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Nota introdutória

No documento Diálogos Interculturais Portugal-China 1 (páginas 176-192)

Este ensaio irá focar-se no processo de “fabricação” da identidade política de Yongle (r. 1402-1424), também conhecido como o “segundo fundador” da dinas- tia Ming, centrando a análise nas Beijing bajing tu, ou “Oito vistas de Beijing”. Peter Burke, na sua obra The fabrication of Louis XIV (2005), elaborou uma profunda análise sobre a figura de Louis XIV, explicando como o mito em torno do “Rei Sol” foi o resultado de uma exemplar campanha de propaganda. Embora em tempos e formas diferentes, a obra de Peter Burke deixa alguns pontos de reflexão apresentando-se funcional à análise da figura de Yongle. É um facto que Louis XIV e Yongle não pertencem à mesma época histórica, no entanto o processo de “construção simbólica da autoridade” (Burke, 2005, p. 22) de ambos tem alguns pontos comuns.

No caso de Yongle, este processo de construção da autoridade imperial teve como principal objectivo mitigar a sua imagem de usurpador1. Na obra de Peter

Burke (2005) é sobretudo interessante o processo que levou à “mitificação”, à “construção” e à “auto-afirmação” de Louis XIV, o qual pode ser igualmente observado na subida ao poder de Yongle. Os próprios palácios de Versailles, símbolo da monarquia absoluta, poderiam ser comparados à construção da “Cidade Proibida” em Beijing, por aquilo que estas duas grandes cortes simbo- lizavam. Yongle acabou por encarnar, como acontecerá no século dezassete a Louis XIV, um conjunto de elementos simbólicos presentes em vários contex- tos, entre eles a Cidade Proibida. Devido à conjuntura histórica em que surge Yongle, encontramos neste processo vários exemplos que mostram como a persuasão, expressa em vários planos e momentos, acabou por ser uma arma fundamental para chegar à construção de um sistema sólido que levou à auto- -afirmação do próprio poder.

Yongle 永樂 (r. 1402-1424)2, ou “Felicidade Eterna”, é o título do reinado

do terceiro imperador da dinastia Ming (1368-1644), cujo nome pessoal era Zhu Di 朱棣 (1360-1424)3. Quarto filho4 do imperador Hongwu 洪武 (r. 1368-

1398), Zhu Di recebeu em 1370 o principado de Yan 燕5 estabelecendo o seu

quartel-general perto do antigo palácio imperial dos Yuan em Dadu 大都. Desta

1 Processo que por exemplo não ocorreu durante a dinastia Tang quando subiu ao trono a

única mulher “imperador” da história da China, como evidenciam as crónicas dinásticas oficiais de matriz confucionista.

2 Este era o nome do reinado do Príncipe de Yan, quando se tornou imperador. O seu nome

próprio era Zhu Di (1360-1424); segundo a tradição os títulos dos reinados eram consti- tuídos por dois caracteres e após uma longa análise dos significados, eram anunciados publicamente. Embora na China imperial fosse hábito mudar os títulos dos reinados mais que uma vez, a partir da dinastia Ming esta prática foi abandonada, tendo os imperadores ficado sempre com o mesmo título ao longo de todo o reinado (feita excepção no caso de Zhu Qizhen 朱祁鎮 que tendo sido capturado pelos mongóis subiu inicialmente ao trono com o nome de Zhengtong 正統, antes da captura e Tianshun 天順 quando foi libertado).

3 Os nomes próprios dos imperadores eram tabú e não podiam ser pronunciados, pelo que

normalmente são conhecidos pelos nomes dos seus reinados ou pelos títulos póstumos; que neste caso era Chengzu.

4 Todas as datas são baseadas na obra de Mote, 1999; veja-se a tabela da sucessão dinástica

da família Zhu 朱 em Mote, 1999, p. 625.

5 Em Abril de 1370, Hongwu criou oito principados para atribuir aos seus filhos. A cerimónia

de atribuição do principado ocorreu na sala Fengtian [dian] 奉天[殿], dedicada ao Céu, onde o chanceler Li Shanchang 李善長 (1314-1390) lhe entregou o livro e o carimbo, ambos de ouro, onde constava a inscrição “Tesouros do Príncipe de Yan” (Tsai, 2001, p. 26).

“grande capital”6 Mongol ficou apenas uma recordação. E para evitar que se per-

petuasse qualquer ligação com a dinastia “bárbara”, Hongwu passou a designar esta cidade por Beiping 北平, ou “Norte pacificado” (Tsai, 2001, p. 21). Este foi um de vários sinais que não só acompanharam a fundação de uma nova dinas- tia, como também prenunciaram o início de uma nova era (Mote, 1999, p. 595).

