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Capítulo 1: SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA: UM INTELECTUAL "ENTRE DOIS

1.1 Militância errante no modernismo brasileiro

Em 1990 foi lançado no Brasil um importante ensaio do professor estadunidense Russell Jacoby (1945-), intitulado "Os últimos intelectuais: a cultura

40 CANDIDO, Antonio. Entre duas cidades. In: MARRAS, Stelio (org). Atualidade de Sérgio Buarque

de Holanda. São Paulo: EdUSP; IEB, 2012. p. 17.

41 Refiro-me, obviamente, ao importante artigo de Pierre Bourdieu L’illusion biographique, publicado

em 1986 nas Actes de la Recherche en Sciences Sociales, vol. 62, número 62-63, pp. 69-72.

42 SIRINELLI, Jean-François. Os intelectuais. In: RÉMOND, René (org.). Por uma história política. 2.

americana na era da academia”.43 Nele, entre os instigantes temas tratados, Jacoby

tecia severas críticas ao modelo academicizante imposto aos intelectuais, que durante o pós-guerra começavam a migrar do espaço público das ruas, dos boêmios bairros novaiorquinos, para institucionalizarem-se nos muitos campi abertos nos subúrbios de diversas cidades. Nesse sentido, o título da obra é paradoxal: "Últimos", na concepção do autor, expõe o fim dos intelectuais públicos ou publicistas, que buscavam espaço na imprensa e em outros veículos de informação, cuja linguagem, estilo e crítica radical pressupunham um leitor educado, amplo e sedento por debates, ao mesmo tempo em que apresentava os "últimos" como os “novos", voltados para si mesmos, para dentro dos muros universitários.

No livro, Jacoby passeia pelas ruas de Greenwich Village, boêmio bairro de Nova Iorque das primeiras décadas do século XX, quiçá o que significou para a Faculdade de Filosofia da USP, a região da rua Maria Antonia, “uma rua na contramão”, como aponta o sugestivo título de um livro/documento organizado por Maria Cecília L. dos Santos.44 Para os padrões franceses seria o mesmo que as

ruas do Quartier Latin, em Paris. No auge de Village, raramente os intelectuais eram professores universitários. No geral eram escritores, polemistas, artistas, críticos que utilizavam os espaços dos jornais e periódicos como free-lancers e devido aos aluguéis baratos, por lá mesmo se estabeleciam, gerando uma ampla rede de sociabilidade e um profícuo espaço de debate público, tendo a rua como campo de batalha, tanto de ideias como de sobrevivência.

A mudança radical do centro para os subúrbios não deixou de fora nem mesmo a esquerda independente americana, que somada aos demais “retirantes" transformaram-se em professores confinados com uma renda segura, sem nenhum interesse em lidar com o mundo fora da sala de aula; em suma, indivíduos que escrevem uma prosa esotérica e bizarra, dirigida principalmente para a promoção acadêmica e não para a mudança social.

43 JACOBY, Russell. Os últimos intelectuais: a cultura americana na era da academia. Trad. Magda

Lopes. São Paulo: Trajetória Cultural: Edusp, 1990. Ainda muito atual, o livro foi apresentado em uma resenha publicada por mim no número 6, ano III da Revista Crítica História, em dezembro de 2012. http://www.revista.ufal.br/criticahistorica/attachments/article/142/Os%20últimos%20intelectuais.pdf, acessado em 10 de outubro de 2014.

44SANTOS, Maria Cecília Loschiavo dos. Maria Antonia: uma rua na contramão. São Paulo: Nobel,

O posicionamento ríspido desse autor à sua própria geração não foi uníssono e encontrou em Edward Said (1935-2003) certa ressonância. Em uma de suas conferências de Reith, ministrada na rede BBC, em 1993, o palestino afirmava serem injustas essas críticas em relação à universidade ou mesmo aos Estados Unidos, já que na sua opinião o trabalho do intelectual não era incompatível com o do acadêmico. Para Said, o intelectual não representa um ícone de tipo estátua, mas uma vocação individual, uma energia, uma força obstinada, abordando com uma voz empenhada e reconhecível na linguagem e na sociedade uma porção de questões, todas elas relacionadas, ao fim das contas, com uma combinação de esclarecimento e emancipação ou liberdade. Concluía afirmando: "A ameaça específica ao intelectual hoje não é a academia nem os subúrbios, nem o comercialismo estarrecedor do jornalismo e das editoras, mas antes uma atitude que chama de profissionalismo”.45 Dito de outro modo, o trabalho intelectual como alguma coisa

que se faz para ganhar a vida entre nove da manhã e cinco da tarde, "com um olho no relógio e o outro no que é considerado um comportamento apropriado, profissional – não entornar o caldo, não sair dos paradigmas, tornando-se assim, comercializável e, acima de tudo, apresentável, não controverso, apolítico e objetivo”.46

