• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 2: O RETORNO A SÃO PAULO: DO MUSEU PAULISTA À

2.2. A década de 1970: política e historiografia

Na década de 1970 Sérgio Buarque de Holanda estava aposentado, mas seu trabalho continuava em andamento; claro que num ritmo menos intenso. Mesmo com crescentes problemas de saúde, elaborava livros, orientava pesquisas, participava de bancas, prefaciava publicações de ex-orientandos e colegas, viajava ao exterior, concedia entrevistas, recebia prêmios e envolvia-se com a vida política do país.

"Do Império à República" (1972), o segundo tomo da História Geral da Civilização, "Vale do Paraíba – Velhas Fazendas" (1974), a coletânea "Tentativas de Mitologia" (1979) e o ensaio "O Atual e o Inatual em Leopold von Ranke" (1979) compõem alguns dos seus trabalhos publicados nessa fase. Em relação ao livro de 1972, o estava reescrevendo com o intuito de relançá-lo em dois volumes, denominados "O pássaro e a sombra" e "A fronda pretoriana”. Esses manuscritos, que continham cerca de 150 páginas datilografadas, compõe "Capítulos de História do Império”, lançado apenas em 2010.263

No Brasil da época, os debates envolvendo diferentes projetos políticos em oposição à ditadura deixavam de lado modelos revolucionários de outrora,

263 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Capítulos de História do Império. São Paulo: Companhia das

Letras, 2010. A organização dos manuscritos coube a Fernando Novaes, que é quem escreve a nota introdutória do livro. Caso semelhante já havia ocorrido com os inéditos de "Capítulos de Literatura Colonial", publicados em 1992 sob direção do amigo Antonio Candido. Escritos na década de 1950 e com base em pesquisas feitas pelo autor em arquivos italianos, deveriam compor uma publicação da José Olympio, chamada "Era do Barroco no Brasil". Há, entretanto, outros manuscritos de Sérgio que permanecem no "esquecimento". O mais emblemático talvez seja a sua tese de mestrado defendida em 1958 na Escola de Sociologia e Política, intitulada "Os Elementos Formadores da Sociedade Portuguesa na Época dos Descobrimentos", descoberta pelo professor Edgar de Decca no acervo que a família de Sérgio Buarque confiou à Unicamp. Esse documento é muito mais do que um relato da atmosfera cosmopolita que impulsionou a aventura levada a cabo pelos colonizadores portugueses. Na avaliação do próprio De Decca, o texto aprofunda, duas décadas depois, temas que Sérgio já esboçara em "Raízes de Brasil" pressupondo uma linha de continuidade entre as duas obras, também visível em Visão do Paraíso. KASSAB, Álvaro. Edgar de Decca leva a Lisboa o Brasil que descobriu Portugal. Jornal da Unicamp, edição 232 de 5 a 12 de outubro de 2003. p. 5; NICODEMO, Thiago Lima. Urdidura do vivido: Visão do Paraíso e a obra de Sérgio Buarque de Holanda na década de 1950. São Paulo: EdUSP, 2008.

influenciados pela Revolução Cubana, para restabelecerem o diálogo a partir de novos referenciais nos campos do discurso democrático, da cidadania e da luta por direitos. Não obstante, percebermos em vasta produção sociológica do período a emergência dos chamados “novos atores políticos” ou dos “novos movimentos sociais”, que faziam da luta cotidiana pela sobrevivência nos cantões do país uma bandeira muito mais plausível do que aquela dos abstratos modelos utópicos de sociedade até então em voga.

Com o auxílio de setores progressistas e da Igreja Católica, a dita sociedade civil se organizou em torno de movimentos de bairro, em oposições sindicais, em partidos políticos de massa, em movimentos de mulheres, de negros, de homossexuais e reivindicou tudo o que lhes fosse de direito, a exemplo da construção de creches e da melhoria do transporte público nas periferias dos centros urbanos, até mesmo os direitos ao lazer, à liberdade de expressão e às melhores condições de trabalho pela via das grandes greves.264

