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Autoria e genealogia de uma obra

No documento Diálogos Interculturais Portugal-China 1 (páginas 102-110)

记述十七世纪的中国:曾德昭与其作品 《中华帝国》

II. Autoria e genealogia de uma obra

Redigida pouco depois da chegada de Semedo à Europa, no decurso de 1640, como o próprio nos dá conta (Semedo, 1642, p. 50), mas presumivel- mente ainda em 1641, a obra Imperio de la China estava concluída o mais tar- dar antes de meados de Outubro deste último ano, data da sua primeira licença

7 Lettere Annue, 1621, pp. 173-276.

8 Lettere Annue del Giappone dell’Anno MDCXXII e della Cina del 1621. & 1622, Roma: per

Francesco Corbelletti, 1627; Histoire de ce qui s’est passé es (sic) Royaumes dv Iapon, et de la Chine, Paris: Chez Sebastien Cramoisy, 1627; De Novis Christianae Religionis Pro- gressibus et certaminibus in Iaponia, anno M.DC.XXII in Regno Sinarum M.DC.XXI. et M.DC.XXII. Litterae. Münster: Ex-Officina Typographica Michaelis Daelii, 1627.

9 Sobre esta rivalidade, que iria resultar na chamada Controvérsia dos Ritos Chineses, veja-se,

de publicação10. Saiu do prelo volvidos poucos meses, no primeiro semestre

de 1642, em Madrid.

Foi seguramente nesta cidade que decorreu a redacção do texto11, num

processo em que coube ao escritor português Manuel de Faria e Sousa (1590- 1649)12, que aí residia havia vários anos, um papel central. No frontespício da

edição, imputava-se-lhe a responsabilidade pela publicação (“publicada por”), enquanto Semedo era explicitamente identificado como autor do texto (“Com- puesto por”). Porém, o mais correcto será considerarmos a dupla autoria ou assinatura da obra, porquanto foi resultado de um trabalho desenvolvido em evidente parceria13.

Assim, por um período cuja duração exacta desconhecemos, mas que terá variado entre um mínimo de cinco meses e um máximo de onze (algures entre Novembro de 1640 e Outubro de 1641), Semedo e Faria privaram em Madrid e estiveram envolvidos na preparação do texto. O jesuíta encontrava-se aí, sabemo-lo por fonte documental, aquando da aclamação de D. João IV, a 1 de Dezembro de 1640, e continuava nos primeiros dias do ano seguinte14. Só no final

deste ano o registamos já em Roma, onde chegou o mais tardar em Novembro. Com uma vivência do Império Ming que, como invocava, era já longa de 22 anos15, Semedo era o narrador de parte substancial do texto. Com ele, já acima

10 A 18 de Outubro desse ano foi concedida a licença eclesiástica pelo clérigo menor Manuel

de Avila, incumbido pelo Vigário Geral, D. Lourenço de Iturrizarra.

11 Vários autores referem ter sido a obra preparada em Goa, em 1638 (Sommervogel, 1890-

1909; Pfister, 1976, p. 145; Lach & Kley, 1993, p. 349). Trata-se de um erro demasiado evi- dente, que tem por base a edição italiana da obra e as seguintes. Nestas, o texto era concluído com uma citação retirada de uma carta do patriarca da Etiópia, D. Afonso Mendes, datada daquela cidade e ano. Apesar da clareza da passagem, aqueles autores cometeram um erro, posteriormente repetido e difundido por outros autores.

12 Sobre Faria e Sousa, veja-se Lach, 1993, pp. 354-355; Sousa, 1975; Pires, 1996, pp. 159-

172; e Pereira, 2015. Veja-se ainda: Curto, 2007, 145-188.

13 Sobre a pluralidade do regime autoral e as questões a ela ligadas, veja-se Romano, 2016,

pp. 160-163. A autora discute em particular estas questões na principal obra jesuíta que precedeu a de Semedo, De Expeditione Christiana apud Sina, publicada em 1615 por Nico- las Trigault. O termo “dupla assinatura” que utilizamos é daqui retirado.

