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Capítulo 3: UMA MEMÓRIA PARA AS NOVAS GERAÇÕES

3.2. A constituição de espaços de recordação: a Biblioteca e o Arquivo (de) Sérgio

3.2.1. Os labirintos burocráticos e a compra da Biblioteca

Era 13 de julho de 1982 quando o ofício número 223/82, enviado pelo professor Jesus Antônio Durigan, diretor associado do Instituto de Estudos da Linguagem-IEL chegava às mãos do reitor José Aristodemo Pinotti. O documento tratava da indicação de nomes para compor uma comissão que seria encarregada de estudar, avaliar e encaminhar os procedimentos para a “aquisição da valiosa Biblioteca do Professor Sérgio Buarque de Holanda”. Construía-se nesse momento o início de um diálogo envolvendo a universidade, a família do morto e diversos órgãos de fomento à pesquisa. O volume de documentos surgidos dessas conversas, incluindo trocas de ofícios, cartas, relatórios descritivos, minutas de contratos, notas de empenho, bilhetes, comunicados, etc., foi reunido nas duas partes do Processo nº 8291/82 que discriminava a “Aquisição da Biblioteca do falecido Professor Dr. Sérgio Buarque de Hollanda”. É com base nesses documentos que contaremos essa história.

Não demorou muito mais do que 48 horas para que os nomes sugeridos fossem aceitos pelo Reitor e homologados por uma Portaria. Segundo o documento, a Comissão ficava assim constituída: Professor José Roberto do Amaral Lapa, Presidente; Professor Alexandre Eulálio Pimentel da Cunha; Professora Adélia Bezerra de Menezes Bolle; e, Professor Ataliba Teixeira de Castilho.371 Dois meses

371 Portaria Interna Gabinete do Reitor 045/82. Processo nº 2891, 1º Volume. Folha 9. Arquivo

após iniciados os trabalhos, a Comissão já apresentava os primeiros resultados. Sabiam que não podiam perder tempo, já que a USP, concorrente direta no processo, também havia montado um grupo de trabalho encabeçado pela professora e diretora do Instituto de Estudos Brasileiros-IEB, Myrian Ellis.

No relatório entregue em 22 de setembro de 1982, a Comissão divulgava à Reitoria as primeiras informações detalhadas do que haviam encontrado entre as estantes e prateleiras da casa da rua Buri. Na parte documental, destacam-se manuscritos de produção científica original, correspondência ativa e passiva, microfilmes de documentação inédita provenientes de arquivos brasileiros e estrangeiros e exemplares de teses inéditas de cuja banca Sérgio participou. O fundo propriamente bibliográfico contava com cerca de 10 mil volumes e com um setor de obras raras, sendo 50 delas de extrema preciosidade “altamente cotadas no mercado internacional, e já preteridas por livrarias especializadas", como as citadas Parke-Bennet e a Sotheby.372

Na mesma época, um importante livreiro de São Paulo foi procurado pela Comissão para que emitisse um parecer, avaliando em números, a coleção. No relatório entregue à reitoria no dia 26 de outubro, Álvaro Bittencourt, da famosa livraria “Parthenon”373, não apenas sustentava o relatório descrito, como também

informava com maiores detalhes o que havia prestigiado, justificando assim, o preço final de Cr$ 100 milhões de Cruzeiros. Segundo ele, tratava-se "de um rico e expressivo acervo de quase 10 mil volumes versando sobre história, artes, sociologia, filosofia, literatura, política e áreas de ciências humanas de modo geral, de procedência nacional e estrangeira”, vários desses com anotações feitas por Sérgio Buarque de Holanda nas margens ou no final do volume.

Havia também cerca de 400 obras raras, dentre as quais 3 volumes das narrativas de Giovan Battista Ramusio374, “muito bem conservados”, editados em

372 Para um "Centro de de Documentação da Memória Nacional” na Unicamp, Relatório de Comissão.

“Aquisição da Biblioteca do falecido Professor Sérgio Buarque de Hollanda”. Processo nº 2891, 1º Volume. Folha 17. Arquivo Central Unicamp.

373 Fundada pelos bibliófilos José Mindlin, Cláudio Blum e Jacques Bloch, a loja, localizada

primeiramente na rua Barão de Itapetininga, 40, seria dedicada ao comércio de obras raras. Em 1951 o estabelecimento passou às mãos de Álvaro Bittencourt, que começou a vender outros tipos de livros, além das edições de luxo. Em 1978, a loja mudou-se para o novo centro financeiro de São Paulo, a Avenida Paulista.

