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Os últimos anos de vida: Rua Buri 35, o Centro Brasil Democrático e um

Capítulo 2: O RETORNO A SÃO PAULO: DO MUSEU PAULISTA À

2.3. Os últimos anos de vida: Rua Buri 35, o Centro Brasil Democrático e um

Mesmo aposentado Sérgio Buarque de Holanda não deixou de ter uma vida social intensa. Continuou trabalhando e a sua casa na rua Buri 35, no bairro do Pacaembú, em São Paulo, não raro era o endereço para o qual se deslocavam ex- alunos, jovens pesquisadores, amigos próximos, amigos dos amigos, amigos dos filhos e jornalistas em busca de boas entrevistas. Era também um local de muitas festas e um reduto em que o historiador, quando não estava em viagens, passava um bocado de tempo ao lado dos filhos e dos netos.277

Numa crônica publicada em 1969 Luís Martins já se referia à hospitalidade dos Buarque de Holanda e com trocadilhos às obras do anfitrião, assim se referia a ela:

A casa grande e hospitaleira – “raízes do Brasil” – o portão sempre aberto, a escadinha do jardim que dá uma porção de voltas – “caminhos e fronteiras” – a rede no terraço, enfim o salão cheio de livros, o anfitrião de chinelos, o cafezinho logo oferecido: “visão do Paraíso”.

– Dr. Sérgio Buarque de Holanda, é verdade que, na opinião de Manuel Bandeira, o senhor é um mestre “verdadeiramente sem par em sua geração?”

–Nada disso. Eu sou apenas o pai do Chico.278

Anos depois, sobretudo ao nos debruçarmos na vasta produção acadêmica sobre a vida e a obra de Sérgio Buarque, produzidas nas décadas de 1980 e 1990, encontramos muitas dessas lembranças. Em uma delas, o professor e crítico literário Antônio Arnoni Prado narrou sua “epopeia" de estudante em fim de tese.

277 Após a morte de Sérgio Buarque de Holanda e a compra de sua biblioteca pela Universidade

Estadual de Campinas, em 1983, a casa passou por um longo período de abandono. Em 1992 surgiu a ideia de transformá-la em bem público. A proposta inicial era a montagem de um centro de pesquisas voltado para professores da rede pública. Esse projeto não saiu do papel. Em 2002, ano do centenário de nascimento de Sérgio Buarque, o casarão foi declarado de utilidade pública pelo município, que previa a construção de uma discoteca. Desde então o local foi alvo de um demorado processo judicial que envolveu a família e Emérita Aparecida Carbone, ex-babá de um dos filhos de Sérgio e Maria Amélia. Em 2010 Emétita perdeu o processo por usocapião, a casa foi devolvida à família que a repassou à prefeitura por uma indenização de cerca de 450 mil reais, sem correção. Hoje o casarão abriga o Memorial do Ensino Municipal de São Paulo.

278 MARTNS, Luís. Crônica, O Estado de S. Paulo, 25/04/1969. Apud: WITTER, José Sebartião.

Introdução. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. O Extremo Oeste. São Paulo: Brasiliense: Secretaria do Estado da Cultura, 1986. p. 21.

Em outubro de 1976 visitei Sérgio Buarque de Holanda em sua casa (…). Ia entrevistá-lo para uma tese que então preparava, (…) sobre o modernismo e a Semana de 22. Como seria natural, fui equipado para uma tarefa acadêmica: lápis, muitas fichas e uma relação de questões anotadas no papel almaço em cujo verso iam resumidos os temas, os autores a as datas relativas aos acontecimentos do Teatro Municipal de São Paulo. (…) “Não escreva nada, rapaz”, foi me dizendo assim que abri a pasta de cartolina preta que ficava em cima da mesinha diante do sofá ao pé da escada, onde ele estava sentado quando entrei conduzido por dona Maria Amélia (…). “Não vale a pena escrever nada agora, eu ando muito esquecido de tudo… Vamos conversando e eu vou falando do que lembrar…”. Estava escurecendo, Sérgio usava uma camisa clara, vestia calças de algodão, de cujos bolsos ia tirando, à medida que falava, cigarros Gauloise sem filtro, que ascendia um na ponta do outro, sem precisar recorrer aos fósforos. “Do Graça Aranha eu não vou falar, porque esse não foi modernista”, me disse de repente, sem imaginar que com isso liquidava de vez com meu plano de trabalho precariamente escorado numa série de perguntas que eu levara dias organizando (…). Em dez minutos a conversa perdeu o rumo e a coisa ferveu. Foram tantos os retratos, as revelações e as anedotas que ainda hoje, vinte e oito anos depois, às vezes me surpreendo articulando aquilo tudo num relatório que jamais serei capaz de concluir.279