Trazidas para o contexto cultural brasileiro, tanto a perspectiva crítica de Jacoby, quanto a ressonância exposta por Said nos parecem válidas para pensarmos a trajetória de Sérgio Buarque de Holanda. Primeiro, porque ele atravessou grande parte do século XX e viveu experiências símiles. Boêmio confesso, Sérgio não abriu mão do uísque e nem dos cigarros até os últimos dias de vida, militou no modernismo e deixou marcada nas páginas da imprensa “aquela mudança dos ventos" vivida na juventude em pelo menos três aspectos: a necessidade do contato dos nossos escritores com outras tradições de cultura que nos livrassem do peso da matriz portuguesa, a urgência em pesquisar a nossa originalidade artístico-literária e a abertura para a renovação das formas que chegavam com a modernidade.47

45 SAID, Edward. Representações do Intelectual: as Conferências Reith de 1993. São Paulo:

Companhia das Letras, 2005. p. 75.

46 Idem.

47 PRADO, Antônio Arnoni. Sérgio e Mário: um diálogo entre críticos. In: MARRAS, Stelio (org.).

Em segundo lugar, Sérgio foi crítico ferrenho dos rumos tomados pelos modernismos, paulista e carioca, posição que deixou clara no seu famoso texto de 1926, "O lado oposto e outros lados”. Pouco depois viajou para a Alemanha como jornalista e quando retornou ao Rio de Janeiro em 1931, institucionalizou-se em diferentes órgãos de cultura durante o governo Vargas. Retornando a São Paulo após a queda do ditador, dirigiu o Museu Paulista e se efetivou na Universidade de São Paulo, vindo a se aposentar em 1969.

Como apontou Said, o trabalho intelectual poderia conviver muito bem com o acadêmico. No caso de Sérgio isso nos parece concreto. A institucionalização serviu para ele consolidar a sua rede de sociabilidade e colocar em prática os seus projetos no campo de expansão do conhecimento histórico, que passavam por uma compreensão do Brasil e pela sua divulgação em todos os níveis. Sua aposentadoria é lembrada sobretudo como um ato político, uma resposta ao AI-5, o que não devemos negar. Em entrevistas Sérgio falou ainda em tempo de serviço com vencimentos integrais. Todavia, pensando pelas lentes de Jacoby, nos parece plausível que sua decisão final também tenha passado pela mudança da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, da rua Maria Antonia para o isolamento do subúrbio, o Butantã, local em que o regime civil-militar pôde atuar de forma mais centralizada, retirando do espaço público as disputas políticas daquela universidade.

Nesse contexto, Sérgio teria ficado “órfão" dos colegas e amigos cassados, e, sem o convívio com eles e com a rua, lugar por excelência dos "últimos intelectuais”, transferiu a boemia para o espaço privado de sua casa no Bairro do Pacaembú, famoso reduto de festas e encontros políticos, no qual circularam muitas personalidades do campo cultural brasileiro. Certa vez, comentando o mesmo período numa entrevista, o historiador Boris Fausto afirmou que durante o AI-5, enquanto alguns professores foram cassados e tiveram de deixar o país, "Sérgio Buarque também resolveu se aposentar. Ele não tinha mais nenhum estímulo para ficar naquele departamento” de História.48

O sentido linear dado à vida de Sérgio Buarque como hoje conhecemos, foi construído por ele próprio nas suas "Tentativas de Mitologia”, onde também expõe pistas de seu baú de memórias, nos trabalhos que publicou, nas entrevistas

48 Entrevista com Boris Fausto. In: MORAES, José Geraldo Vinci; REGO, José Márcio. Conversas

que concedeu, etc., e assegurados pela família e pelos amigos mais próximos após sua morte, por meio de uma série de estratégias institucionais e editoriais – comuns no universo intelectual e dos homens públicos – vistas, por exemplo, nas homenagens póstumas, na organização de Seminários, nas publicações de coletâneas e de textos inéditos, na montagem de arquivos, etc., e que no contexto das décadas de 1980 e 1990, sustentaram as (re)atualizações de sua memória histórica.49