Se a criação da dinastia Ming ocorreu com Hongwu, Yongle fez história como o “segundo fundador da dinastia Ming” (Mote, 1999). A primeira fase (Hongwu), com a capital principal no sul em Nanjing, caracterizou-se pela reestruturação do império, mas foi na realidade com Yongle que o império foi consolidado e ampliado, tendo a capital principal passado definitivamente para norte em Beijing, que – como veremos – foi reconstruída nesta ocasião.

Além da planificação da nova cidade imperial, aspecto que aprofundare- mos oportunamente, Yongle foi promotor de outras obras importantes, das quais podíamos salientar como exemplos a decisão de limpar o Grande Canal, a construção do o grande mausoléu de Xiaoling 孝陵 e o impulsionamento das famosas viagens do almirante Zheng He 鄭和7, que marcaram o apogeu de uma

grande campanha diplomática. Dos dezasseis imperadores da dinastia Ming, o reinado de Yongle foi aquele que não só marcou os primeiros anos da dinastia, mas que também deixou um legado ainda hoje presente na história da China contemporânea.

Neste processo de renovação, é, todavia, importante realçar que a dinas- tia Ming não cortou completamente com o seu passado mais recente e, se por um lado voltou ao neo-confucionismo, por outro continuou com um conjunto de tradições introduzidas pelos mongóis8. Quando os Khan completaram a

conquista da China em 1279, ao anunciar a nova dinastia não escolheram um topónimo como de tradição chinesa, mas um adjectivo: Yuan 元, ou “origem”. Zhu Yuanzhang 朱元璋 (Hongwu)9, ao escolher o nome “Brilhante”, “Lumi-

6 Dadu significa literalmente “Grande Capital”.

7 As viagens marítimas do almirante-eunuco Zheng He levaram os chineses até à costa orien-

tal de África. Sobre este assunto leia-se Fei, Ptak, 1996; Ma, Guida, Fei, 1996; Pereira, Jin, 2006, entre outros.

8 Os quais escolheram Yuan, “Origem”, “Primórdios” do Universo para definir a dinastia

mongol. A mesma tradição continuará até à fundação da República no século XX.

9 Sobre a vida deste imperador leia-se o Zhu Yuanzhang zhuan 朱元璋傳, do qual existe uma

tradução francesa (Wu, Perront, 1991), Goodrich; Fang, 1976, pp. 381-392 e Mote; Twit- chett, 1988, pp. 107-181.

nosa”, não teve como único objectivo perpetuar uma nova tradição introduzida pelos mongóis, quis também promover alguns aspectos religiosos, com base nos quais o imperador era visto como um salvador: um “Principe da Luz”, ou seja, um soberano que tem como um poder superior de proteger o seu reino de qualquer desastre (Tsai, 2001, p. 20). A resposta a tal atitude poderá ser encon- trada na biografia de Zhu Yuanzhang que de simples monge oriundo do Anhui se tornou o primeiro imperador da dinastia Ming. Esta mistura de elementos novos com tradições antigas10, poderá ser também suportado pela escolha do

título do reinado: Hongwu 洪武, ou “Vasto Poder Militar”, um título paradig- mático dado que Zhu Yuanzhang, com este título, queria evidenciar a sua longa e vitoriosa batalha contra os mongóis. O que se observa nestes dois factos (a escolha do nome da dinastia e do título do reinado) é uma atitude extrema- mente pragmática onde tanto a retórica, como o simbolismo dos objectos que acompanham essa retórica, visam um único objectivo: consolidar a posição do imperador enquanto líder indiscutível.

O seu sucessor foi Zhu Yunwen, mais conhecido pelo seu título póstumo de Jianwen 建文 (ou “Edificador da Cultura”), subiu ao trono de forma acidental, dado que o príncipe herdeiro indigitado pelo imperador Hongwu, Zhu Biao 朱 標, morreu prematuramente em 1392. O reinado de Jianwen (r. 1398-1402), que teve que ocupar o lugar do pai antes do tempo, foi breve e acabou por ser um mistério11, Jianwen desde o início do seu reinado entrou em conflito com os

oito príncipes aos quais o avô, Hongwu, na década de setenta do século catorze, havia distribuído um conjunto de principados como forma de garantir a con- tinuidade do império que tinha acabado de fundar. Na realidade Hongwu não previu que esta medida pudesse desencadear uma série de rivalidades entre os vários príncipes. De facto aconteceu com Zhu Di12 e ainda que o jovem Jianwen

tenha percepcionado a rivalidade rapidamente, a nada serviu. Em pouco tempo e após a morte de Zhu Biao, Zhu Di, sentindo-se defraudado do poder impe- rial, organizou um exército e começou a sua marcha em direcção a Jinling 金

10 Hongwu tentou fortalecer o nacionalismo chinês bem como alguns aspectos culturais orto-

doxos acompanhados por valores sociais neo-confucionistas.