14 Carta de Baltasar de Sá ao Padre Geral, s.l., 4/2/1641, ARSI, F.G. 757, fl. 59/1. Carta de

Álvaro Semedo ao Padre Geral, Madrid, 31/12/1640, ARSI, Jap.Sin. 161, fls. 224-224v. Faria e Sousa refere explicitamente na sua nota ao leitor ter estado com Semedo em Madrid. Semedo, 1642.

o referimos, tinha trazido da Ásia diversos materiais sobre a China e a missão, em que se incluíam “muitas [cartas] annuas excellentes”16, mas também outro

tipo de apontamentos pessoais e de outros informadores (europeus e chineses). Algumas dessas notas lamentava ter perdido durante a viagem, mas “como acontece a quien se expone al agua, aun en mas cortas navegaciones, perdiose en un naufragio una arca, adonde venian estos papeles” (Semedo, 1642, p. 201). Chegado a Portugal e a Espanha, Semedo terá encontrado à sua disposição, nos colégios da Companhia por onde passou, outros materiais já publicados que viriam a ser utilizados na composição do texto.

Faria e Sousa, por sua vez, havia já cerca de dez anos em Madrid, autor de vasta obra (inédita e publicada), parte significativa da qual em língua cas- telhana17, era, além disso, um homem familiarizado com os meios editoriais

madrilenos. A sua mais recente publicação, Luis de Camoens, Principe de Poe-

tas de España, datava de 1639 e fora financiada pelo importante mercador de

livros madrileno Pedro Coello18 e impressa por Juan Sanchez (Delgado, 1996,

pp. 631-632). São precisamente estes dois elementos que vão surgir envolvi- dos na edição de Imperio de la China, em 1642. Por outro lado, longe de poder ser reduzido à condição de editor ou até mesmo de tradutor de um texto ori- ginalmente escrito por Semedo, Faria e Sousa teve um papel bastante activo na produção da obra. Se é clara, por um lado, a presença ou marca de Semedo, de igual modo o é a de Faria e Sousa, em diversas partes. Temos, desde logo, a nota inicial dirigida aos leitores, que aquele assina, ou a “Advertencia que es menester se vea”. Mas temos também, ao longo do texto, vários comentários e referências que apontam para Faria e Sousa, quer pelas personagens cita- das, quer pelo tom usado: é o caso de Camões, “nuestro Poeta” (Semedo, 1642, p. 93); ou de figuras épicas, como “el heroico e memorable don Vasco da Gama” (Semedo, 1642, p. 221); mas também dos “Reyes Portugueses”, capazes de “arriesgar tanta gente, i tanto caudal en tantas, i tan luzidas flotas” como aquelas que com “admiracion de todo el mundo osaron sondar la inmensidadde tantos i tan remotos mares”(Semedo, 1642, p. 221). Estes, entre outros, parecem-nos

16 Carta de Manuel Barradas a Manuel Severim de Faria, Goa, 20/10/1637, Biblioteca Nacio-

nal de Portugal (daqui em diante BNP), Secção Reservados, cód. 7640, fl. 141v.

17 Como nota Edward Glaser, três ou quatro anos depois de ter chegado a Madrid, Faria e

Sousa já se atrevia a escrever em castelhano (Sousa, 1975, p. 90). Sobre o uso do castel- hano por autores portugueses, veja-se Buescu 2004.

claros indícios da intervenção do escritor na redacção do texto e vêm dar con- sistência à sua reivindicação de autoria, que emerge a partir de 1646. Nesse ano, no seu Nobiliario del Conde de Barcelos Don Pedro (Sousa, 1646), Faria e Sousa declarava-se como autor de Imperio de la China, alegação que repetia em outro dos seus livros, Asia Portuguesa, no qual transcrevia literalmente partes substanciais daquela obra (Sousa, 1666-1675). Vemo-lo, assim, referir-se ao seu “Imperio de la China, escrito a instancia del Padre Alvaro Semmedo”, o qual, reconhecia de modo elogioso, “diò las mejores noticias con que hasta oy se escriviò deste Argumento” (Sousa, 1646); ou, no mesmo sentido, “Nuestro libro del Imperio de la China, sacado de los papeles, y noticias del Padre Alvaro Semmedo” (Sousa, 1666-1675, vol. I). Na sua autobiografia, Fortuna de Manuel

de Faria y Sousa, acrescentava que entre os seus livros, aquele que “más a la

ligera he [escrito] cierto fue el que se intitula Imperio de la China, a instan- cia de un religioso [...] y éste me llevó un año [...] y le escribí tres veces de mi mano”19. Logo em 1650, Francisco Moreno Porcel, no seu encómio a Faria e

Sousa, era categórico, declarando que para “quien conoce estilos no era neces- saria la advertencia de ser de nuestro Faria este libro”20.