Em outra, o ex-orientando e assistente de Sérgio na USP, o historiador José Sebastião Witter, nos deixou lembranças entusiastas dos tempos em que frequentava o saudoso endereço:

Sérgio era, no entanto, sempre um Professor… Dentro da sala de aula, nos corredores da Maria Antônia, nas escadarias do prédio da Velha Reitoria da USP ou no moderno edifício da Geografia e História (…) ele estava sempre atendendo alguém, ouvindo, falando, ironizando, mas sempre ensinando. Foi pelo menos para mim, um mestre. Também não deixava de sê-lo naquela saudosa sala de estar da rua Buri, onde, sentado no seu sofá predileto, passava horas e horas a nos falar sobre os seus temas preferidos da História, abrindo caminhos para nossas pesquisas.280

Por fim, a crítica literária, historiadora e tradutora Marlyse Mayer, que tinha em comum com Sérgio também a amizade com Antonio Candido, relata o clima “alegre e festivo” da casa dos Buarque:

Conheci a alegre casa de Sérgio e de Maria Amélia por ocasião de um de seus aniversários. Com o tempo nos encontraríamos frequentemente, e

279 PRADO, Antônio Arnoni. Sérgio, Mário e Klaxon: um encontro com Lima Barreto. In: ______.

Trincheira, palco e letras: crítica, literatura e utopia no Brasil. São Paulo: Cosac & Naify, 2004. pp. 257-258.

280 WITTER, José Sebastião. Sérgio Buarque de Holanda, o professor. In: CALDEIRA, João Ricardo

de Castro (org.). Perfis Buarqueanos. Ensaios sobre Sérgio Buarque de Holanda. São Paulo: Imprensa Oficial, 2005. p. 45. O professor Witter faleceu no dia 7 de julho de 2014, aos 81 anos em Mogi das Cruzes, onde morava. Para mais informações sobre sua trajetória cito entrevista concedida ao portal da FAPESP e publicada em 2006: http://revistapesquisa.fapesp.br/2006/06/01/uma-vida-na-

Sérgio até construiu um parentesco um pouco emaranhado a partir de primos tortos meus e sobrinho dele. Éramos primos, dizia ele, e me lembro quando, radiante, me convidou para a estreia da “neta”, minha “prima”??? a “filha" do Chico, que é Morte e Vida Severina… E tive a sorte de ter podido ir várias vezes conversar com ele no seu escritório da casa da rua Buri, quando começava minhas indagações sobre os primórdios do romance brasileiro, as primeiras leituras no Brasil, os primeiros livros que chegaram aqui. Sérgio indicou-me o que seria para mim um fundamental livro de aprendizagem, El Libro del Conquistador, de Irving Leonard (…).281

Poderíamos citar mais exemplos.282 No entanto, é importante frisar que

em conjunto esses relatos têm um duplo papel na construção póstuma da personagem: servem para demonstrar a perenidade do morto e de sua obra, bem como para atualizar o valor simbólico de vivos e mortos. No caso específico dos relatos daqueles que conviveram com Sérgio mais de perto, um argumento de autoridade parece ser acionado na medida em que seus contemporâneos são vistos como os mais capazes de identificar suas qualidades e os seus defeitos, de modo a atribuir-lhe a devida importância no campo intelectual.283

Na mesma direção, o historiador português Carlos Maurício afirma que representamos os outros para dar sentido à sua existência, para conferir sentido ao mundo, para falar do que somos e do que desejamos ser. Segundo ele, ao manipular a sua imagem (a do outro) esperamos colher ganhos nos combates em que estamos envolvidos, para nós ou para nossa concepção de vida. Ganhos que se podem traduzir no "aumento da autoridade ou de prestígio nos domínios político, religioso, científico, artístico, profissional, etc.". Em suma, manipulamos a sua imagem para induzir alterações nos valores e nas práticas sociais, ou, ao invés, para ajudar a enfrentar "a sua erosão. Inventar o outro, é mostrar/ter poder sobre o outro, sobre os outros, sobre nós”.284

Além dos netos e filhos, dos estudantes e artistas, o endereço também recebeu diversos jornalistas, que até lá se deslocavam em busca de boas histórias ou de opiniões mais severas a respeito das agruras do país. Assim é que em junho

281 MEYER, Marlyse. No centenário de Sérgio Buarque de Holanda. In: CALDEIRA, João Ricardo de

Castro (org.). Perfis Buarqueanos. Ensaios sobre Sérgio Buarque de Holanda. São Paulo: Imprensa Oficial, 2005. pp. 19-20.