11 Para uma biografia deste imperador, bem como dos outros, leia-se em Goodrich, Fang 1976

e Mote, Twitchett, 1988, p. xiii.

12 Hongwu distribuiu um principado a cada filho e a atribuição do principado de Yan a Zhu

Di foi um acto de grande consideração por parte do imperador, pois era um dos principa- dos mais importantes do reino (Mote, 1999, p. 595).

陵, actual Nanjing13 (Mote, 1999, p. 552). Começou assim uma longa luta pelo

poder imperial, que terminou com o misterioso desaparecimento do imperador Jianwen, que tanto atormentou a vida do tio Zhu Di e futuro imperador Yongle. A partir deste momento, com a morte (ou suposta morte)14 de Jianwen, dá-se

a usurpação do trono por parte de Yongle em 1402, o qual como primeiro acto ordena a execução dos ditos “Quatro Mártires”15. Começa a nova fase da dinastia

Ming (Brook, 1998, p. 94), que virá a ser caracterizada pelo processo que levou à fundação da “capital do norte”, Beijing, como novo centro do poder político Ming, permanecendo assim até hoje. A construção do novo palácio imperial foi apenas um dos aspectos de propaganda política promovida por Yongle, que passou toda a sua vida a construir a sua imagem pública através de uma hábil campanha de “marketing”, que teve como principal objectivo legitimar a sua posição como “filho do Céu”. Neste processo de “fabricação” da sua posição de imperador surgem as famosas “Beijing bajing tu 北京八景圖”, ou “Oito vistas de Beijing”16.

13 Esta cidade tornou-se capital do império Ming. Em 1368 passou de Jiqing (época Yuan) para

Yingtian, embora Zhu Yuanzhang a tivesse ocupado já em 1356. Foi reconstruída a partir de 1368, tendo entretanto todos os documentos sido guardados e transferidos para esta nova capital do sul. A construção da nova capital acabou em 1377 (Mote, 1999, pp. 552; 568).

14 Durante o século dezasseis circularam documentos como aquele redigido por Chen Xiao (1499-

1566) Jianwen xungou ji (Relato sobre a abdicação do imperador Jianwen) de 1566 (Mote, Twit- chett, 1988, p. 204). Este foi um dos muitos relatos que visavam esclarecer o que teria aconte- cido realmente ao sucessor de Hongwu. Sobre este assunto consulte-se Chung-yun, 2012.

15 Fang Xiaoru 方孝孺 (1357-1402), Qi Tai 齊泰 (m. 1402), Huang Zichen 黃子澄 (1353?-1402)

e Lian Zining 練子寧(m. 1402) todos com o título de jinshi, ficaram na história como os 4 mártires que se bateram contra a usurpação do trono por parte do Príncipe de Yan (Mote, 2003, p. 585). Não foram os únicos a ser executados, nesta altura, pois Yongle tinha man- dado executar todos os assistentes do sobrinho Jianwen que não queriam submeter-se à vontade do novo imperador (Link, Mote, 2009: 72; 75). Para uma biografia dos quatro mártires leia-se (Association for Asian Studies, Fang, Goodrich, 1979, pp. 224-27; 426-33; 911-12).

16 Rolo anónimo pintado numa época posterior à Wang Fu 王紱 criado como parte do pro-

jecto que visava justificar a fixação da capital em Beijing após a destituição de Jianwen. Como iremos analisar, este rolo contém uma série de inscrições que louvam a escolha de Beijing como capital.

“Oito vistas de Beijing” e a agenda política de Yongle

Porquê Beijing? Em termos gerais é importante realçar que este núcleo urbano existiu pelo menos desde a dinastia Liao 遼 (916-1125)17, tornando-se

ao longo do tempo uma cidade central na história da China. Durante a dinastia Ming, várias terão sido as razões que levaram Yongle a escolher a antiga capi- tal dos Yuan como sede do seu reinado. A principal, deve-se provavelmente ao facto de ser uma cidade localizada numa região que Zhu Di conhecia profun- damente; além disso, não podemos esquecer que Beijing era bastante longe de Nanjing18, a capital da primeira fase Ming e o local onde se tinha consumado o