374 RAMUSIO, Giovan Battista. Primo volume delle navigationi et viaggi: la descrittione dell'Africa & del

paese del Prete Ianni, con varij viaggi, dalla Citta di Lisbona, & infin!all isole Molucche, doue nascono le Spetiere, et la Navigatione attorno il Mondo. Seconda editione in molti luoghi corretta, et ampliata.

Veneza no século XVI, um dos seis exemplares de que se tem notícia e o único existente no Brasil, além dos “Emblemata" de Andrea Alciati375 do mesmo período.376

Não seria exagero acreditar que essas relíquias possam ter sido adquiridas por Sérgio durante a sua estada em Roma, entre 1953 e 1954, período em que intensificou os estudos sobre história literária, pesquisando arquivos e bibliotecas de diferentes cidades europeias e vasculhando livrarias e casas especializadas em momentos de folga.

De resto, segundo Bittencourt, foram listadas coleções raras de revistas brasileiras, como as modernistas “Klaxon" e “Estética” e estrangeiras, muitas das quais completas e de difícil acesso, enciclopédias especializadas em história e história da cultura, separatas, “curiosos livretos e folhetos sobre São Paulo e cidades paulistas”, fichas de trabalho, manuscritos e inúmeros documentos datilografados ou manualmente copiados no Brasil e no exterior. Destaque do acervo são as inúmeras edições originais de autores brasileiros, a grande maioria com dedicatórias autografadas, como vistos em “Há uma gota de sangue em cada poema”, de Mário de Andrade, “Os parceiros do Rio Bonito” de Antonio Candido, “Velórios de Rodrigo M. F. de Andrade, “A trilogia do exílio” de Oswald de Andrade, “A bolsa e a vida” de Carlos Drummond de Andrade ou “O homem nu” de Fernando Sabino.377

In Venetia: nella Stamperia de Giunti, 1554; RAMUSIO, Giovan Battista. Secondo volume delle navigationi et viaggi, nel quale si contengono l'Historia delle cose de Tartari, & diversi fatti de loro Imperatore, descritta da M. Marco Polo Gentilhuomo Venetiano, & da Hayton Armero, varie descrittioni di diversi autori... In Venetia: nella Stamperia de Giunti, 1559; RAMUSIO, Giovan Battista. Terzo volume delle navigationi et viaggi, nel quale si contengono le Navigationi al Mondo Nuovo, a gli Antichi incognito... Seconda edtioni. In Venetia: nella Stamperia de Giunti, 1565.

375 ALCIATI, Andrea. Andreae Alciati emblemata cum commentariis. Patavii (Italia): Typis Pauli

Frambotti Bibliopollae, 1661.

376 Relatório de Álvaro Bittencourt entregue à Reitoria. “Aquisição da Biblioteca do falecido Professor

Sérgio Buarque de Hollanda”. Processo nº 2891, 1º Volume. Folha 21. Arquivo Central Unicamp.

Figura 1: Folha de rosto de livro com dedicatória de Mário de Andrade378

Fonte: ANDRADE, Mário de; SOBRAL, Mario (Coaut. de). Há uma gota de sangue em cada poema. São Paulo, SP: Pocai, 1917. Coleção Biblioteca Sérgio Buarque de Holanda, Biblioteca Central-Unicamp.

Importante frisar que junto a esse importante acervo cultural, “a família Buarque de Holanda aquiesceu incorporar, para efeito de sua venda, as estantes que contêm os livros, bem como o mobiliário de trabalho do escritório tal como foi deixado pelo insigne historiador”. Desse modo, a família não interferia somente na seleção de papéis, “apenas uma parte do legado”, vale lembrar, como também na etapa de "musealização" da biblioteca, prevista para ocupar um lugar de destaque na futura sede da Biblioteca Central da Unicamp. Segundo o relatório da Comissão:

Os livros e documentos constituirão um importante centro de pesquisas para as áreas de Pós-Graduação em Letras, História, Ciências Sociais, Artes e Educação. Os objetos pessoais e os móveis, devidamente ordenados em local próprio no novo edifício da Biblioteca Central, constituirão uma memória para as novas gerações e um exemplo para os pesquisadores que certamente acudirão de todas as partes, atraídos por esse importante

378 “Sérgio Buarque de agá ó dois eles á êne dê á, com a parte de mim que talvez esse livro não

conte… Será que não conta mesmo? Acho que conta sim tudo o que afinal não posso de, vulgo: uma bêsta. Adonde é mesmo que você está morando agora? De automóvel sei ir porém pelo Correio não sei. Ergo: baldeação Prudentico. Mário de Andrade.