282 O último livro de Chico Buarque, "O irmão alemão", lançado em 14 de novembro de 2014, pela

editora Companhia das Letras, traz algumas lembranças e descrições da casa da rua Buri, da biblioteca e do jeito que Sérgio Buarque costumava trabalhar quando estava em casa.

283 ABREU, Regina. Entre a nação e a alma: quando os mortos são comemorados. Estudos

Históricos-Dossiê Comemorações, Rio de Janeiro, vol. 7, n. 14, 1994, p. 210.

284 MAURÍCIO, Carlos. A invenção de Oliveira Martins: política, historiografia e Identidade Nacional

de 1977 Sérgio Buarque recebeu em sua casa um grupo de jornalistas, formado por Moacir Amâncio, Maria José, Miguel Fontoura e Sérgio Gomes. Juntos estavam os amigos de longa data, Tarso de Castro e Paulo Duarte, este responsável pela “excursão” ao bairro do Pacaembú.

Não se tratava necessariamente de uma entrevista em moldes tradicionais, com roteiro prévio e temáticas determinadas, antevendo respostas que comprovassem a capacidade intelectual dos protagonistas. Sob o título de "Sérgio Buarque e Paulo Duarte" ou "Os velhos mestres", esse encontro estava muito mais para uma roda de conversas à mesa de bar, do que qualquer outra coisa, reafirmando a fama que possuía a rua Buri como "locus de sociabilidade". Tanto é que, a certa altura, o anfitrião em meio a uma acalorada discussão sobre o papel atual do jornalista como intelectual, interrompe sua fala a fim de completar os copos vazios. Transcrito na íntegra, o diálogo, assim foi publicado:

Sérgio - Preciso fazer uma coisinha, passa essa bengala aí. A bengala é meu pai nosso de cada dia nos dias de hoje! Olha, mas tem muito uísque aqui em baixo ainda? Lá em cima tem à bessa, mas não posso subir. Ontem, tinha uma menina aí, tomaram muito uísque (olha a garrafa). Um restinho, não tem um restinho.

Tarso - (pega apressado outra garrafa, de baixo da mesa) - Não, não, tem aqui, tem aqui.

Sérgio - Eu tenho medo que acabe, né?(…).285

De maneira geral podemos sugerir que essa conversa se transformou em uma memória de geração, na medida em que os protagonistas dividiram suas lembranças e experiências desde o modernismo até as suas críticas à ditadura atual e aos seus representantes e, até mesmo, quanto a uma expectativa de futuro nada promissora que se esboçava no país. Por algumas vezes mandatários foram citados em tom de galhofa, o que gerou mal-estar em segmentos do aparelho de censura. A resposta do regime aos "ataques" verbais veio na forma de um processo, que foi encaminhado ao Ministro da Justiça sugerindo o enquadramento de Sérgio Buarque e Paulo Duarte no artigo 36 da Lei de Segurança Nacional.

A entrevista foi publicada na íntegra no "Folhetim" do jornal "Folha de S. Paulo" no dia 26 de junho de 1977 e contava com sete páginas de transcrição e algumas imagens, não apenas de Sérgio e Paulo Duarte, mas também de

285 Sérgio Buarque e Paulo Duarte. Folha de S. Paulo, São Paulo, 26 de junho de 1977. Suplemento

personagens por eles retratados, como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Augusto Meyer, Érico Veríssimo e Filinto Müller. Lida na "Divisão de Segurança e Informações" e considerada ofensiva, uma cópia do material foi encaminhada no dia 12 do mês seguinte à José Carlos da Silva de Meira Mattos, responsável pela assessoria de assuntos sigilosos do Gabinete do Ministro da Justiça. A folha inicial do processo continha algumas marcas específicas, comuns nesses documentos da época que atestavam o caráter sigiloso e confidencial das informações correntes, além de nos apontar um devir, o de que a "Revolução de 64 é irreversível e consolidará a Democracia no Brasil".286 Quanto à acusação:

O posicionamento dos dois entrevistados é nitidamente contestatório ao regime e ao governo, não sendo poupados ataques, que culminam com ofensas diretas ao Titular da Pasta da Justiça e genéricas a deputados, senadores e ao Sr. Presidente da República. A Revolução de 64 possui dispositivo legal apropriado para que não continuem impunes tais ofensas às autoridades: no entender desta SNI a aplicação do art. 36 da Lei de Segurança Nacional é plenamente cabível no caso.287

A Lei de Segurança que vigorava nessa ocasião era regida pelo Decreto- Lei 898, de 29 de setembro de 1969, assinado em pleno funcionamento do AI-5. Caso viessem a ser enquadrados e condenados, Sérgio Buarque e Paulo Duarte deveriam cumprir a pena de 2 a 6 anos de reclusão, conforme o artigo citado. Embora hoje pareça absurdo pensarmos que essas acusações pudessem ser levadas à cabo, não podemos esquecer que na mesma época, quando já se falava em distensão, o jornalista Vladimir Herzog, então diretor de jornalismo da TV Cultura, havia sido torturado e em seguida assassinado nas dependências do DOI- CODI, em São Paulo no dia 25 de outubro de 1975, quando se apresentou “espontaneamente” para prestar esclarecimentos.

Outro caso emblemático ocorreu em janeiro de 1976, quando o metalúrgico Manoel Filho também foi assassinado no mesmo DOI-CODI em circunstâncias semelhantes. Portanto, ao se debruçarem naquilo que foi publicado, os agentes da Divisão de Segurança e Informação nada mais faziam do que cumprir a lei e o que previam as suas atribuições dentro da máquina pública, quais eram a

286 Processo GAB nº 100.430, 15/07/1977, Divisão de Segurança e Informação do Ministério da

Justiça. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro.

vigília e a censura política a qualquer forma de "subversão ou corrupção ao sistema”.288

No que se refere às "ofensas e ataques", o documento torna-se relevante na medida em que sugere a forma como a entrevista foi lida pelos agentes. Anexa ao processo verificamos que determinadas passagens encontram-se grifadas e enquadradas. O problema, na ótica dos censores, não era necessariamente as críticas ao país. Não lhes interessava também saber mais sobre o modernismo ou os rumos da universidade brasileira, antes o que lhes despertava a ira eram o "deboche" e a “galhofa” aos seus superiores. Assim, podemos ver assinalas as seguintes passagens:

Sérgio - Acho que para resolver o “problemas” da USP basta botar o Armando Falcão como reitor (risos).

Paulo - Como é?

Sérgio - O Armando Falcão como reitor.

Gomes - O que seria da USP com o Armando Falcão como Reitor? Paulo - Acho que seria uma indicação digna da Universidade atual (risos). (…)

Paulo - Dentro de 10 anos esse país é um país de analfabetos, né? Hoje ele é quase país de analfabetos, não? Porque na realidade é o seguinte: é esse grupo de analfabetos, dessa categoria de homens que aprendem a ler mas não entendem o que lê, é que atualmente se tiram deputados, os senadores, o presidente da República. Você olha a cara dele, do Falcão, aquela cara cavalar. É uma cara cavalar a do Falcão, né? Mas não é o único cavalar que existe. Há cavalares aí por toda a parte, né?.289

Após essa primeira triagem o processo chegou às mãos do assessor de assuntos sigilosos, José Carlos Silva de Meira Mattos, que redigiu um outro parecer encaminhado ao chefe de gabinete do ministro. No documento, amenizava as acusações anteriores e responsabilizava os editores do jornal pelo “descuido" na publicação da entrevista. Walter Costa Porto, o chefe de gabinete, leu as seguintes palavras:

288 A Divisão de Segurança e Informações do MJ foi criada pelo decreto-Lei nº 60.940/67, que alterou

a seção de Segurança Nacional. De acordo com o decreto, cabia a essa Divisão, como órgão de assessoramento do ministro de estado e complementar do Conselho de Segurança Nacional, fornecer dados, observações e elementos necessários à formulação do conceito de estratégia nacional e do Plano Nacional de Informação; colaborar na preparação dos programas particulares de segurança e informação relativos ao MJ e acompanhar a respectiva execução. Essa Divisão só foi extinta no ano de 1990. Fundo: Divisão de Segurança e Informação do Ministério da Justiça: Inventário dos dossiês avulsos da série Movimentos Contestatórios: Equipe de Documentos do Poder Executivo e Legislativo; ALVES, Marcus Vinícius Pereira. 2. ed. Rio de Janeiro: Arquivo, 2013. p. 10.