Sabemos também que essa década foi marcada pelo processo de transição entre os "anos de chumbo”, institucionalizados por Emílio Garrastazu Médici e os de "distensão política", lenta, gradual, iniciada no governo Ernesto Geisel. Percepção construída durante o mandato do general e consagrada na memória histórica liberal, em parte com a ajuda da grande imprensa que não cansou de repetir o quadro explicativo "que colocou o presidente sob a perspectiva de uma contradição suspensa pelo balanço positivo do saldo final do seu governo para o

264 Uma das melhores análises do período foi feita por Eder Sader no livro Quando novos

personagens entraram em cena: experiências, falas e lutas dos trabalhadores da grande São Paulo (1970-1980). 4. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2001. O conceito de “sociedade civil”, cunhado nos anos 1970 é problemático, pois sob seu leque encontram-se grupos heterogêneos, divididos em classes, grupos corporativos, associações profissionais, frações ideológicas, instituições e movimentos sociais que dificilmente convergem para um mesmo programa político. Essa visão obscureceu as íntimas conexões do autoritarismo do regime no tecido social, ao mesmo tempo em que serviu de álibi para muitos aliados civis do regime serem absolvidos diante da história, pois se colocavam sob o epíteto vago de membros da “sociedade civil”. (Marcos Napolitano, 1964: História do Regime Militar Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2014. p. 249). O conceito também foi abordado no calor da hora, exatamente em 1980, por Carlos Nelson Coutinho, que valendo-se de seu vasto conhecimento dos escritos de Antônio Gramsci expõe que, "entre o estado que visa representar o interesse público e os indivíduos atomizados no mundo da produção, surge uma esfera pluralista de organizações, de sujeitos coletivos, em luta ou em aliança entre si. Essa esfera intermediária é precisamente a “sociedade civil”, o campo dos aparelhos privados de hegemonia, o espaço da luta pelo consenso, pela direção político-ideológica. (…) Quando surge esse mundo intermediário da “sociedade civil”, e quando ele não está totalitariamente subordinado a um estado despótico, podemos dizer que a sociedade passou de seu período meramente liberal para um período liberal-democrático". COUTINHO, Carlos Nelson. Os intelectuais e a organização da cultura. In: ______. Cultura e Sociedade no Brasil: ensaios sobre ideias e formas. São Paulo: Expressão Popular, 2011. p. 16.

processo democrático".265 Em linhas gerais, a agenda de abertura é iniciada apenas

em 1977, seguida da indicação oficial do general João Baptista Figueiredo para a presidência. Nesse contexto, como afirma Marcos Napolitano,

… a partir de então já com pressão das ruas e do próprio sistema político (nesta ordem), é que a abertura se transforma em um projeto de transição democrática, ainda que de longo prazo. Havia uma pressão cada vez maior dos movimentos sociais unidos, ocupando de forma crescente a praça pública em torno da democracia, o que sem dúvida era um fator de pressão a mais sobre as políticas de distensão e abertura no caso brasileiro. Eram fatos novos, imprevistos, que colocavam novas demandas políticas, sociais e econômicas, para as quais a estratégia do governo oferecia pouca resposta além da repressão. A pressão das ruas talvez tenha sido o elo perdido e esquecido entre a tímida distensão de 1974 e a efetiva agenda de abertura em 1978.266

O processo final dessa etapa, a partir de 1982, foi "hegemonizado" pelos liberais em negociação com os militares. Vantajosa para ambos, ela garantia uma retirada sem punições às violações dos direitos humanos, via Lei de Anistia e sem mudanças abruptas do modelo econômico fundamental, sancionado pelas elites, ao mesmo tempo em que retomavam de maneira gradual as liberdades civis e o jogo eleitoral, não sem antes colocarem à mesa o tema da “questão democrática”. Absorvido por diferentes tendências, o conceito de democracia passou a fazer parte do cardápio de empresários, partidos, imprensa, movimentos sociais e intelectuais. No caso desses últimos, grupo no qual Sérgio Buarque se encontrava, não havia consenso.

