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As relações Portugal-China são singulares por serem o primeiro rela-

No documento Diálogos Interculturais Portugal-China 1 (páginas 30-35)

cionamento moderno e direto já com um pouco mais de 500 anos, entre euro- peus e chineses e também por terem gerado uma plataforma eurasiática única, uma fronteira litoral marítima da China para acolhimento e contacto direto com Portugal – Europa que durou 444 anos entre 1555 e 1999. Fronteira que em metamorfose de RAEM – Região Administrativa Especial de Macau ainda hoje no século XXI procura cumprir essa função estratégica internacional para a China Global.

As relações Portugal-China possuem configuração e ritmia próprias gera- das no pioneirismo temporal e na invenção Espacial de uma fronteira comum de Portugal/Europa na China (e vice-versa à medida que se avança no século XXI fazendo Portugal Macau).

A singularidade e diferença do relacionamento entre portugueses e chine- ses não foge, no entanto, às regras processuais mais gerais do relacionamento Europa-China. Antes pelo contrário, pois ao contribuir decisivamente, nos séculos XVI e XVII (e mesmo posteriormente), para o seu incremento torna-se parte de um todo, pulsa também ao ritmo mais global dos ciclos eurasiáticos de relacionamento, integra e repete as regras e regularidades.

Existem morfologia e ritmia próprias e únicas nas relações Portugal e China mas, situadas e inseridas nas morfologia e ritmia mais globais das macro-fases Europa-China, de relações indiretas e diretas e das fases e faces internas a este último relacionamento. O relacionamento Portugal-China tem, pois, uma certa existência e autonomia próprias, mas, ao mesmo tempo, integra e comparti- cipa do relacionamento da mais longa duração multimilenar Europa-China.

A singularidade, a condição única do relacionamento bilateral assenta nas dimensões temporal e espacial. É o primeiro tipo e modo de relacionamento direto, contínuo, regular entre europeus e chineses. Começado a nascer em 1509, Malaca, na Ásia do Sueste onde os mundos marítimos e migratórios da China e da India se encontram, marca o início das modernas e globais relações transculturais e internacionais entre Europa/Europeus e China/Chineses. As relações eurasiáticas neste caso Europa-China, apresentam cinco grandes cons- tantes, regras de constituição, cinco regularidades tipológicas chave. A primeira é a de serem relações processuais da mais longa duração. Os acontecimentos, circunstâncias, situações são cumulativos e evolutivos. Vivem em fases, níveis, andamentos, períodos que permitem a determinação de duas grandes idades relacionais (indiretas – diretas) e de uma trilogia de faces oscilantes na segunda idade. As relações eurasiáticas são sempre multilaterais. Embora a atenção e a acentuação possam ser colocadas na perspetiva bilateral, a realidade é sempre multilateral envolvendo diferentes europeus, asiáticos, americanos, africanos no relacionamento Europa-China.

A terceira constante é a de serem relações mútuas de implicação/acultu-

ração embora desigual. Relações de conexão e interdependência que levam a

oscilantes configurações comuns, sincretizações de mútuos interesses e poderes económicos, culturais, políticos, etc. A quarta regularidade assenta no caráter

hierárquico destas relações. Mesmo entre relativamente iguais, entre total-

mente contemporâneos, em termos tecnológicos, científicos, organizacionais, as relações possuem sempre hierarquias, escalas assimétricas, locais e centrais, de oscilação. A quinta grande regularidade tipológica revela relações hetero-

géneas. Processos e sistemas de conexão e de interdependência com uma alta

diversidade de programas, grupos, regiões, indivíduos. Não existem conexões e interdependências entre homogéneos e totalidades, mas sim entre heterogé- neos e partes. Estas cinco constantes das Relações Eurasiáticas são “dispositi- vos de relativa estabilidade” (P. Bordieu), regras de funcionamento de conexão e interdependência Europa-China. Por isso, implicam e englobam também as regularidades do relacionamento multissecular Portugal-China.