A DSI/MJ remete ao Gabinete matéria publicada pelo jornal “FOLHA DE SÃO PAULO”, em suplemento denominado “FOLHETIM”, em que são entrevistados os Snrs. Sérgio Buarque de Hollanda e Paulo Duarte. Na entrevista é feita uma referência desairosa ao Snr. Ministro da Justiça. É de se notar que no caso parece que a responsabilidade maior cabe aos editores que transcreveram uma conversa em tom informal com os entrevistados sem termo cuidado de uma revisão. É claro que um comentário feito em um “bate-papo” descontraído é diferente de uma declaração feita à imprensa ou em caráter oficial. Parece-nos entretanto que só o Snr. Ministro poderá julgar a extensão da ofensa sofrida e a conveniência de qualquer medida com intuito de repara-la. Brasília, 26 de julho de 1977.290

O desfecho se deu da seguinte forma: o assessor assinou o texto dando ciência e o encaminhou ao Ministro Armando Falcão, que no dia 28 de julho decidiu pelo arquivamento. É bem possível que tenham concluído que o "bate-papo descontraído", em âmbito privado, não traria grandes prejuízos à imagem já desgastada do regime, que àquela altura, deveria estar mais preocupado com a perda de espaço no Congresso Nacional para o MDB, depois das eleições de 1974 e 1976, com a repercussão da morte de Herzog e com a pressão dos movimentos sociais, sem levar em conta a economia que sempre assustava uma parcela da “classe média” adepta aos militares. Sérgio Buarque possivelmente nunca soube do seu “enquadramento" na Lei de Segurança Nacional, por isso mesmo continuou a receber os amigos em casa e a debater questões políticas do país, tanto que no ano seguinte fez parte com outros intelectuais da fundação do "Centro Brasil Democrático” - CBD.

O historiador viajou de São Paulo para o Rio de Janeiro e no dia 29 de julho, por volta das dez da manhã compareceu, ao lado de outros intelectuais, ao salão de Convenções IV do Hotel Nacional para lavrarem a ata de fundação da nova entidade, que mereceu da imprensa paulista uma breve nota:

Com o objetivo básico de realizar estudos e debates sobre os vários aspectos da vida brasileira (…) será fundado oficialmente hoje o Centro Democrático Brasileiro, presidido pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Durante a solenidade de instalação (…) serão realizadas eleições para os principais cargos da diretoria do Centro, formada entre outros, por Sérgio Buarque de Holanda, Ênio Silveira e Antônio Houaiss. A entidade terá atuação de caráter nacional, embora sua representatividade maior seja composta por intelectuais do eixo Rio de Janeiro/ São Paulo. Entre os sócios fundadores (…) estão o procurador Hélio Bicudo e o professor Dalmo Dallari.291

290 Idem.

Após breve oração de abertura, Oscar Niemeyer agradeceu a presença de todos e enfatizou a finalidade que os congregava naquele instante, a de "constituírem uma entidade civil, sem fins lucrativos ou político-partidários e que seria devotada a colaborar nos esforços comuns de toda a Nação pela sua redemocratização".292 A presidência da mesa ficou à cargo do professor Antônio

Houaiss. A pedido dos colegas, o presidente realizou a leitura de diversos telegramas daqueles que não puderam estar presentes, mas que "hipotecavam o seu plano de apoio e os seus votos de amplo êxito aos trabalhos que ali se iriam desenrolar". Transcritos em ata, podemos ler as seguintes mensagens:

1) Confirmando minha adesão ao Centro Brasil Democrático peço ilustre patrício representar-me reunião de amanhã. Abraços, Ruy Barata. 2) Solidarizo-me Centro Brasil Democrático autorizando aposição minha assinatura manifesto. Josué Guimarães. 3) Peço receber minha adesão Centro, termos honrosa carta hoje recebida. Muito Grato. Edgar da Mata Machado. 4) Na impossibilidade comparecer Assembleia inaugural CBD razão compromisso eleitoral interior, desejo reiterar total apoio programa nossa entidade (…) Romulo Almeida. 5) Razões fortes última hora obrigam- me viajar hoje Brasília. Peço transmitir demais participantes Centro Brasil Democrático meu grande interesse estar presente essa assembleia e meu entusiasmo integrar tão patriótica iniciativa. Saudação. Roberto Saturnino Braga. 6) Impossibilitado comparecer pessoalmente convenção dia 29 (…) em virtude proximidade data convenção MDB de Minas (…) Adherbal