No processo de preparação desta obra, a intervenção de Faria e Sousa poderá ter sido ainda fundamental na escolha do castelhano como língua de publicação; na redação do texto nesse mesmo idioma, de que seguramente tinha um domínio superior ao de Semedo; assim como na própria organização e estruturação da obra. A isto podemos acrescentar a coordenação da edição e todas as diligências necessárias para a sua publicação. Aqui é possível incluir a participação de Pedro Coello como financiador e a escolha de Juan Sanchez como impressor21; o acompanhamento da impressão e a revisão de provas; 19 Sousa, 1975, pp. 185-186. Volta a repetir a informação nesta obra: “Escribí el [libro] que

se intitula Imperio de la China, solicitado del padre Alvaro Semedo, de la Compañia de Jesús” (pp. 379-380).

20 Moreno Porcel, biógrafo de Faria e Sousa, dizia ainda que Semedo contribuíra com “el mejor

aparato, y las mejores noticias, assi de su sitio, y calidades, como del progresso de nuestra Religion en èlla, que hasta oy han venido de aquel Oriente.” Insistia na autoria de Faria e Sousa, não só “porque él lo dixo en varias partes”, mas porque “ni contradize esto, aver alegado él aquella Historia con nombre de aquel Padre”, porquanto “no era justo citarse a si mismo [aunque sea llana aquella dotrina] en prueva de su proposicion. Citò al Padre Semmedo por Autor de aquella noticia, aunque èl lo sea de aquel Libro. El enfin es suyo”. Moreno Porcel, p. 27.

21 Na verdade, Juan Sanchez terá falecido em 1639 e a obra terá sido impressa já pela sua

além da apresentação ao Conselho Real de Madrid do pedido para obtenção de licença e privilégio de publicação da obra.

O livro Imperio de la China, que se inscreve numa linha de continuidade com a produção textual anterior sobre o Império Ming, em termos de estru- tura e de conteúdos abordados, é um texto parcialmente compósito, como era comum na época, nomeadamente na produção jesuíta.

Alguns materiais trazidos por Semedo e outros que já estavam em circula- ção, impressa ou manuscrita22, foram utilizados e integrados em Imperio de la

China. Apontemos então alguns daqueles que conseguimos identificar, come-

çando precisamente pela obra que mais directamente precedeu a de Semedo,

De Christiana Expeditione apud Sinas. Esta fora editada em 1615, em Augs-

burgo, por Nicolas Trigault (1577-1628), quando, como Semedo, fora enviado à Europa, como procurador da missão da China. Considerada a primeira obra de grande fôlego sobre a China e a respectiva missão a ser publicada pela Compa- nhia, rapidamente se tornou num êxito editorial, de enorme impacto. Antonella Romano nota, a esse propósito, que este livro conseguiu mesmo eclipsar o de Gonzalez de Mendoza23. Trata-se, pois, de uma obra amplamente utilizada na

composição de Imperio de la China. Se, em algumas aspectos é possível constatar ter sido Trigault a fonte de informação (de que talvez o exemplo mais evidente seja relativamente ao número da população chinesa24), é na terceira parte da

obra de Semedo, dedicada à actividade missionária, que ganha destaque o uso do livro de Trigault. Com efeito, uma importante parcela desta secção é clara- mente um resumo do texto editado pelo primeiro procurador, que, por sua vez, utilizara os textos de Matteo Ricci (1552-1610). Os títulos dos capítulos são os mesmos e o conteúdo consiste nitidamente na referida síntese.

Mas igualmente se recorreu, para compor o Imperio de la China, a outros trabalhos anteriores, como foi o caso de um dos manuscritos de João Rodrigues

Tçuzu (1561-1633). O trabalho usado terá sido a História da Igreja do Japão, o

qual, tendo sido escrito em Macau na década de 1620, apenas veio a ser publi-

22 Sobre a circulação de manuscritos, veja-se, por exemplo, Bouza, 2001. 23 Apesar disso, a obra de Mendoza continuou a ser lida (Romano, 2016, p. 153).

24 Semedo utilizou seguramente os dados demográficos apresentados na obra editada por

Trigault, que são na mesma ordem: 58.550.801 (Trigault, 1978, pp. 74-75) e 58.580.801 (Trigault, Istoria de la China, p. 4). As variações existentes resultam de erros tipográficos e não de qualquer actualização.

cado já em meados do século XX (Rodrigues, 1954). Embora o tema central fosse o Japão, também se discorria sobre a China, o que levou Francisco Roque de Oliveira a considerar a existência de um tratado (sobre a China) dentro de um tratado (sobre o Japão)25. Daqui foram recolhidos alguns elementos, como

em certas partes se anunciava abertamente, ao salientar-se que “El Padre Iuan Ruiz que tambien passeo lo mejor destas tierras, dize que por averiguacion de los libros...” (Semedo, 1642, p. 131) ou que “El Padre Iuan Rodriguez, que tambien allà estuvo de espacio, i tratò de averiguar esto [...] dixo...” (Semedo, 1642, p. 171). Outros dados, convergentes com os de Rodrigues e diferentes dos indicados por Trigault, também parecem ter sido dali retirados. Assim terá sucedido no que diz respeito à antiguidade da língua chinesa26, ao apare-

cimento da imprensa na China27 ou ainda ao contingente de eunucos existen-

tes28, entre outros aspectos.