acervo. Em seu conjunto, eles representam uma destacada contribuição aos estudos brasileiros que se desenvolvem nesta Universidade, e seu natural desenvolvimento na direção dos estudos latino-americanos, tudo o que poderá ensejar, por sua vez , um novo espaço criativo de pesquisas e produção de conhecimentos, sob a motivação de um nome e de uma obra que constituem um dos grandes momentos do pensamento brasileiro. Sérgio Buarque de Holanda.379

É razoável entendermos esse processo como uma troca simbólica no campo cultural, pois, se por um lado, a Unicamp garantia à Sérgio Buarque um "lugar de memória”380 e de perpetuação de seu legado intelectual, por outro, o peso

do seu nome conferia à jovem universidade em expansão ainda mais prestígio e credibilidade acadêmica no campo das humanidades, vislumbrados na expectativa futura de "atrair pesquisadores de várias partes” do mundo interessados no tesouro.

Desnecessário seria listar todo o mobiliário que pouco depois acabou sendo adquirido pela universidade; todavia, alguns objetos merecem nossa atenção. Além dos muitos metros de estantes e prateleiras que ocupavam cômodos e corredores da casa da família, em São Paulo, podemos destacar dentre os itens que compunham o escritório, “tal como foi deixado” por Sérgio: 1 máquina de escrever IBM com corretivo; uma máquina leitora de microfilmes “FUJI Microfilm Reader Pinter Q4”, 1 escrivaninha de madeira clara com corte arredondado ao centro; sobre ela, fazendo parte do móvel, 1 estante com 5 prateleiras de ambos os lados da escrivaninha, 2 portas com 1 prateleira interna e 5 prateleiras acima; 1 cadeira de madeira, acento de palhinha, arredondada atrás; 1 cadeira tipo descanso, de madeira escura, encosto regulável para trás e 1 sobressaltaste para frente, com 2

379 Para um "Centro de de Documentação da Memória Nacional” na Unicamp, op.cit., Folhas 18-19. 380 A ideia de “lugares de memória” desenvolvida por Pierre Nora ganhou vida própria e vem sendo

constantemente utilizada de maneira aleatória e sem muito entendimento preciso de seu significado histórico. De maneira rápida, esse conceito se desenvolve dentro dos debates historiográficos franceses da década de 1970, cujo manifesto será a coletânea ‘Faire de la Histoire’, livro publicado em 1974 que pôs em destaque os problemas teóricos que a disciplina histórica tinha diante de si, a exemplo do artigo de Michel de Certeau, “A operarão historiográfica”, um contraponto às provocações de Hyden White em “Meta-História" (1973) contido no volume. Do ponto de vista político, houve na França na mesma época a “emergência do problema da memória como preocupação histórica”, resultante da morte do General De Gaulle e do aumento progressivo do culto ao patrimônio. Maiores detalhes em: BREFE, Ana Cláudia Fonseca. Pierre Nora ou o historiador da memória. Entrevista com Pierre Nora. História Social, Campinas, nº 6, 1999, pp. 13-33. Nesse sentido, para não corrermos o risco de cair no vazio conceitual, utilizamos aqui o termo de maneira um pouco mais livre, sem referência direta à obra, todavia chamando a atenção para um ponto que ela levanta: “(...) a razão fundamental de ser de um lugar de memória é parar o tempo, é bloquear o trabalho do esquecimento, fixar um estado de coisas, imortalizar a morte, materializar o imaterial”. NORA, Pierre. Entre mémoire et histoire. La problemátique des lieux. In: ______. (org.). Les lieux de mémoire. vol 1. La République. Paris: Gallimard, 1984. p. 22.

almofadas, assento e encosto listrados; troféus que Sérgio Buarque recebeu (Juca Pato “O intelectual do ano" de 1979, Prêmio Jabuti, por "Tentativas de Mitologia”); e 1 placa de prata oferecida pelo Conselho Municipal de Educação de Bauru.381

O escritório ou gabinete de leitura, reordenado a partir desses objetos no novo espaço de visitação e como o encontramos ainda hoje, era muito diferente daquele outro, “tal como foi deixado” por Sérgio em sua residência. O exame de alguns registros fotográficos da época aponta para a existência de um espaço doméstico predominantemente masculino, bagunçado, que destoava de outros cômodos da casa, de ordenação atribuída às mulheres, esposas ou governantas, tal como apontaram em seus estudos Regina Abreu e Vania Carneiro de Carvalho382. É

sabido que Sérgio pertenceu a uma geração de intelectuais, denominada de “homens de letras”, cujas características incluíam o bacharelado em Direito ou Medicina, o autodidatismo, o domínio de várias línguas estrangeiras e de disciplinas variadas, indo das artes à literatura, passando bem pela sociologia, antropologia, etnologia, alcançando as carreiras jornalística ou política até chegarem na erudição da disciplina histórica.