Parte dessa narrativa nos permite pensar em um jovem que desde muito cedo soube captar os “ventos do novo tempo”. Avant la lettre, o prodígio Sérgio compôs e publicou, com apenas nove anos, na Revista "Tico-Tico" a valsa "Vitória- Régia", creditada por alguns estudiosos como parte de sua obra. Pouco tempo depois, o mesmo rótulo valeria para sua participação na militância modernista, como bem nos lembra uma estudiosa do período: "O fato de não haver participado da Semana de Arte Moderna, em São Paulo, não tira de Sérgio Buarque de Holanda a condição de haver sido um modernista avant la lettre".50 Exageros à parte, Sérgio foi

partícipe indelével desse plural movimento, que ultrapassou as fronteiras do eixo Rio-São Paulo e o marco cívico da "Semana de 22”, como demonstrou Helena Bonemy ao tratar do modernismo mineiro.51

49 A ideia de memória histórica é aqui entendida como o produto do pensamento crítico, com uma

linguagem conceitual, abstrata e laica, e com uma função ensinável e utilitária. Diferente, portanto, da memória coletiva, caracterizada por uma origem anônima e espontânea por ser viva, concreta, múltipla, imagética e sacral, e por possuir um cariz normativo. Pierre Nora também estabeleceu essas diferenças. Para esse autor, a memória, vivida e suportada por grupos sociais, é representação afetiva, em evolução permanente, aberta à dialética entre recordação e esquecimento, insconsciente de suas deformações e vulnerável a todas as manipulações, sendo ainda suscetível de grandes e longas latências e de repentinas revitalizações. Ao contrário, a historiografia será uma reconstituição sempre problemática e incompleta do que já não existe; por isso, constitui uma laicizadora operação intelectual, assente na análise e na atitude crítica. Para mais detalhes ver: CATROGA, Fernando. Memória e História. In: PESAVENTO, Sandra Jatahy (org). Fronteiras do milênio. Porto Alegre: EdUFRGS, 2001. pp. 43-69. Vale ressaltar ainda que Catroga opera suas reflexões a partir de autores clássicos desse campo de debates, dentre os quais podemos citar Maurice Halbwachs, Pierre Nora, Paul Ricoeur, Paul Connerton, Joël Candau, Jacques Le Goff, Krzystof Pomian, Reinhart Koselleck, Tzvetan Todorov, Paul Vayne, entre outros. No conjunto de (re)atualizações da memória histórica de Sérgio ressaltam-se a elaboração de um lugar de memória a partir da compra de sua biblioteca, a montagem de um arquivo pessoal, a realização das "Semanas Sérgio Buarque de Holanda”, organizadas pela Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, USP e Unicamp, pela publicação de livros póstumos como "O Extremo Oeste", "Capítulos de Literatura Colonial", "O espírito e a letra (2 volumes)", "Raízes de Sérgio Buarque de Holanda" ou coletâneas como "Sérgio Buarque de Holanda: vida e obra", "Sérgio Buarque de Holanda”, coleção Grandes Cientistas Sociais, etc.

50 PRADO, Antônio Arnoni, op.cit., p. 79.

51 BONEMY, Helena. Guardiães da Razão: os modernistas mineiros. Rio de Janeiro: Editora

A intimidade que Sérgio Buarque tinha com as letras já se transformou em lugar-comum entre aqueles que se debruçaram sobre os significados de sua obra, tanto crítica, quanto histórica. Todavia, nem só de talento viviam os homens e mulheres de sua geração. Por esse motivo, tanto as redes de sociabilidade que estabeleceu, desde o universo familiar, quanto os lugares de onde falou, escreveu e se instituiu, foram essenciais para a inserção, manutenção e longevidade que teve no campo intelectual ao longo de toda a vida. A esse respeito, Angela de Castro Gomes nos chama atenção para o fato de que "não é tanto a condição de intelectual que desencadeia uma estratégia de sociabilidade, mas ao contrário, é a participação numa rede de contatos que demarca a específica inserção de um intelectual no mundo cultural”.52