No para além desta tipologia mais global, comum e partilhada, existem características mais específicas ao próprio relacionamento direto Portugal- -China. Constantes que se foram repetindo a partir dos inícios do século XVI e que são a forma concreta de fazer e constituir as regras de relacionamento eurasiático já formuladas.

Na mais longa duração este processo de relacionamento apresenta para além do já apontado seis grandes características, seis tonalidades que ao longo dos séculos tiveram uma certa repetição e regularidade tipológica.

1. As conexões e interdependências entre portugueses e chineses para

além do relacionamento Bilateral direto são, desde a origem e no seu processo,

Multilaterais. Convocam e implicam diferentes parceiros e múltiplas parce-

rias eurasiáticas (italianos, espanhóis, alemães, indianos, malaios, japoneses, etc.) atuando o parceiro português como um multiplicador de correlações. Um intermediário global das culturas material e intelectual, dos produtos, circuitos, informações e conhecimentos, China e Europa para as restantes Ásia, Europa, América, África. A bilateralidade prática e imediata na multilateralidade real atribui à dimensão portuguesa um papel de acelerador, de valor acrescentado nos mais lucros/ganhos e menos riscos/prejuízos de oportunidades e mercados. A China dá a escola e Portugal contribui para a melhor correlação e adaptação.

2. As relações entre portugueses e chineses são tanto ou mais Informais

quanto Formais. Informais, fruto de conexões e de interdependências de cir- cunstância e de situação (que se podem ou não renovar indefinidamente) envol- vendo confiança entre grupos e indivíduos em posições nucleares de poder e

de interesse, económico e político. Formais, assentes em instituições e acordos oficiais entre as respectivas economias, sociedades, políticas, culturas.

O predomínio da informalidade sobre a formalidade é sobretudo manifesto nas relações económicas que são, no essencial, criação de privados (ainda que aparelhados a poderes públicos locais, regionais, centrais), de grupos empre- sariais que se estabelecem e consolidam com base na confiança pessoal e no direto relacionamento interpessoal.

Estes agrupamentos de parceria, devido à sua condição tão ou mais informal quanto formal, possuem ao mesmo tempo alta estabilidade e alto dinamismo de atracção, alargamento, renovação. Muito deste relacionamento interpessoal direto implica contacto/vivência, da parte portuguesa, com as realidades chi- nesas sobretudo por via da plataforma Eurasiática de Macau.

3. As relações luso-chinesas são essencialmente de natureza prática: comer-

cial, financeira, transcultural. São parcerias de mútuo interesse e de mútuo benefício, de riscos e de lucros em comum em busca de uma proporcional e justa divisão dos ganhos. A componente portuguesa funciona regularmente como extensão e envolvimento de mais parceiros, mercados, capitais, aliados, etc.

4. As parcerias económicas culturais luso-chinesas envolvem não só por-

tugueses de Portugal e chineses da China como portugueses e chineses da Diás- pora. Grupos e famílias de chineses e portugueses ultramarinos, instalados e inseridos nas vidas económica e cultural doutras sociedades. Comunidades, portuguesa e chinesa, do Atlântico Africano e Americano, do Índico e da Ásia do Sueste/Mares do Sul (Naniang). Comunidades enraizadas em diversos espa- ços nacionais e internacionais, locais e globais, mas que preservem forte liga- ção e lógicas de interesse comercial, financeiro, cultural, com as terras natais de Portugal e China.

5. O processo relacional de mais de meio milénio entre portugueses e chine-

ses criou uma fronteira eurasiática única que é Macau/RAEM, um micro espaço de macro funções que serve uma China Global e que atrai outros europeus e asiáticos. Macau tornou-se a sede empresarial por excelência das parcerias luso chinesas. O lugar onde se acumula e gera formação e informação estratégicas. A fronteira em cidade portuária litoral-marítima que mais ligou, ao longo dos séculos, a China à Europa, à África e à América Atlântica. Essa herança é hoje para a Região Administrativa Especial um potencial horizonte de futuro.