Alguns aceitavam o status quo imposto pelo governo, "afirmando que a única opção para a construção da democracia era aceitar os limites e incrementos da distensão oficial". Outros denunciavam a questão democrática como estratégia de renovação da hegemonia burguesa. Ou ainda, entendiam que a partir da nova situação de distensão era preciso conquistar mais espaços e abrir mão da visão instrumental de democracia, que afligia a esquerda e a direita. Para o bloco das oposições, começava a se desenhar uma concepção de democracia “participativa”, que tentava criar uma zona de convergência entre os conceitos elitistas e formais da

265 NAPOLITANO, Marcos. 1964: História do Regime Militar Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2014. p.

229.

democracia liberal e a democratização da sociedade com base na afirmação dos direitos sociais e da participação efetiva.267

É sensato afirmar que todo esse cenário teve reflexos diretos nas ciências humanas. O boom de renovação que se efetivou na segunda metade da década de 1970 se deu num momento em que já eram claros os indícios de esgotamento de algumas análises marxistas e de modelos de revolução como formas privilegiadas de interpretação do passado. Enquanto a filosofia e a sociologia teciam sérias críticas ao pensamento estruturalista de Louis Althusser268, sobretudo a partir de São

Paulo e Rio de Janeiro, o campo historiográfico se voltava à discussão do universo mental e das ideologias presentes nas análises históricas da "realidade brasileira” produzidas até aquele momento.269

José Roberto do Amaral Lapa, por exemplo, constatava como um dos traços essenciais dos trabalhos recentes “a ideologia como objeto e não motor do conhecimento histórico”.270 Outra característica significativa do período trata, no

movimento de expansão dos cursos de Pós-Graduação e especialização em História, da inserção da disciplina de teoria da história e da própria historiografia brasileira.271 Nesse sentido, diversos historiadores no período se dedicaram à crítica

historiográfica da chamada geração de 1930, sintetizada pela acusação de uma “perspectiva aristocratizante de cultura” da parte dos ensaístas intérpretes do Brasil, como visto em “Ideologia da Cultura Brasileira” de Carlos Guilherme Mota.

A abordagem deste autor deslocava o foco de atenção do campo econômico para a dimensão ideológica do universo cultural brasileiro, mantendo o eixo explicativo na definição da estrutura socioeconômica, tal como fora definida

267 Ibidem, pp. 234-42. Para uma definição mais precisa desses conceitos no âmbito histórico ver:

BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. Trad. Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Brasiliense, 2005.

268 LÖWY, Michel. Notas sobre a recepção crítica ao althusserianismo no Brasil (anos 1960 e 1970).

In: BASTOS, Elide Rugai; RIDENTI, Marcelo; ROLLAND, Denis (org.). Intelectuais: sociedade e política, Brasil-França. São Paulo: Cortez, 2003. pp. 213-223.

269 Um bom balanço historiográfico pode ser encontrado em: FREITAS, Marcos Cezar de (org.).

Historiografia Brasileira em perspectiva. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2010.

270 LAPA, José Roberto Amaral A história em questão: historiografia brasileira contemporânea.

Petrópolis: Vozes, 1976. p. 191. A importância de Amaral Lapa nesse período foi destacada por Raphael Guilherme Carvalho em artigo recente, intitulado, “A escrita de si de Sérgio Buarque de Holanda nos anos 1970 (Notas para estudo). Tempos Históricos, vol. 19, jan/jun 2015, pp. 80-102.

pelos trabalhos da famosa Escola Paulista de Sociologia, na qual atuaram Florestan Fernandes, Octavio Ianni, Aziz Simão e Fernando Henrique Cardoso.272

A partir de então, várias pesquisas se orientaram nessa direção "privilegiando o estudo das ideologias constitutivas" tanto dos movimentos sociais do século XIX, a exemplo da Revolução Praieira, examinada por Isabel Andrade Marson, quanto do "pensamento social autoritário”, como o de Alberto Torres, esboçado por Adalberto Marson e "ainda vinculada pelos jornais de grande circulação", como no caso dos trabalhos de Arnaldo Contier e Maria Helena Capelato.

No mesmo espírito do tempo, os debates sobre a questão do “lugar das ideias”, desenrolados a partir do ensaio de Roberto Schwarz sobre a adaptação do modelo liberal europeu por uma sociedade escravocrata e atrasada como a brasileira do século XIX, também causaram querelas nos meios acadêmicos. Numa perspectiva marxista bastante sofisticada, esses trabalhos detiveram-se na complexidade da análise da ideologia, apontando para sua dimensão instituinte, mais do que reflexiva.273