E assim foi. Sérgio não teve de viver em quartos baratos de hotéis ou pensões, não precisou declamar, escrever poemas e nem desenhar caricaturas à estranhos nas ruas em troca de comida, bebida e alguns tostões. Não precisou brigar a cada dia pela sobrevivência e, tampouco, foi um intelectual maldito, daqueles heroificados por um conjunto de características que podiam incluir a pobreza, a angústia do tempo e a vivência à margem, regadas pelas mais variadas experiências mundanas, sobretudo as que envolviam drogas e a contestação de uma certa ordem burguesa. Pelo contrário, de família estruturada, Sérgio estudou em ótimas escolas paulistanas, vindo a se formar em Direito no Rio de Janeiro, em 1924. Quem lhe abriu as portas da imprensa foi, nada menos, do que Afonso d’Escragnolle Taunay, amigo de seu pai e seu professor de História no ginásio São Bento.

"Originalidade Literária", seu primeiro artigo, foi publicado por indicação de Taunay no jornal "Correio Paulistano", em 22 de abril de 1920, quando contava apenas dezoito anos. Pouco depois, no mesmo veículo apareceu "Vargas Villa", em 4 de junho, mesmo mês em que registrou nas páginas d’ "A Cigarra" suas impressões de "Santos Chocano”. Em conjunto, esses escritos de estreia demonstravam que Sérgio não apenas se interessava pela inserção latino- americana na cultura brasileira, como também se recusava a aceitar o velho impasse gerado na Colônia, segundo o qual a emancipação da nossa vida

52 GOMES, Angela de Castro. Em família: a correspondência de Oliveira Lima e Gilberto Freyre.

intelectual só viria com a nossa emancipação política. Por essa lente, Sérgio estava convencido de que um compromisso prolongado com as bases materiais da vida na extensão de seus domínios fez brotar na América hispânica um primeiro sintoma de "originalidade literária” voltado para a integração espiritual com a natureza e a gente nativa. Coisa muito diferente do que ocorreu ao colonizador português, que, mais prático que o espanhol, não teve, segundo o crítico, uma "impressão tão sutil da natureza do Novo Mundo", fato agravado pela circunstância de que as tribos selvagens que habitavam o nosso território "não podiam inspirar aos dominadores, em geral incultos e rudes, senão desprezo e ódio”.53

De acordo com Antonio Arnoni Prado, o que tem de mais sugestivo na abordagem de Sérgio Buarque são as consequências que o autor tira delas, em especial a ideia de que, se não tivemos no Brasil nenhum poema propriamente épico, isso se deve ao fato de que a nossa concepção da matéria épica derivava de fatores muito diversos daqueles então existentes na América espanhola. Avaliação fundamental para a compreensão posterior de "Raízes do Brasil”. O artigo de estreia nos mostra como o estilo “gongórico" de Rocha Pita transforma, em 1730 a produção literária da América portuguesa, num equivalente tropical dos melhores talentos de Roma e da Grécia clássicas.

Isso, de um lado, nos remete ao "bovarismo" como um dos conceitos- chave com que Sérgio, mais tarde em "Raízes", vai desenvolver a ambiguidade das relações do brasileiro com sua própria terra (a sua repulsa à realidade). E, de outro lado, lança os primeiros germes da interpretação da cultura que, igualmente no livro de 1936, atribui um valor excessivo ao prestígio universal do talento que, para nós, não significa, a seu ver, propriamente amor ao pensamento especulativo; antes "à frase sonora, ao verbo espontâneo e abundante, à erudição ostentosa".54

53 PRADO, Antonio Arnoni. Raízes do Brasil e o modernismo. In: CANDIDO, Antonio. Sérgio

Buarque de Holanda e o Brasil. São Paulo: Perseu Abramo, 1998. Na ocasião Sérgio articulava essa constatação a um sentimento de americanismo integrador, identificado por ele na épica do poema "Araucana", do espanhol Ercilla y Zuniga, nas páginas do "Rusticatio Mexicana” (1817) do padre Rafael Landívar, que ele desdobra na leitura da obra igualmente integradora de um Francisco Garcia Calderon, de um Santos Chocano ou mesmo de um Vargas Villa. pp. 72-73.

