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Capítulo 1: SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA: UM INTELECTUAL "ENTRE DOIS

1.2 Sérgio Buarque e os quadros intelectuais a partir dos anos 1930

Até que surgissem no Brasil as primeiras universidades na década de 1930 e as gerações de intelectuais delas advindas no decênio seguinte, os quadros que compunham essa categoria social eram formados normalmente no seio das classes dirigentes agrárias ou então emergiam de camadas altas e médias do setor urbano, cujos pais ligavam-se às profissões liberais, como a advocacia, a engenharia, a medicina, os negócios ou aos meios políticos. Esses bacharéis, formados na Europa ou no Brasil, em centros como São Paulo, Rio de Janeiro, Recife ou Salvador, quando não herdavam apenas o prestígio político da família, atuavam no campo das letras, das artes e do jornalismo. E, não raras vezes, exerciam essas labutas de modo concomitante. Podiam ter como locais de sociabilidade os Institutos Históricos, a Academia Brasileira de Letras-ABL ou o Colégio Pedro II, na capital federal, sem contar os gabinetes políticos, as pastas ministeriais e as cadeiras legislativas.

Na década de 1930, com os rearranjos políticos que levaram ao poder Getúlio Vargas, alguns fatores foram proeminentes na ampliação da formação de quadros intelectuais. Dentre esses fatores, podemos mencionar a ampliação das funções do Estado com a criação de novos órgãos públicos. Em contraposição às matrizes do governo central no campo da cultura, verifica-se a fundação da Escola Livre de Sociologia e Política-ELSP, em 1933, da Universidade de São Paulo-USP no ano seguinte e da Secretaria Municipal de Cultura, de São Paulo. Tudo somado a um maior investimento do mercado editorial privado, com destaque a importantes coleções sobre história do Brasil. Dentre elas, a "Documentos Brasileiros", da editora José Olympio e a "Biblioteca Histórica Brasileira”, da Livraria Martins Editora. Ambas buscaram pôr em prática importantes projetos, cuja gênese podemos encontrar no movimento modernista.106

105 Idem, pp. 179-180.

106 Boas referências para essa discussão específica são: HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil:

Ao pensarmos a ideia de uma atuação de intelectuais modernistas nos quadros do governo Vargas, sobretudo após a instauração do Estado Novo, em 1937, algumas questões devem ser ponderadas. Primeiro, devemos lembrar que Sérgio Buarque de Holanda, então com uma grande experiência no campo modernista e no jornalismo e já autor de "Raízes do Brasil”107, foi um desses

intelectuais e como tal atuou em órgãos como a "Universidade do Distrito Federal"- UDF, o "Instituto Nacional do Livro" - INL e a "Biblioteca Nacional – BN”. Muito antes, portanto, de clamar por democracia e tecer duras críticas ao ditador Getúlio Vargas nos idos de 1945, quando este já se encontrava no limbo, durante o "I Congresso Brasileiro de Escritores”.

O segundo ponto é que, de maneira alguma, o "modernismo" deve ser visto de forma homogênea ou simplesmente idealizado como um movimento de contestação no campo das artes. Já nos chamou a atenção o relançamento do livro de Carlos Berriel, “Tietê, Tejo, Sena”, onde o autor identifica os nada sutis tentáculos ideológicos da oligarquia cafeicultora paulista nos campos da arte e da cultura. Por via da atuação do principal mecenas da Semana de 22, Paulo Prado, é que se criou uma memória oficiosa e acima de qualquer suspeita desse movimento108. Nas linhas

abaixo, Berriel expõe que essas elites agrárias

Documentos Brasileiros e as transformações da historiografia nacional (1936-1959). 2006. Tese Doutorado em História Social. Universidade de São Paulo. Faculdade de Filosofia, Ciências Humanas e Letras; FREYRE, G. Prefácio. In: HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1936; MORAES, Rubens Borba de. Apresentação. In: DAVATZ, Thomas. Memórias de um colono no Brasil. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1941; e, SILVA, Rafael Pereira da. Modernismo, historiografia e sociabilidade intelectual: apontamentos sobre o quinto volume da coleção Biblioteca História Brasileira (1931-1940). História (São Paulo), vol. 31, n. 2, dezembro de 2012. pp. 310-337. CANDIDO, Antonio. A revolução de 1930 e a cultura. In: _____. A educação pela noite e outros ensaios. São Paulo: Ática, 1989. pp. 181-198.

