandeira acumulou com o passar do tempo grande significado, por ser referência a inúmeros milagres e graças alcançadas por diversos devotos,

sendo beijada, abraçada, e adorada por esses, intensificando seu significado religioso e afirmando sua santidade.

A Bandeira dos Prudêncio segundo seu Embaixador Pedro Paulo estaria em circulação desde a década de 1960, com seus 60 anos de idade não se lembra de a Companhia “sair” com outra Bandeira. Ela sempre sai em Jornada enfeitada com flores de plásticos e fitas de cetim coloridas, que é carregada pelos dias de Giro pela Bandeireira Eliana, que cumpre tal função desde a década de 1990, sendo que em alguns anos também foi carregada por Glória, outra Bandeireira da Folia.

A Bandeira muitas vezes torna-se um depositário de ex-votos, como fotos e dinheiro, que são pregados por devotos simbolizando graças e pedidos alcançados. Um movimento interessante que circunda a Bandeira é o beijo. Desde a Saída até o dia da Chegada acontece o Beijo da Bandeira. No primeiro momento do dia de Giro, iniciando o ritual o Embaixador começa a Toada cantando que “reuniu os folião” e logo depois pede licença para “fazer a devoção”, que é beijar a Bandeira, tudo isso a Folia faz cantando e tocando. Cessa a música, o Embaixador toma a Bandeira na mão, esta pode estar anteriormente na mão do dono da casa ou no caso da saída (dia 1º de janeiro), ela está na mão do Festeiro, ele então segura a Bandeira para que em fila as pessoas presentes possam passar por ela e beijá-la, primeiramente os foliões e depois os presentes em geral. Esse ato é um modo de “benzição” antes de iniciar a Jornada. O Beijo da Bandeira também aparece em Brandão (BRANDÃO, 1977, p.20).

O ato de “beijamento” é um ato comum nos ritos católicos, direcionado as imagens sagradas. Nos ritos oficiais da Igreja esse aparece na Sexta-Feira Santa no “Beijo da Cruz” e em Corpus Christi com a “Adoração ao Santíssimo Sacramento”, em que os fiéis se direcionam aos símbolos sagrados e os beijam. Araujo (1949) também faz uma descrição de “beijamento”, que é direcionado ao Menino Jesus, vejamos:

Na noite de 24 de Dezembro, de permeio com a grande massa de fiéis que vem para assistir à “Missa do Galo”, estão os foliões de Reis, pois finalizando o “beijamento” do Deus Menino, terão início suas atividades. Ao terminar a “Missa do Galo” é costume em algumas paróquias, o padre colocar uma cadeira bem no centro da igreja, sentar-se e tomar entre as mãos um pequeno berço onde está deitado o Deus Menino. Os fieis formam uma longa fila e vêm um a um para o “beijamento. (ARAUJO, 1949, p.431)

No entanto a Bandeira personifica os próprios Reis Magos, tornando-se presentes junto ao povo durante seis dias no ano como na Folia dos Prudêncio.