54 Idem, p. 73; HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 13. ed. Rio de Janeiro: José Olympio

Editora, 1979. pp. 118-119. Apenas como curiosidade, o historiador português Oliveira Martins (1845- 1894) ao se referir à sua “Biblioteca de Ciências Sociais”, onde publicou a sua "História de Portugal" (a qual encontramos dois volumes de 1886 na biblioteca de Sérgio Buarque), já afirmava com o mesmo sentido, nas últimas linhas abaixo, o seguinte: “Tampouco as investigações eruditas se coadunam à natureza de nossa publicação, destinada a compendiar as conquistas feitas no domínio da ciência, e não a embarcar-se em empresas de exploração no campo da arqueologia. Por isso o

Arnoni Prado fala mesmo em sintomas de "consciência da modernidade anteriores ao modernismo" para se referir à abertura que Sérgio Buarque dava a integração com o continente americano. É o momento em que Sérgio vai buscar na colonização urbana da América hispânica um contraponto para o predomínio, no Brasil, da moral da senzala, "velho apanágio do patriciado rural responsável pela submissão das cidades aos privilégios dos domínios agrários". Nessa fase pré- Semana de 22, o jovem crítico vai contrapor o cosmopolitismo afetado de um Rubén Darío ao nosso espírito de imitação e vai rebater o gosto pela alusão livre ao papel dos caudilhos e das oligarquias da América Latina. E nisso, o artigo sobre Vargas Villa, é exemplar como sintoma de um esforço ideológico interessado em definir um papel literário para a Literatura e a arte de um modo geral. Tudo, segundo Prado, para encorpar a convicção de que já não era mais possível naquela altura olhar para esse passado sem a decisão de "estudá-lo com um espírito inteiramente novo, ousado, irreverente, sem a menor preocupação com o que escreveram homens como Rocha Pombo e Sílvio Romero".55

Em suma, Sérgio foi um jovem preocupado com os problemas de sua época, dentre eles a emancipação intelectual do país e a emancipação política do continente, associando a isso a busca de nossa identidade, como forma capaz de vencer a nossa dependência externa. Sua crítica também funcionou como uma espécie de radar da consciência estética que mudava, constituindo-se, aos olhos de hoje, numa síntese indispensável para a compreensão das relações entre modernização da linguagem e as transformações radicais que marcaram a fisionomia de sua época.56

Tratar com maiores detalhes da fase crítica de Sérgio Buarque seria aqui desvio de rota. Mesmo porque o assunto já foi devidamente esmiuçado por outros estudiosos e os seus artigos de crítica já estão publicados em alguns livros.57 Vale

leitor achará coordenadas e sistematizadas as investigações dos sábios e as doutrinas dos filósofos, sem ociosas indicações de origens, nem aparato de uma erudição, aliás fácil de exibir, mas que não convém à índole da publicação, além de que apenas valeria para iludir incautos ou encher de pasmo os ignorantes”. PONTE, Carmo Salazar. Oliveira Martins: a história como tragédia. Coleção Temas Portugueses. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1998. p. 18. (Grifo nosso).

55 PRADO, Antonio Arnoni. Raízes do Brasil e o modernismo, op.cit., p. 74.

56 PRADO, Antonio Arnoni (org). Nota sobre a edição. O espírito e a Letra: estudos de crítica

literária. vol. I (1920-1947). São Paulo: Cia. das Letras, 1996. p. 23.

57 PRADO, Antonio Arnoni (org). O espírito e a Letra: estudos de crítica literária I-II (1920-1959). São

Paulo: Cia. das Letras, 1996; COSTA, Marcos (org.). Sérgio Buarque de Holanda: escritos coligidos (2. vol.). São Paulo: Fundação Perseu Abramo / UNESP, 2011; NICODEMO, Thiago Lima. Alegoria

registrar, todavia, que essa faceta do historiador, pensada em um aspecto mais amplo e aprofundado, só viria a se concretizar a partir da publicação de "O espírito e a Letra", em 1996, que com seus dois volumes reunia os textos inéditos de crítica publicados por Sérgio na imprensa, entre 1920 e 1959, abrindo as portas para diversas dissertações e teses em muitas pós-graduações Brasil afora. Até então, cabia aos pesquisadores vasculharem esse material em bibliotecas públicas, no arquivo pessoal de Sérgio localizado na Unicamp ou se contentarem com uma parte deles dispostos nas duas coletâneas publicadas pelo próprio enquanto vivo, nomeadas "Cobra de Vidro" (1944) e "Tentativas de Mitologia" (1979).

Todavia, é impossível deixar de comentar o conhecimento que o jovem