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关于中国的文学创作:中葡关系中的历史小说

No documento Diálogos Interculturais Portugal-China 1 (páginas 122-127)

Maria Helena do Carmo

Escritora

A temática “Literatura e Tradução” abrange um leque diversificado da escrita sobre a China, que passa das crónicas de viagens à documentação e serve de base à historiografia nas suas inúmeras vertentes: diplomática, administrativa, económica, legislativa, linguística e literária, por mero acaso ou intencional, em contos, romances ou poesia.

Os cronistas dos séculos XV e XVI são hoje estudados na demanda da verdade sobre as relações de Portugal com os potentados do Extremo Oriente, época propícia ao desaparecimento de ofícios em naufrágios, enquanto outros se elaboravam de acordo com os interesses a defender no comércio, em que todos se viam envolvidos, ou no desempenho em cargos do Estado nas mãos de protegidos. Por haver documentos verdadeiros e outros apócrifos, importa valorizar as vivências de viajantes mercadores, cujas narrativas nos transpor- tam ao mundo imaginário da China de outros tempos.

Com a chegada dos jesuítas à Índia, ao Japão e à China, a base de dados tornou-se mais fidedigna, graças à elevada cultura dos membros da Ordem, ao processo de cristianização pela aprendizagem das línguas indígenas e ao contacto estabelecido com os imperadores do Oriente. A preciosa documen- tação que nos deixaram tem alimentado o trabalho dos historiadores sobre os séculos XVII e XVIII, até a Ordem ter sido extinta pelo Marquês de Pombal.

A China continua a atrair a atenção de novos sinólogos que perpetuam o trabalho do Pe. Joaquim Guerra, digno sucessor dos padres Matheus Ricci, Gabriel Magalhães, Tomás Pereira, ou Adão Schall. As teorias filosóficas, as diferentes mentalidades, religiões, usos e costumes, são cada vez mais objeto de investigação para o estudo das “Relações de Portugal com a China”, muitas vezes tendo Macau no centro das atenções.

Conhecendo melhor a história de Macau dos séculos XVIII e XIX, venho focar dois períodos polémicos, tratados em romances históricos, que a cidade atravessou nas suas relações com o Império do Meio a nível dos mandarins locais e vice-rei de Cantão. Recorde-se que as embaixadas à corte de Pequim, quando a cidade se encontrava em apertos, ficavam sujeitas a regras protocolares de cor- tesia em ambiente de grande cordialidade, mesmo que resultassem em nada. As discórdias entre as autoridades portuguesas e sínicas tinham lugar em Macau.

As razões que me levaram a passar da historiografia à ficção devem-se à falta de documentação, ou desta me parecer confusa, enquanto o romance me permite preencher hiatos, considerados menos importantes pelos historiadores, formular hipóteses sem estar obrigada a prová-las com documentos, poder des- crever quadros do quotidiano, na forma que achar mais aliciante para o leitor. As dúvidas sobre a origem das fontes surgiram logo que entrei no processo de investigação. Ao estudar a época em que viveu Nhónha Catarina de Noronha para um trabalho a entregar na cadeira “Relações de Portugal no Espaço Ásia- -Pacífico”, trabalho que motivou a escrita do meu primeiro romance histórico, encontrei uns manuscritos microfilmados do secretário de uma embaixada à Corte de Pequim, que já estavam datilografados e devidamente publicados em volumes de Arquivo, como sendo da autoria do embaixador. Cederam-me as cópias para estudo, sob a proibição de divulgar tais documentos, transcrevendo apenas duas ou três frases no romance, com a devida discrição(Carmo, 2006).

Descobri depois uns microfilmes antigos, meio apagados e de letra com- primida, com referências aos problemáticos amores de C’hien Lung, imperador de génio arrebatado, que enfrentou a venerável Mãe numa paixão pela princesa cativa. O documento, escrito por um sinólogo, dizia pouco sobre a tragédia dessa mulher, de nome Iparxan, que passou a chamar-se Chiang-Fei, a “odorífera

concubina”. Por longo tempo esta princesa viúva, prisioneira de guerra, recu-

sou entregar-se ao imperador, sendo condenada à morte pela Mãe imperatriz no Tribunal da Corte, quando viveu com ele um grande amor.

A aparente boa harmonia palaciana não permitiu que tal caso ficasse registado nos Anais, para evitar posterior divulgação pública, mas na época surgiram inúmeros escritos daquele romance com nomes falsos, por temor à pena de morte.

Entretanto, como os registos oficiais da corte de Pequim falam de outra concubina imperial, também muçulmana e da mesma província de Xinjiang, muito parecida com Iparxan de rosto e estatura, mas de temperamento dife- rente, submissa e alegre, de nome Maimur Azum, que ao entrar na corte tomou o nome de Zhen-Fei, os historiadores referem-se apenas a esta senhora, por ser a única que está devidamente documentada.

Só no final do século XX, quando se desmoronou o túmulo da concubina imperial, sepultada junto do mausoléu do imperador, os arqueólogos e filólogos concluíram tratar-se de duas mulheres distintas, que vemos retratadas nas ima- gens seguintes (Carmo, 2012). Chiang-Fei fora sepultada a 8 km da cidade de Kashgar, num grandioso túmulo que o imperador mandara erigir a seu pedido.