107 Nunca é demais lembrar que a primeira edição de Raízes do Brasil foi publicada pela editora José

Olympio em 1936, abrindo a Coleção Documentos Brasileiros. A obra foi então prefaciada por Gilberto Freyre, que além de dirigir essa primeira fase da coleção já havia publicado Casa Grande & Senzala em 1933.

108 BERRIEL, Carlos. Tiête, Tejo, Sena: a obra de Paulo Prado. 2. ed. Campinas/SP: Editora

Unicamp, 2013. O autor nos informa que Paulo Prado foi o principal braço intelectual entre a geração literária portuguesa de 1870, que incluía nomes do peso de Eça de Queiróz ou dos historiadores Oliveira Martins e Alexandre Herculano, com o modernismo paulista. Dentre as idas e vindas à casa de seu tio Eduardo Prado, em Paris, absorveu dos intelectuais portugueses, amigos de seu tio, as teses raciais da época, sobre a história portuguesa e as adaptou à realidade brasileira, buscando justificar uma suposta superioridade de São Paulo frente aos demais estados. Isso porque, o paulista descendia do português heróico dos descobrimentos, enquanto os demais brasileiros descendiam de uma segunda geração, de portugueses misturados com índios lascivos e com os negros corrompidos pela escravidão. A respeito de Oliveiras Martins, dois trabalhos que tive a oportunidade de conhecer quando estive em Coimbra, em 2013, para um Colóquio de doutorandos, devem ser mencionados. São eles: PONTE, Carlos Salazar. Oliveira Martins: a história como tragédia. Coleção Temas Portugueses. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1998; MAURÍCIO, Carlos. A invenção de

(…) atingiram uma espécie de perfeição da ação ideológica: foram críticas de si mesmas, e como historiadores estabeleceram o lugar que lhes pareceu adequado no cenário das ideias nacionais. Condenaram práticas culturais que não lhes serviam e as julgaram supérfluas, e edificaram em seu lugar estruturas ideológicas eficientes e atualizadas, aptas à sua nova face. Foram impiedosos com parnasianos e simbolistas. Ao se tornarem críticas de si mesmas, essas elites tornaram homólogas sua trajetória e a do país, seus projetos de classe e o projeto de nação. Como parte desse processo, desautorizaram todas as formas de pensamento artístico e literário estranho ao seu discurso de hegemonia.109

Ao definirem, portanto, uma nova cronologia para a história cultural do país, essas elites intelectuais ligadas ao poder econômico da família Prado, buscavam uma memória histórica de si mesmas. É o que constatamos, por exemplo, em um estudo de Monica Pimenta Velloso: "Criou-se uma memória em que a Semana de 22 se estabeleceu como um divisor de águas, e tudo o que aconteceu de moderno no Brasil nas primeiras décadas do século XX passou a ser considerado uma espécie de premonição dos temas de 22”.110

Partindo de si mesma, a narrativa hegemônica do Modernismo foi constantemente reelaborada ao longo das décadas de 1930, 40 e 50, contando com a posição privilegiada de seus atualizadores, escritores e professores, no sistema local de produção de cultura. Sistema este, que englobava uma ampla e sofisticada rede de instituições que incluía, por exemplo, a Faculdade de Filosofia e Letras da USP (local de formação e de trabalho de Telê Ancona Lopez, estudiosa de Mário de Andrade e de Antonio Candido, muito próximo de Sérgio e um de seus principais memorialistas), os jornais "Folha de S. Paulo" e "O Estado de S. Paulo", as revistas "Anhembi" e “Clima", além das editoras Nacional e Martins.111

Mais recentemente é que a memória historiográfica do mito fundador do Modernismo foi revista. Hoje devemos nos referir à ideia plural de “modernismos"112,

Oliveira Martins: política, historiografia e identidade nacional no Portugal contemporâneo. Coleção Temas Portugueses. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2005.

109 Idem, p. 14.

110 VELLOSO, Monica Pimenta. História e Modernismo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010. p.

22.

111 PONTES, Heloísa. Destinos mistos: os críticos do grupo Clima em São Paulo (1940-1968). São

Paulo: Cia. Das Letras, 1998.