assassínio do imperador Jianwen e de toda a sua família. Outra razão, embora não deixe de ser uma mera conjectura, poderá ter sido o facto de Yongle ter ficado no Norte, não apenas por razões estratégicas e militares, mas eventual- mente por razões familiares. Ainda que a sua mãe putativa fosse a imperatriz Ma 馬[皇后], Zhu Di terá sido o fruto da relação do pai, Hongwu, com uma consorte coreana19 ou mongol (Tsai, 2001; Link, Mote, 2009, p. 381). Seja qual

for a verdade sobre este assunto, o ambiente onde se formou Zhu Di era mais próximo desta região. Era aqui que – não obstante todas as barreiras físicas20

construídas ao longo dos séculos – a China dos “han” se fundia gradualmente com outras tribos das estepes partilhando usos, costumes e credos, tornando estas comunidades em realidades fluídas. Este aspecto podia ser observado em

17 Os Liao, ou Qidan 契丹 (Khitan), são uma dinastia de origem “não han”. De realçar que

Beijing foi escolhida prioritariamente (excepção feita aos Ming) como capital das popula- ções “não han” fundadoras de dinastias barbáricas, tais como os Jin 金, Yuan e finalmente Qing 清. A escolha deste local tem naturalmente a ver com a proximidade territorial que esta cidade tinha dos países com populações como os jurchen, os khitan, os mongóis e os manchus. Veja-se também mapa apresentado em Steinhardt, 1999, p. 20.

18 Nanjing foi completada em 1377 e foi chamada de Jingshi 京師 (capital) em 1378. No

entanto Fengyang 鳳陽 tornou-se Zhongdu 中都 (capital central) e Kaifeng 開封 a capital setentrional. A cidade foi construída ao longo do reinado de Hongwu, ainda que ele nunca tenha ficado completamente satisfeito com a sua localização. Por esta razão terá enviado o seu filho mais velho e herdeiro aparente Zhu Biao para que inspeccionasse outras capitais antigas das dinastias Han e Tang. A viagem de Zhu Biao não trouxe qualquer resultado, dado que este adoeceu e a ideia de instalar mais uma capital acabou por não se concreti- zar (Mote, 1999, p. 568).

19 Os Yuan mandavam vir mulheres coreanas para a sua corte em Dadu, uma tradição que

continuou com Yongle, entre outros. Na “Cidade Proibida”, além das consortes e criadas coreanas podiam-se também encontrar eunucos de origem coreana que eram utilizados como mensageiros do imperador nas missões tributárias (Link, Mote, 2009, p. 304).

muitos dos rituais que ocorriam em Beijing durante o domínio mongol e que continuaram durante as épocas sucessivas.

Durante a época Yuan, Beijing foi sempre alvo de ritos de purificação que visavam limpar a cidade de qualquer tipo de poluição espiritual negativa. Nestas ocasiões os Khan convocavam os lamas tibetanos em Dadu21. Estes rituais con-

tinuaram durante a dinastia Ming especialmente durante o reinado de Yongle e, embora com algumas interrupções, continuaram ao longo da dinastia Qing. Era evidente que Yongle não queria apenas promover-se como imperador, “Filho do Céu”; queria afirmar-se como um “Imperador Universal” (Robinson, 2008, p. 400). Esta escolha deu. de certa forma, continuidade à posição do pai, o qual ao escolher “Luz”/“Brilhante” como nome da dinastia evidenciou a sua profunda ligação ao budismo, sobretudo lamaísta. Existem vários registos deste culto e dos ritos que envolviam grande número de monges tibetanos em Nanjing, prá- ticas que continuaram em Beijing pelo filho Yongle o qual se afirmava um “bala

cakravartin” (cakravartin que exerce a força). Yongle recebeu ensinamentos de

lamas tibetanos, alguns dos quais conseguiram o título de preceptores impe- riais (guoshi 國史). As instruções religiosas envolviam sobretudo o budismo esotérico ou mais especificamente ritos relacionados com Mahākāla e Hevajra, figuras centrais para a consagração do cakravartin, “Soberano Universal” ou “Rei dos Reis” (Robinson, 2008, p. 375). É importante salientar que muita da familiaridade de Yongle para com o Budismo devia-se também à ligação que ele manteve desde muito novo com o monge Daoyan 道衍 (1335-1418)22. O

percurso de Yongle apoiou-se assim na “fabricação” de um ideal imperial que conjugasse uma concepção “chinesa” de soberano, mas mantendo também alguns aspectos da regência “mongol” (Dreyer, 1982, p. 173). Conservaram-se assim muitas das práticas dos Khans como – por exemplo – a manutenção das visitas dos monges tibetanos à corte imperial. Mas a ligação com o Tibete não