Retrato anónimo de Chiang-Fei. A imperial Zhen-Fei, retratada por Castiglioni.

Não descansei até encontrar o fio à meada, recorrendo à mais variada gama de textos, documentos e romances, até à internet, para conhecer a vida do príncipe Bao, de nome Axinjueluo Honglie, que sucedeu no trono como Qianlong, quarto imperador da dinastia C’hing, ou Qing, a 22ª da antiga civi- lização chinesa.

A personagem deste enigmático imperador proporcionava um trabalho histórico de grande envergadura, se a documentação fosse toda fidedigna. Nos cinco anos de pesquisa, levantaram-se algumas dúvidas perante a amálgama de textos sobre a vida de C’hien Lung, apenas coincidentes nos eventos históricos e quanto ao desenvolvimento das suas capacidades culturais e artísticas. Pela força militar estendeu as fronteiras do Império do Meio ao seu limite máximo, interveio na governação com autoridade absoluta por longos sessenta anos e mesmo depois de ter abdicado do trono, reformulou as leis C’hing e aplicou-as aos portugueses de Macau.

O mesmo não se poderia dizer em relação aos escândalos na Corte, com devaneios amorosos, paixões proibidas, únicas que o enlouqueciam, porque esposas teve quantas desejou e concubinas às centenas no seu harém privativo, desejosas de receberem a honra de o servir. Todas as noites retirava uma “estela do catálogo”, que o eunuco imperial lhe entregava, com o nome da escolhida. Também a história de Macau no tempo deste imperador se encontra cheia de textos forjados para iludir a verdade dos factos. Entre os senadores e os mandarins as acusações e justificações aparecem descritas de forma diferente, consoante a sua origem fosse das autoridades sínicas ou das portuguesas.

Após encontrar uma linha condutora coerente, capaz de tecer a trama da complicada existência de C’hien Lung, decidi tratar o assunto num romance, género literário que dá ao escritor a liberdade de escolher a versão que entender

mais verosímil, reconstituir uma história difícil de ser entendida em fragmen- tos documentais. O romance abarca um quotidiano revelador de usos, costu- mes, mentalidades que se chocam no encontro de civilizações nas relações de comércio, ou sempre que haja necessidade de marcar uma posição forte entre quem detém o poder e quem deve submeter-se.

A ficção revela verdades encobertas, que se pretendem abafar a todo o custo, por ilações de raciocínio lógico. A pesquisa transporta-nos a quadros coevos, que julgamos reais nos ofícios do governo, nas ordens das chapas ou até nos tes- tamentos às Misericórdias. À partida, tudo nos parece credível. Porém, muitos casos levantam problemas que nos a obrigam a uma investigação mais apurada. Como o romance agrada ao grande público, optei pela ficção para retratar Macau, com leves referências ao que se passava na China, e assim surgiu “Mer-

cadores do Ópio - Macau no tempo de Quianlong” (Carmo, M. Helena, 2012).

Atrás de um livro, outro aparece a preencher o vazio de um trabalho findo. Continuando a estudar a história dos portugueses em Macau, porque cada autor tem uma visão própria da verdade, encontro sempre temas aliciantes em livros editados pelas instituições, lendo escritores nacionais e estrangeiros, como Charles Boxer, Pe. Benjamim Videira Pires, Montalvo de Jesus, ou Pe. Manuel Teixeira, que nas suas múltiplas histórias me levou a escrever outras, quando já me escasseia o tempo para as concretizar. Em cada obra algo de interessante me motiva a conceber novos trabalhos.

Para ter uma visão global e não ocidentalizada, sigo o método académico de investigação na consulta de autores chineses, tais como as “Chapas Síni-

cas” traduzidas, (Lao Fong 1997), “Macao 400 Years” (Fei Chengkang 1996), Segredos da Sobrevivência (Wu Zhiliang 1999), documentos traduzidos nos

4 volumes da “Coleção de Fontes Documentais para a História das Relações

Entre Portugal e a China” (Vasconcelos Saldanha 1996), editados pela Fun-

dação de Macau, entre muitos outros.

Ao ler em “Ta-ssi-Yang-kuo” (Marques Pereira 1995) sobre a morte do governador Ferreira do Amaral, verifiquei que o Arquivo Histórico de Macau nada tinha a seu respeito, nem havia registos das Actas do Leal Senado sobre esse período de governação na Biblioteca do Centro Científico e Cultural de Macau, onde existe bastante documentação. Só encontrei dados no Instituto do Arquivo Nacional da Torre do Tombo e no Arquivo Histórico Ultramarino, situação que me obrigou a ficcionar páginas que a História não guardou. A pro- cura redobrou o interesse por este governador, não só pela escassez de docu- mentos, mas por empatias com a senhora que ele amou e lhe deu dois filhos.

O assunto deu origem à biografia romanceada de João Maria Ferreira do Amaral (Carmo, 2014).

No documento Diálogos Interculturais Portugal-China 1 (páginas 122-127)