112 VELLOSO, op.cit, p. 26. A autora lembra que estudiosos como Luis Costa Lima, Alfredo Bosi e

Silviano Santiago foram fundamentais no processo de releitura do modernismo brasileiro. Enfatizando a diversidade da cultura brasileira, esses autores contribuíram para o entendimento da temporalidade múltipla que marcava a brasilidade. Ao longo dos anos 1980, foi importante rever criticamente as ideias que reforçavam uma visão do modernismo baseada na estética da ruptura. O trabalho de

para além do eixo Rio-São Paulo. Adepto dessa concepção, o historiador alemão Peter Gay não se admirava de que os comentaristas, os entusiastas e os comerciantes mais venais da indústria cultural costumassem mistificar as tentativas de uma avaliação geral do modernismo. Para ele:

A mesma vagueza cerca o rótulo pespegado a obras artísticas e literárias: na verdade, desde a metade do século XIX utilizou-se o termo ‘modernismo’ para todo e qualquer tipo de inovação, todo e qualquer objeto que mostrasse alguma dose de originalidade. Assim, não surpreende que os historiadores culturais, intimidados com o programa caótico e sempre variável a que tentam dar uma ordem retrospectiva, tenham recorrido à prudência do plural: ‘modernismos’.113

A ideia da pluralidade pode ser explicada também pela metáfora familiar, a qual podemos imaginar uma grande família muito interessante e variada com todas as suas expressões individuais diferentes, mas unidas por alguns laços fundamentais, como necessariamente são as famílias. Tais laços são chamados por Peter Gay de "estilo modernista”. Em suma, "um clima de ideias, sentimentos e opiniões”.114 Por essa perspectiva, por exemplo, é possível pensar o Modernismo

brasileiro como o desencadeamento de vários movimentos que, ocorrendo em diferentes temporalidades e espaços, alcançaram de forma distinta grande parte do país115, e porque não, as esferas estatais.

Mais recentemente Daniel Faria teceu críticas importantes acerca do que chamou de “mito modernista”. Para esse autor, a cronologia imposta a partir da Semana de 1922, pelas redes de poder que a constituíram, foi também legitimada ou propositadamente pouco questionada pela história literária no Brasil, balizada por esse mesmo recorte temporal, a ponto de “hoje ser impossível qualquer texto sobre literatura brasileira moderna sem a presença do subtexto ‘modernismo’”. Faria percebeu que, assim como ele, muitos pesquisadores tinham a mesma sensação ao indagar o seguinte:

Ora, se um assunto parece assim tão carregado de verdades, pleno e definitivamente constituído, não é isto razão para a nossa desconfiança? Carlos Berriel, resultante de sua tese de doutorado, também pode ser lido nesse contexto de uma revisão memorialística.

113 GAY, Peter. Modernismo: o fascínio da heresia. De Baudelaire a Beckett e mais um pouco. trad.

Denise Bottmam. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p, 17.

114 Idem, pp. 18-19.

Um evento comemorado por intelectuais os mais refinados, rememorado em festas e festivais promovidos pelo estado, sobretudo nas fases mais autoritárias da história política do Brasil contemporâneo, televisionado, musicado, reivindicado por poetas marginais e concretistas, ensinado nas salas de aulas para crianças, adolescentes, jovens e adultos - um evento deste tipo não merece ao menos uma pulga atrás da orelha?116

Exemplo concreto dessa constatação é o fato de que autores como Mário de Andrade e Menotti del Picchia terem adotado em suas vidas outros rótulos de identificação, como por exemplo, o de “futuristas", entre os anos de 1921 e 1922. Ao que tudo indica, o título de “modernista" foi instituído por Mário alguns anos depois como uma tática de legitimação de agrupamento literário e político específico, se tornando canônico e mais abrangente a partir da década de 1930, ganhando estatuto acadêmico na década de 1950 a partir da obra de Antonio Candido e alcançando expressão editorial somente na década de 1970, então promovida pelo Estado, observado a partir de livros publicados em co-edições com o Conselho Federal de Cultura e o Conselho Estadual de Cultura de São Paulo.117

A partir da década de 1930, a atuação de intelectuais na esfera do estado autoritário gerou debates ainda hoje controversos. A tese mais conhecida a esse respeito parte justamente da ideia de “cooptação" por parte do Estado, de um grande número de intelectuais para ocuparem altos cargos de direção em diversas repartições. Desse modo, vivendo às expensas do Estado vieram a produzir uma cultura sintonizada com os desígnios autoritários governamentais, ao mesmo tempo em que se autodenominavam intérpretes dos anseios da nação.118