6. Embora maioritariamente privados e de associação maleável, tão ou

não excluem as relações políticas oficiais entre os dois Estados Centrais. A embaixada tributária de Tomé Pires, de 1517-1521, é a primeira relação diplo- mática oficial moderna de um Estado Europeu à China. A primeira tentativa política de um Estado – Dinástico Europeu ter relações diplomáticas com o Império Chinês Ming.

Macau existe tanto por constituição semi-oficial sinoniportuguesa quanto por proteção e favorecimento do Centro imperial de Beijing (mesmo que de uma forma sempre mais implícita que explícita).

Os Estados Centrais de Portugal e da China, com a sua imensa diferença de escala, foram ao longo dos tempos criando condições preferenciais de acolhi- mento e promoção do relacionamento informal e semi-formal oficializando-o quando e sempre que útil e necessário. Economia e cultura em processo rela- cional com algum apoio e retaguarda de políticas económicas e culturais tem sido a regra que melhor serve o concretizar de conexões e de interdependências que fazem a metamorfose da distância em proximidade.

Em fatores essenciais, a terceira fase das relações diretas Europa-China retoma constantes da primeira. Estamos de novo (no século XXI como nos séculos XVI e XVII) frente a uma diferença entre contemporâneos tecnológicos e económicos. Estamos de novo frente a uma concentração dos grandes capi- tais na China e de novo frente a uma revolução global marítima do comércio e finança internacionais que inunda de “made in China”, de produtos transforma- dos/produzidos os mercados locais, nacionais, globais. De novo vivemos uma idade em que a China fascina e modela o Ocidente como vemos no ressuscitar do valor da ética social neo – confuciana, do modelo político chinês de merito- cracia, da língua e cultura chinesas, de medicina tradicional chinesa, de tópicos de lucro e de imaginário como as “Rotas da Seda”, os “Negócios da China”, etc.

Portugal e os portugueses voltam a ter condições de ativa e contemporâ- nea conexão e interdependência com a China e os chineses que se haviam per- dido nos primeiros andamentos da revolução/civilização industrial. As línguas, culturas, economias, sociedades voltam a convergir na distância máxima de escala e de espaço. A terceira fase tem sem dúvida bem mais afinidade e filia- ção com a primeira fase das relações diretas do que com a segunda, mas não é um retorno. É toda uma nova idade. A China volta a ser a maior economia, não duma economia mundo, mas sim da Economia Mundial. A China volta a ser um espaço de inovação, mas não de tecnologias tradicionais, mas sim de altas e avançadas tecnologias, da nanotecnologia às ambientais e espaciais. A

China volta a ser o grande pólo de atração planetária dos capitais, mas é, ao mesmo tempo, cada vez mais, um investidor na Europa, África, América, Ásia. A China de novo flui e desagua no Mundo, mas agora sob a forma de turismo, massificante e de elite. Sob a forma de milhares, c. 300.000, estudantes chi- neses nas Universidades Europeias.

Hoje, o essencial da função Macau deslocalizou-se para Portugal. Portugal é de novo uma relevante plataforma Eurasiática, mas, agora, à boca da Europa Atlântico-Mediterrânea e na lógica do renascimento asiático global. Jamais a igualdade relativa de condições tecnológicas, científicas, sociais, políticas entre algumas Europas da Europa e a China foi tão igual. Nunca a proximidade e afinidade de ideias e ideais comuns foi tão próxima e, no entanto, estamos tão só nos primeiros passos de uma terceira idade que não sabemos como se irá processar, evoluir, acabar (vd. Shambaugh & Shou Hong, 2008; Vogt, 2013).

No presente e no futuro próximo Portugal e as Europas da Europa estão em crescente e convergente conexão e interdependência com a China. Porque todos somos Outros, o espelho da proximidade – alteridade, da não indiferença, mobiliza a Europa e a China: “[…] a China é o Outro fundamental e, sem o encon- tro com a China, o Ocidente não conseguirá tornar-se verdadeiramente cons- ciente dos contornos e limites do seu Eu Cultural […]” (Bresciani, 2009, p. 19).

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