21 Sobre este assunto leia-se Sørensen; Orzech, 2010, pp. 539-549.

22 Daoyan, também conhecido por Yao Guanxiao 姚廣孝, do qual existe um belíssimo retrato

(rolo, tinta e cor sobre seda, dinastia Ming, colecção do Museu do Palácio de Beijing); este retrato é um extraordinário exemplar de kesi 緙絲 que foi recentemente (2014) exposto em Londres no Museu Britânico (Clunas, Harrison-Hall, 2014, p. 43). Não menos precioso é o retrato do mestre budista tibetano Śākya Yeshé (1354 – 1439) o qual chegou à corte impe- rial em 1415. Ambos os retratos testemunham a influência do budismo na corte Ming, bem como o caracter cosmopolita tanto de Nanjing como de Beijing.

era apenas espiritual, pois existiam também razões económicas e políticas que levaram à manutenção deste laço23.

Desde o início do seu reinado em 1402, Zhu Di teve sempre preocupação com a sua imagem enquanto imperador, pois tendo consciência de ter estado envolvido na morte do sobrinho, sabia que a usurpação do trono colocava o seu “Mandato”24 em risco constante. Construir Beijing foi um acto político que

começou em 1416 tendo planificando a cidade com uma equipa de arquitectos liderada pelo eunuco vietnamita Nguyễn An/Ruan An 阮安(m. 1453)25 o qual se

ocupou do projecto dos palácios, dos templos e da muralha de defesa em torno da cidade26. Foi uma obra de dimensões extraordinárias cuja construção contou

com madeiras oriundas de regiões como o Sichuan, Shanxi, Jiangxi, Hunan, Hubei e Zhejiang, as quais viajaram principalmente pelo Grande Canal tendo-se utilizado uma grande quantidade de mármore de Fangshan 房山 (arredores de Beijing). No projecto, não apenas de operários locais, participou também muita mão-de-obra estrangeira, sobretudo vietnamita (Clunas, Harrison-Hall, 2014, p. 31). Os interiores foram decorados com materiais nobres nacionais e interna- cionais. A cidade levou anos a ser planificada, tendo sido terminada apenas no reinado de Zhengtong (Steindhart, 1990, p. 170). O plano e a distribuição dos edifícios principais foram concebidos tendo como modelo a cidade de Nanjing. Beijing foi considerada capital permanente no dia 14 de novembro de 1441, mas apenas na segunda metade do século quinze foram concluídos os três palácios

23 A aliança com o Tibete era garantida pela circulação dos monges tibetanos na capital,

bem como pelo patrocínio de obras ligadas ao budismo tibetano. Era uma forma para evi- tar que os mongóis voltassem em massa para China. Um problema que será enfrentado pela dinastia manchu (os Qing) adoptando a mesma estratégia contra os oirates-zúngaros (Mote, 1999, p. 937).

24 O tianming 天命, é um mandato que se funde com o conceito de missão moral, onde o

cultivo moral pessoal (característica interior) se expressa no bom governo (característica exterior). Yongle contrariando a vontade do pai Hongwu que tinha designado Zhu Biao como herdeiro aparente e não reconhecendo Jianwen como legitimo sucessor ao trono, não respeitou todo um conjunto de regras que podiam fazer insurgir o Céu e os antepas- sados. Para mais leia-se Puett, 2011.

25 Eunuco de origem vietnamita que liderou o projecto do complexo palaciano e de todos os

altares dentro e fora da cidade proibida, contando com o apoio do eunuco Cheng Gui e a supervisão directa do imperador. A reestruturação da nova capital devia seguir uma plani- ficação com base num conjunto de regras cosmológicas objectivando a protecção do impe- rador (Zhu, 2003, p. 28).

26 Na altura era o maior complexo palaciano amuralhado existente ao mundo. A muralha

distribuídos no eixo central Sul-Norte e abertos às audiências oficiais da corte externa (Fengtian, Huagai, Jinshen) e da corte interna (Qianqing e Kunning).

Quando Yongle subiu ao trono, Beijing não foi logo aceite como capital imperial principal, pois tal representava aos olhos de muitos letrados mais orto- doxos, um acto que demonstrava uma grande falta de “piedade filial” (xiao 孝)27

por parte de Yongle, dado que a decisão de não manter Nanjing como capital contrariava uma decisão do pai. Por esta razão demorou bastante tempo até

No documento Diálogos Interculturais Portugal-China 1 (páginas 176-192)