Na casa desses letrados, desde os mais ricos até os intimistas e modestos, como demonstra a iconografia masculina da primeira parte do século XX, estudada por Carvalho, as mesas de trabalho situadas no escritório que podiam abrigar bibliotecas ou parte delas, como no caso de Sérgio, se constituíam como “territórios de exceção”, imunes à ordenação doméstica supervisionada pelas esposas ou criadas e longe da curiosidade dos filhos. Sobre as mesas podiam figurar papéis, livros, tinteiros, canetas, telefones, carimbos, arquivos, máquinas de escrever, etc.383 Imagem reforçada por Chico Buarque em seu último romance,

quando Ciccio, o personagem-narrador, descreve a rotina do pai no escritório de trabalho, local proibido, vedado às suas curiosidades. À Assunta, mãe da personagem, cabia o papel de assistente do marido em seus delírios criativos. Vejamos um trecho:

381 “Aquisição da Biblioteca do falecido Professor Sérgio Buarque de Hollanda”. Processo nº 2891, 2º

Volume. Folhas 49-50. Arquivo Central Unicamp.

382 ABREU, Regina. A Fabricação do imortal: memória, história e estratégias de consagração no

Brasil. Rio de Janeiro: Rocco: Lapa, 1996; CARVALHO, Vania Carneiro de. Gênero e artefato: o sistema doméstico na perspectiva da cultura material - São Paulo, 1870-1920. São Paulo, SP: Editora da USP: FAPESP, 2008.

“Por via das dúvidas, quando ao sair do quarto eu ouvia o toque-toque da máquina de escrever, tirava os sapatos e prendia a respiração para passar ao largo do seu escritório. E me encolhia todo se por azar naquele instante ele arrancasse num ímpeto o papel do rolo, achava que em parte era de mim a raiva com que ele esmagava, embolava a folha e a arremessava longe. Outras vezes a máquina cessava para meu pai pedir socorro: Assunta! Assunta!, era alguma citação que ele precisava transcrever urgentemente de um determinado livro. Com isso levava meses para redigir, rever, rasurar, arremessar bolotas, recomeçar, corrigir, passar a limpo e certamente contrafeito entregar para publicação o que seriam rascunhos do esqueleto do grande livro da sua vida. Eram artigos sobre estética, literatura, filosofia, história da civilização, que ocupariam uma coluna ou um rodapé de jornal”.384

Ao longo de sua pesquisa, Carvalho afirma que era comum em muitas imagens os homens aparecerem “sentados, mãos sob o queixo em posição de leitura prolongada, escrevendo ou manipulando livros e papéis”, "exibição de si mesmos” e fato raro para os ramos de atividade ligados ao trabalho manual. A autora observa ainda, a presença de “verdadeiras mesas de trabalho, onde a desordem, apenas aparente e circunstancial, significava algo extremamente positivo e respeitável - o momento de reflexão, de criação, de estudo, imagens do trabalho intelectual, atribuição masculina revestida do mais alto prestígio”385, tudo aquilo que

a cenificação do “escritório-museu” nos subtraiu. Abaixo podemos ter a dimensão dessas diferenças:

Figura 2: Reconstituição do escritório e biblioteca de Sérgio Buarque de Holanda. BC, Unicamp, 2012

Fonte: Fotografia tirada pelo autor, acervo particular.

384 BUARQUE, Chico. O irmão alemão. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. 385 CARVALHO, op.cit, pp. 43-48.

Figura 3: Escritório e biblioteca de Sérgio Buarque de Holanda, em sua residência àRua Buri, pouco antes de seu falecimento, São Paulo, fevereiro de 1982

Fonte: Fotografia tirada por Maria do Carmo Buarque de Holanda. Fundo Sérgio Buarque de Holanda, Série Vida Pessoal, Arquivo Central, Unicamp

Em outra direção, arriscamos que é também possível atribuir a esse mobiliário o sentido que Krzysztof Pomian definiu como "coleção", ou seja: “(…) qualquer conjunto de objetos naturais ou artificiais, mantidos temporária ou definitivamente fora do circuito das atividades econômicas, sujeitos a uma proteção especial num local fechado preparado para este fim, e exposto ao olhar do público. Somando-se a função dos objetos de serem intermediários entre os espectadores e um mundo invisível de que falam os mitos, os contos e as histórias”.386

Desse modo, por exemplo, o visitante poderia observar a máquina de escrever “Royal", na qual foi datilografado “Raízes do Brasil”, os troféus de prêmios literários como o “Juca Pato”, recebido da Associação Brasileira de Escritores ou as cadeiras que Sérgio utilizava para leituras e repouso, as primeiras edições de suas obras, em suma, o triunfo do intelectual bem-sucedido, imagem que deveria perpassar às gerações futuras.