O tema "Revolução de Trinta” não passou em branco nessas abordagens e, na virada para a década de 1980, "O silêncio dos vencidos", de Edgar de Decca, já apontava para os posteriores desdobramentos conceituais realizados em nossa historiografia, a partir da incorporação das análises do discurso propostas por Michel Foucault e das discussões levantadas por Walter Benjamin em suas teses sobre a filosofia da história. Questionando a temporalidade que localiza uma profunda

272 De modo geral, a ideia de uma Escola de Sociologia de São Paulo corresponde ao grupo de

investigadores que trabalhou ligado à cadeira do Professor Florestan Fernandes, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, desde aproximadamente 1955 até 1969. Vale ressaltar que seu líder negava a existência de tal Escola. EUFRÁSIO, Mário. A Escola de Sociologia e Política de São Paulo e a Escola Paulista de Sociologia: um curto comentário e um breve depoimento. In: KANTOR, op. cit, p. 118.

273 Desse conjunto podemos citar: MARSON, Isabel. O império do progresso: a revolução Praieira

em Pernambuco. São Paulo: Brasiliense, 1987; Movimento Praieiro - imprensa, ideologia e poder político. São Paulo: Editora Moderna, 1980; MARSON, Adalberto. A ideologia nacionalista em Alberto Torres. São Paulo: Duas Cidades, 1979; CONTIER, Arnaldo. Ideologia e Imprensa em São Paulo, 1822-1842: matrizes do vocabulário político e colonial. Petrópolis: Vozez; Campinas/SP: Unicamp, 1979; CAPELATO, Maria Helena. Os arautos do liberalismo. São Paulo: Brasiliense, 1989. Sobre debate do “lugar das ideias” ver: Schwarz, Roberto. As ideias fora do lugar. In: Ao vencedor as batatas: formas literárias e processo social nos inícios do romance brasileiro. São Paulo: Duas Cidades, 1992; FRANCO, Maria Sylvia Carvalho. As ideias estão no lugar. In: Cadernos de Debates, nº 1. São Paulo: Brasiliense, 1976; BRESCIANI, Maria Stella. Liberalismo, ideologia e controle social: São Paulo (1850-1910) 1976. Tese Doutorado, Programa de Pós-Graduação em História Social, USP.

ruptura na história brasileira a partir do fato “Revolução de 30”, o autor procurou evidenciar como se constituiu o imaginário dessa revolução por meio do silenciamento do conflito capital/trabalho e da produção do silêncio da classe operária, no final dos anos 1920, por uma violenta repressão política. Em outras palavras, o livro analisou a produção do campo discursivo a partir do qual se estruturou a memória e a historiografia desse evento, possibilitada pela vitória do discurso do vencedor e da constituição de sua memória particular e excludente como memória oficiosa e objetiva, ambas, sofisticadas estratégias de dominação burguesa.274

No decorrer da década de 1980, a escrita da história no Brasil foi marcada pelo surgimento de novas tendências e por um olhar mais acurado em relação às fontes. Assim, processos judiciais, imagens, símbolos nacionais, memória, cinema, diários íntimos, correspondências, cultura material, literatura, etc., em suma, tudo aquilo produzido ou deixado como rastro, por anônimos ou não, homens e mulheres, tornaram-se matéria-prima para inéditos estudos, cujo saldo foi bastante positivo. Influenciadas pela história social inglesa, pela "Nouvelle Histoire", pela micro-história italiana e pelos seus principais expoentes, como E. P. Thompson, Jacques Le Goff, Pierre Nora e Carlo Ginzburg, mas também por pensadores como Michel Foucault, Walter Benjamin, Hannah Arendt e Cornelius Castoriadis, a nossa produção acadêmica produziu de maneira inovadora um conjunto de pesquisas que versavam sobre temas como: mentalidades, religiosidade, cotidiano e lazer, mulheres, cultura urbana e cidades, loucura e instituições de controle, correntes políticas, resistência escrava, trajetórias individuais e questões raciais.275

274 DECCA, Edgar S. de. O silêncio dos vencidos: memória, história e revolução. 6. ed. São Paulo:

Brasiliense, 1994. Para o autor, “a revolução de 30 como memória histórica do vencedor da luta, fazendo parte do exercício de dominação, edifica o futuro, ao mesmo tempo que refaz o passado, qualificando tanto os agentes como seu próprio sentido. Toda a história transcorrida até 30 é memorizada pelo vencedor como uma luta entre dois agentes sociais, os revolucionários e a oligarquia”. Decca também chama a atenção para a cronologia criada após esse “fato”. Nesse sentido, tudo o que viria antes dele seria denominado “República Velha”, já que “tal revolução inaugura o novo”. A historiografia realizaria ainda sobre este “fato” outras polarizações, entre as quais a mais corrente é a da economia agroexportadora x industrialização, aspectos que marcaram profundamente a produção historiográfica ao longo do século XX. pp. 108-110.