Outros autores e textos podem ainda ser assinalados em Imperio de la

China, conquanto não sejam referidos de forma explícita. Por exemplo, temos

claramente a utilização de um trabalho editado, em 1620, em Madrid, por Francisco Herrera Maldonado (1584-dp. 1633), com base em materiais jesuí- tas, Epitome Historial del Reyno de la China. Muerte de su Reyna Madre

deste Rey que oy vive29. O relato sobre a morte da mãe do imperador Wanli

萬曆 (1563-1620), a imperatriz viúva Cisheng 慈聖 (1545-1614), que surge em

Imperio de la China é daqui proveniente. Com efeito, reproduz-se ali, de forma

mais sintética, o texto publicado por Maldonado, com base no manuscrito de

25 Oliveira, 2009. Como já sucedera anteriormente em De Missione Legatorum, de Alessan-

dro Valignano e Duarte de Sande, cujo colóquio 33 é dedicado à China. Veja-se a versão traduzida e editada por Américo da Costa Ramalho e Sebastião Tavares de Pinho (Sande, 2009, tomo II, pp. 708-743).

26 Por exemplo, tanto Rodrigues como Semedo, fazem-na recuar 3700 anos. Cf. Semedo, 1642,

p. 49; Rodrigues, 1954, vol. II, pp. 28-29.

27 Ambos apontam estar em uso havia 1600 anos, número que difere, por exemplo, do de Tri-

gault/Ricci (Rodrigues, 1954, p. 52; Semedo, 1642, p. 54). Sobre a discussão decorrente da percepção da origem chinesa da imprensa, veja-se, por exemplo, Gruzinski, 2014, pp. 50-51.

28 Tanto Semedo como Rodrigues referem a existência de 12.000 eunucos na China, embora

Rodrigues reporte-se ao ano de 1615 e não ao de 1640 (Rodrigues, 1954, vol. I, pp. 60-61; Semedo, 1642, p. 154).

Manuel Dias Júnior (1574-1659), missionário então de assento em Pequim30.

Corrigia-se, porém, um erro grosseiro de Maldonado, que datara os aconteci- mentos de 1617, ao invés de 1614. Paralelamente, faziam-se alguns acrescentos, de que talvez o mais notório seja o do próprio testemunho de Semedo sobre as cerimónias fúnebres decorridas em Nanquim, a cidade onde residia à época31.

Outro impresso utilizado em Imperio de la China é o do jesuíta Gaspar Luís (1586-c. 1647)32, antigo colega de Semedo no noviciado de Évora. Intitulado, na

sua versão francesa, Advis Certain d’une plus ample decouverte du royaume

de Catai avec quelques autres particularités notables de la coste de Cocincina, et de l’antiquité de la foy chrestienne dans la Chine. [...] 1626, fora primeiro

publicado em Bordéus em 162833 e, logo em 1631, em Roma, em língua italiana34.

Para além destes textos, temos as já referidas ânuas que Semedo levara ao regressar à Europa. Na redacção de Imperio de la China foram incluídas não apenas essas transportadas pelo procurador, mas mais duas, num total de sete, que surgem explícita ou implicitamente assinaladas. Destas, cinco eram da China e duas da Cochinchina e do Tonquim. No caso das da China, temos desde logo a utilização da ânua de 1616/1617 e a de 1618, que desde 1621 cir- culavam impressas, em italiano, na compilação já anteriormente mencionada,

Lettere Annue del Giappone China, et Ethiopia35. A narrativa da perseguição

de 1616/1617 é nitidamente retirada da primeira ânua, da qual se apresenta uma versão sumariada (Semedo, 1642, pp. 279-289). Da ânua seguinte, a de 1618, foi transposto um memorial do Presidente/shangshu 尚書 do Ministé- rio da Guerra/bingbu 兵部 apresentado ao imperador Wanli (Semedo, 1642, pp. 135-139). Semedo dava conta de o ter enviado anteriormente da China e que,

30 Maldonado dizia ter usado uma relação vinda de Pequim, declarando a sua fidelidade a

esse mesmo texto (Maldonado, 1620, p. 91). Manuel Dias Júnior, “Celebração das Exéquias das Raynhas na China”, BNP, Secção Reservados, cód. 8571, fls. 92-98. Este relato surge ainda incluído na carta ânua da China de 1615, assinada pelo mesmo padre (ARSI, Jap.Sin. 113, fls. 395-401).