Antonio Candido ao analisar o "espírito dos anos 30", diz ter faltado à tese de Sérgio Miceli o fato de que "o serviço público não significou e não significa necessariamente identificação com as ideologias e interesses dominantes". Para Candido, a margem de atuação opositora de intelectuais no período vinha de uma elasticidade maior ou menor do sistema dominante, que os pôde abrigar e tolerar,

116 FARIA, Daniel. O mito modernista. Uberlândia: Editora da UFU, 2006. p. 14.

117 Idem, p. 15. Segundo Faria e na mesma direção de Peter Gay, o termo “modernismo” já existia,

mas numa outra acepção mais abrangente, que incluía movimentos intelectuais e estéticos, conjuntos de ideias e de propostas poéticas, existentes desde o fim do século XIX. Este sentido ainda é válido em outras línguas, como o castelhano, onde “modernismo" e “vanguardas" não são termos equivalentes.

118 Sobre esse debate ver: Miceli, Sérgio. Intelectuais e classes dirigentes no Brasil (1920-1945).

São Paulo: Rio de Janeiro: DIFEL, 1979 e DECCA, Edgar S. de. Os intelectuais e a redemocratização no Brasil. In: KOHUT, Karl. Palavra e poder: os intelectuais na sociedade brasileira. Frankfurt am Main: Vervuert, 1991. pp. 29-42.

sem que esse sistema deixasse de exercer sua função corrosiva.119 Assim é que,

durante o Estado Novo, por exemplo, Candido Portinari, cumprindo encomenda oficial, pintou no moderno prédio do Ministério da Educação, no Rio de Janeiro, os "famosos murais que, pela concepção, temário e técnica, eram a negação do regime opressor, ao mostrarem como representante da produção o trabalhador, não o patrão branco, e ao fazê-lo conforme uma fatura que afirmava a inovação criadora contra as normas tradicionais, de agrado dos poderes”.120

Se antes, a abertura criativa concedida a Portinari pôde ser interpretada numa chave de resistência à opressão, hoje sabemos que Vargas tinha muito clara a intenção de “elevação do homem brasileiro”. Numa explícita parceria entre governo e artistas e contando ainda com cientistas sociais, o governo impôs critérios importantes para fixar a figura ideal que “nos seja lícito imaginar como representativa do futuro homem brasileiro”, não se furtando de análises embasadas na frenologia, na somatologia, na antropometria e sustentadas em dados sobre a formação, evolução e unidade racial da população brasileira.

Em outras palavras, como demonstrou em sua pesquisa Maria Bernadete Ramos Flores, “se não se pode afirmar que Vargas tivesse criado ‘uma imagem unívoca e definida' para seu governo, pelos editais de concursos e pelos termos das encomendas, mostra-se clara uma escolha estética paralela àquelas utilizadas nos diversos programas imagéticos oficiais, no entre-guerras”.121 O chamado "retorno à

ordem”, ao re-figurar o corpo fragmentado pelas vanguardas artísticas do início do século, conclui, serviu aos programas de crença no advento do “homem novo”. O trabalhador, a juventude e a mãe foram, em todos os governos, as figuras exaltadas, esculpidas na sua integridade corpórea, transformadas em simióforos que carregariam o ideal de nação.122

119 CANDIDO, Antonio. A revolução de 1930 e a cultura. In: _____. A educação pela noite e outros

ensaios. São Paulo: Ática, 1989. p. 194.

120 Idem, pp. 194-195. Nesse passagem, Antonio Candido vale-se do trabalho de Annateresa Fabris,

Portinari pintor social. 1977. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo (USP). Escola de Comunicação e Artes. Nas palavras de Antonio Candido, a autora focaliza a pintura social de Portinari à luz da teoria marxista da alienação, analisando o tratamento revolucionário do negro, cuja função em telas e painéis dos anos 30 é uma afirmação racial, é um reconhecimento do seu papel histórico, é símbolo do proletariado (FABRIS, op.cit. p. 176).

121 FLORES, Maria Bernadete Ramos. O nu e o vestido, o futuro e o passado, a pedra e a carne: a

estética da representação no Brasil e em Portugal. In: Tecnologia e estética do racismo. Ciência e arte na política da beleza. Chapecó/SC: Argos, 2007. pp. 139-177.