Antes, porém, de concretizar a compra de todo esse material e inaugurar um espaço apropriado a ele, a Unicamp precisava captar recursos para efetivar o pagamento estimado de Cz$ 100 milhões de cruzeiros, que ficou especulado com os herdeiros do historiador. Nesse sentido, é possível acompanharmos por meio da

386 POMIAN, Ktrzysztof. Coleção. In: Enciclopedia Einaudi. vol. 1 Memória-história. Lisboa:

documentação, as dificuldades encontradas pela universidade para dar cabo a esse ambicioso empreendimento de expansão cultural que previa tirar do papel o “Projeto Pró-Memória Brasil” e estabelecer um "Centro de Estudos Latino-Amercianos".

Um exemplo disso é a negativa do Unibanco ao ofício expedido por José Aristodemo Pinotti no dia 4 de outubro de 1982, na qual o seu diretor-presidente, Roberto Konder Bornhausen, após delongas elogiosas, expunha o seguinte:

Em primeiro lugar gostaríamos de levar a V. Sa. os nossos mais sinceros cumprimentos pelo seu empenho em dar continuidade a tão significativo projeto de aquisição de bibliotecas e arquivos particulares dos nossos maiores literatos, iniciativa esta que vem enaltecer ainda mais a nossa já conceituada Universidade Estadual de Campinas. De outra parte, é com pesar que vimos comunicar sobre a possibilidade de levarmos o nosso efetivo apoio a tão relevante iniciativa, merecedora do maior estímulo por parte de todos, uma vez que, por contingências orçamentárias, não temos como atender no presente exercício, a pedidos como este ora formulado por V. Sa.387

Ao que tudo indica, cópias do mesmo ofício foram enviadas a outras empresas privadas por todo o Brasil, como também a órgãos públicos. Uma delas foi recebida pelo “Bradesco", que justificando estar com as suas ações sociais em dia através de sua Fundação, lamentava com elevada estima não poder ajudar: “Informamos-lhe que, infelizmente, não podemos atender seu pedido. O nosso orçamento, com verbas substanciais, já está, prioritariamente, comprometido com o trabalho de assistência e ensino primário a mais de 17.500 menores carentes, nas 18 escolas instaladas no país”.388

Em outras respostas, o discurso ou as desculpas eram sempre as mesmas. O “Brasilinvest", por intermédio de seu presidente Mário Garneiro, anotava em 12 de novembro de 1982, que “embora reconhecendo (…) o elevado alcance da iniciativa”, a empresa não tinha possibilidade, no momento, de destinar recursos a esse fim, idêntico ao que advogava um representante da “Mercedes-Benz do Brasil”, que, “embora entendendo ser o referido projeto de grande valia para o desenvolvimento cultural dos pesquisadores em geral”, “desculpava-se” da impossibilidade de assumir quaisquer compromissos.389

387 “Aquisição da Biblioteca do falecido Professor Sérgio Buarque de Hollanda”, op.cit.,1º Volume.

Folha 23. Arquivo Central Unicamp.

388 Idem, Folha 24 389 Ibidem, Folhas 26-27.

Algumas entidades, no entanto, se mostraram bastante receptivas ao projeto da universidade, como foram os casos da companhia de saúde, higiene e beleza "Johnson & Johnson” e da “Fundação Ford”. A primeira registrou a satisfação de passar às mãos da universidade, através do “portador, nosso colaborador Dr. João Alfredo Mendes Filho, o cheque 074299 de nossa emissão contra o Unibanco, no valor de Cr$ 200.000,00 cruzeiros”. Recursos muito bem-vindos, como podemos ver nos agradecimentos enviados à empresa pelo Reitor José Pinotti: “(…) ao colaborar com a iniciativa em questão, a ‘Johnson & Johnson’ trabalha lucidamente em favor da própria coletividade, pois uma universidade como a nossa, fortemente voltada para a investigação, sempre balizou sua existência ativa pelos interesses da comunidade que serve. (…) Com os nossos sinceros agradecimentos”. Já a outra, após destacar a importância nacional e internacional do acervo a ser adquirido e