275 Dentre importantes estudos dessa fase podemos citar: "Nem pátria, nem patrão", de Francisco

Foot Hardman (Brasiliense, 1983), "Trem fantasma", também de Hardman (Companhia das Letras, 1988), "Do cabaré ao lar. A utopia da cidade disciplinar", de Margareth Rago (Paz e Terra, 1985), "Trabalho, lar e botequim", de Sidney Chalhoub (Brasiliense, 1986), "A vida fora das fábricas", de Maria Auxiliadora Guzzo Decca (Paz e Terra, 1987), "O espelho do mundo – Juquery, a história de um asilo", de Maria Clementina Pereira Cunha (Paz e Terra, 1986), "Sacralização da Política”, de Alcir Lenharo (Papirus, 1988), "Quotidiano e Poder em São Paulo no século XIX", de Maria Odila L. da S.

Com exceção de "Raízes do Brasil", transformado em clássico pela memória de Antonio Candido que o prefaciou em 1967 e, talvez, "Do Império à República" de 1972, o restante e volumoso conjunto da obra de Sérgio Buarque teve, ao que parece, pouco eco nesses acalorados debates sobre a "realidade brasileira”, a ponto de um amigo seu e estudioso de sua obra confessar que "um dia ele será apresentado em seu exato valor, passando a exercer influência maior. Então a nossa historiografia será superior e vai ficar comprovado seu pioneirismo, seu papel de verdadeiro abridor de caminhos".276

Essas palavras proferidas por Francisco Iglésias foram publicadas primeiramente nas páginas do jornal "O Estado de S. Paulo" do dia 6 de junho de 1982, portanto, pouco depois da morte do amigo. Elas indicam, além de um devir, que até a presente data, Sérgio Buarque de Holanda mesmo já reconhecido, não era unanimidade entre seus pares no meio intelectual. Uma década depois as mesmas elucubrações reaparecem, dessa vez compondo um conjunto de debates, cujos temas eram a vida e a obra de Sérgio Buarque de Holanda, realizados na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Se tal lamento foi novamente dividido, agora com os partícipes do Colóquio, é de se supor que as representações do homenageado e do seu enquadramento no campo disciplinar projetado no passado, ainda estava, naquela altura, em plena dinâmica de elaboração memorialística.

Feitas essas considerações, a sequência do capítulo tem o propósito de acompanhar os últimos anos da vida de Sérgio Buarque de Holanda em sua casa e no Centro Brasil Democrático-CBD, privilegiando a documentação que legou à posteridade e que compõe parte de seu arquivo pessoal, juntamente com fontes produzidas pela extinta Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça encontradas no Arquivo Nacional em Brasília. Papéis que, em diálogo, expõem as suas redes de sociabilidade e a dialética dos anos finais da ditadura brasileira, além do protagonismo de alguns setores intelectuais nesse processo.

Dias (Brasiliense, 1984), "O diabo e a Terra de Santa Cruz", de Laura de Melo e Souza (Companhia das Letras, 1986), "Campos da violência: escravos e senhores na Capitania do Rio de Janeiro" (1750- 1808), de Silvia H. Lara (Paz e Terra, 1988), "Londres e Paris no século XIX: o espetáculo da pobreza”, de Maria Stella Bresciani (Brasiliense, 1982) e "Onda negra, medo branco. O negro no imaginário das elites no século XIX", de Célia Maria A. Marinho (Paz e Terra, 1987).

276 IGLESIAS, Francisco. Sérgio Buarque de Holanda, historiador. In: Universidade Estadual do Rio

de Janeiro. Sérgio Buarque de Holanda: 3º Colóquio UERJ. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1992. p. 44.

2.3. Os últimos anos de vida: Rua Buri 35, o Centro Brasil Democrático e