Assim é que vemos, por exemplo, o berço da civilização ocidental, no caso da Itália; a raça pura, no caso da Alemanha; a nação próspera, nos casos da União Soviética e dos Estados Unidos ou o expansionismo civilizado de mundos, no caso português. No Brasil, a apropriação getulista da estética, em circulação na Europa e nos Estados Unidos, projetava o “futuro homem brasileiro” de modo que o conjunto escultório do Edifício do Ministério da Educação voltava-se para o futuro da raça, ideal debatido intensamente pela geração de intelectuais que, de alguma forma, concederam estilo ao governo estadonovista.123

O Ministério da Educação e Saúde Pública - MES era comandado por Gustavo Capanema e se transformou num dos principais pilares do regime ditatorial. Esse microcosmo político, também chamado de "Constelação Capanema”, se tornou um espaço profícuo para diferentes vertentes modernistas. É o que conclui a historiadora Maria de Fátima Piazza, quando contrapõe a tese da "cooptação":

Sob a égide do mecenato Capanema foi que o dilema da participação dos intelectuais e artistas na política teve seu ponto nevrálgico. Aqui vislumbra- se o encontro de uma geração de intelectuais e artistas modernos, oriundos de diversos estados da federação, cujo destino foi uma repartição pública, o Ministério da Educação e Saúde Pública (MES). Foi desse órgão da administração pública federal, conduzido por dois mineiros, o ministro Capanema e seu chefe de gabinete, o poeta e escritor Carlos Drummond de Andrade, que surgiu a “constelação Capanema”.124

123 Ibidem, p. 148. Na abertura do capítulo a autora descreve um bom exemplo dessas discussões:

Em junho de 1937, o ministro Capanema apresentara a Getúlio a proposta da estátua do homem brasileiro a ser erigida no pátio do Edifício do Ministério da Educação e Saúde Pública - MES: um bloco de de granito, aproximadamente 11 metros de altura, sentado num soco, nu, como o Penseur, de Rodin, mas de aspecto que denotasse calma, domínio, afirmação. (…) Porém, Censo Antônio, que recebera a encomenda, apresentara um projeto que não correspondia ao desejado por Capanema: o homem era de feições sertanejas, barrigudo e pouco atlético. Pouco depois a encomenda lhe foi retirada e foi aberto um concurso público em janeiro de 1938 com as seguintes prescrições: a estátua será constituída simplesmente com um homem que estará sentado; representativo do melhor tipo racial brasileiro; o homem estará nu, respeitadas porém as conveniências da praça pública; será de 12 metros de altura e em granito; o pedestal terá apenas 30 ou 40 cm. Seria uma monumentalidade em frente ao edifício do Ministério da Educação. A encomenda foi entregue a Brecheret, com a recomendação expressa de Capanema, para que não fizesse trabalho estilizado e nem decorativo, (…) o homem deveria ser figura sólida, forte. Nada de rapaz bonito. Um tipo moreno, de boa qualidade, com semblante denunciando a inteligência, a elevação, a coragem, a capacidade de criar e realizar. A estátua não fora concluída. Conta-se que a maquete de 3 metros de altura teria desabado, sem deixar vestígios. Pelo exposto, o Homem Brasileiro seria de matriz clássica, aquele "homem novo” que estava no centro dos interesses de todos os regimes políticos da década de 30. FLORES, op.cit, pp. 141-142.

124 PIAZZA, Maria de Fátima Fontes. Os Afrescos nos trópicos: Portinari e o mecenato Capanema.

2003. Tese de Doutorado em História Cultural. Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Filosofia e Ciências Humanas. p. 24. Um outro estudo importante dessa temática é a coletânea organizada por Helena Bonemy, Constelação Capanema: intelectuais e políticas. Rio de Janeiro: Editora FGV; Bragança Paulista (SP): Editora Univ. de São Francisco, 2001.

A “constelação” nada tinha a ver com a censura imposta pelo Departamento de Imprensa e Propaganda - DIP, muito menos com a repressão e violência impostas por outros aparelhos do estado varguista. Gozava, antes, de alguma autonomia para que seus projetos pudessem ser colocados em prática. No MES, transformaram o “fardo-burocrático" em instituições que revelaram o Brasil moderno - como o "Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional" (hoje, IPHAN), o "Instituto Nacional do Livro", o "Serviço de Radiodifusão Educativa", o "Serviço Nacional de Teatro", entre outros.125

Um bom exemplo pode ser visto na montagem da "Coleção Biblioteca Histórica Brasileira", que envolveu agentes públicos e a Livraria Martins Editora.126