31 Desde a sua entrada na China continental, até à sua expulsão para Macau, em inícios de

1617, Semedo viveu na residência jesuíta de Nanquim.

32 Entrou no noviciado do colégio do Espírito Santo, em Évora no mesmo ano de Semedo. 33 Por Séb. Cramoisy.

34 Esta foi intitulada Dichiaratione di vna pietra antica, scritta e scolpita con l’infrascritte

lettere, ritrouata nel Regno della Cina, Roma, Per il Corbelletti, 1631.

por ocasião do seu regresso à Europa, se deparara com o mesmo já impresso (Semedo, 1642, p. 136). Esta alegação devia-se ao facto de ter sido ele o autor da versão manuscrita desta ânua, em português36, entretanto publicada na tal

compilação de 1621, em italiano, com a assinatura de Alfonso Vagnone (1566- 1640)37. Quanto às outras ânuas da China, temos ainda a inclusão da de 163338 e

da de 163439, ambas assinadas por João Fróis, assim como a de 1635, de Manuel

Dias Júnior40. Para além disso, foram integradas em Imperio de la China, con-

trariamente ao que sucedeu na edição italiana da obra, a ânua do Tonquim de 163441, de Gaspar do Amaral (1592-1646), e a ânua da Cochinchina de 1635, de

Gaspar Luís42. Com base neste conjunto de ânuas, maioritariamente da década

de 1630, reportava-se o progresso da actividade missionária dos jesuítas na China e nos dois reinos vizinhos, nesses anos que tinham antecedido o retorno de Semedo à Europa.

Importa ainda notar, no âmbito dos autores e das obras que surgem refe- renciados em Imperio de la China, de forma implícita ou explícita, dois dos mais influentes nomes no panorama europeu. Por um lado, Marco Pólo (Marco Veneto), a quem se alude directamente, como aliás ainda era comum fazê-lo como fonte de autoridade43. Dele se dizia categoricamente que “escriviò con

verdad; porque de lo que apunta permanecen oy muchas cosas, i de otras las ruinas”44. A Pólo recorre-se, por exemplo, para comparar a realidade da dinas-

36 ARSI, Jap.Sin. 114, fl. 173v. 37 Lettere annve, 1621, pp. 249-254.

38 Biblioteca da Ajuda, colecção Jesuítas na Ásia (daqui em diante BAJA) 49-V-11, China,

20/9/1633. Semedo, 1642, pp. 307-322.

39 Hangzhou, 8/9/1634, BAJA 49-V-10, fls. 374-431. Semedo, 1642, pp. 322-332. 40 Nanchang, 1/9/1636, BAJA 49-V-11, fls. 195-236v. Semedo, pp. 342-347. 41 Hanoi, 30/12/1634, ARSI, Jap.Sin. 88. Semedo, pp. 332-341.

42 Da Nang, Janeiro de 1636, ARSI, Jap.Sin. 71, fls. 129-140. Semedo, pp. 347-351.

43 São inúmeros os autores que referem, neste período, Marco Pólo. A sua importância na

cultura erudita europeia manteve-se na segunda metade do século XVII, o que, segundo Antonella Romano, revela a lentidão no processo de incorporação de saberes sobre a China. Romano, 2016, p. 236.

44 Semedo, 1642, p. 217. Sobre Marco Pólo e a China, veja-se, por exemplo, Haw, 2006.

Semedo, tal como vários outros autores seus contemporâneos, leu Marco Pólo, cujo relato se constituiu como o mais abrangente e de maior autoridade sobre a China, redigido antes de meados do século XVI. Veja-se Lach 1965, p. 36; ou Spence, 2000, pp. 1-18.

tia Ming com a anterior dos Yuan (1279-1368), de que Semedo não fora, obvia- mente, testemunha: “Destos no vi. Antiguamente en tiempo del Tartaro huvo muchos [...] i, segun Marco Veneto, hazian maravillas” (Semedo, 1642, p. 129). Por outro lado, e no sentido oposto, refere-se, sem se citar directamente, Gon- zalez de Mendoza, contestando-se informação por ele disponibilizada, que se remetia para o domínio da fábula45.

No documento Diálogos Interculturais Portugal-China 1 (páginas 102-110)