• Nenhum resultado encontrado

AÇÃO COLETIVA NO CAMPO EDUCACIONAL EM FINS DO SÉCULO XIX E INÍCIO DO SÉCULO

O SINDICALISMO DOCENTE DA EDUCAÇÃO BÁSICA NO RIO DE JANEIRO

POPULAÇÃO DO DISTRITO FEDERAL

5.3. AÇÃO COLETIVA NO CAMPO EDUCACIONAL EM FINS DO SÉCULO XIX E INÍCIO DO SÉCULO

A primeira reunião de professores, mesmo que dispersa, remonta ao século XIX. Aconteceu no Rio de Janeiro, então capital do País, em 1873, por iniciativa do governo, na intenção de focalizar a situação educacional. Compareceram apenas professores da cidade. Em 1879 registra-se, em Pernambuco, a existência de um Grêmio de Professores Primários, que procurava ampliar a instrução entre os associados e cuidar do bem-estar dos mesmos (Cunha, 1981). Em 1883, também no Rio de Janeiro, realizou-se uma Conferência Pedagógica que aglutinou os professores das escolas públicas e particulares.

Já com a instauração da República (1889), o Governo não mais convocou reuniões e conferências com os professores, como decorrência de um dos ideais republicanos de deixar as ações emergirem livremente da sociedade e também do fim da união entre Estado e Igreja e a conseqüente opção por uma educação laica.

A política educativa durante a primeira república, em alguma medida, “universalizou no Brasil a idéia de uma rede de ensino primário, público, gratuito e laico” (Nosella, 1998:166), sendo impulsionada pelas Escolas Normais e pelos Grupos Escolares. Apesar das dificuldades de organização dos professores, por conta basicamente do grau de elitismo nas escolas normais, as experiências anarquistas do início do século XX registrou uma certa relação entre sindicalismo e educação.

A intensa atividade educativa promovida pelos anarquistas no meio operário, à margem do sistema oficial de ensino, como a Escola Moderna e a Universidade Popular de Ferrer e Guardia, representou um impulso adicional à instrução popular: “A idéia era criar, paralela e rigorosamente em oposição ao sistema oficial e privado dominante, um autêntico sistema de ensino” (Luizetto, 1982:62). Articulavam a imprensa operária, os sindicatos, os centros de cultura social, as ligas dos trabalhadores e as escolas libertárias. Por intermédio de correspondências mantidas com núcleos libertários no exterior, recebiam livros, jornais e revistas, que logo eram postos à venda nas redações dos próprios jornais e/ou distribuídos pelos vários Centros de Estudos Sociais.

Com base nos pressupostos do Ensino Integral (Paul Robin) e do Ensino Racional (Ferrer y Guardia) os anarquistas “organizaram uma proposta de educação para o desenvolvimento completo do homem, ou seja, físico, intelectual e moral. Para tanto propuseram o acesso ao conhecimento sem a tradicional divisão entre trabalho manual e intelectual, entre saberes do ofício e conhecimento científico” (Kassick & Beron Kassick, 1997:58-59). A Universidade Popular completava o quadro das instituições previstas pelo modelo de ensino anarquista, que mesmo tendo uma curta duração, pretendeu completar o “sistema de educação libertário”. A organização curricular ocorria por meio de unidades temáticas independentes, proferidas com aulas- palestras e que eram divulgadas com antecedência na imprensa anarquista.

Foram iniciativas que integraram o patrimônio de experiências educativas audaciosas, que não deixaram de exercer no Brasil contemporâneo uma certa influência sobre docentes, na busca de caminhos para a ruptura com o autoritarismo pedagógico, como forma de garantir a construção coletiva do conhecimento (Gallo, 1990).

Nos anos de 1920 um grupo disperso de educadores passou a defender um conjunto de idéias reformistas, descontentes que estavam com os rumos da educação durante a Primeira República. O que os uniu foram os pressupostos da Educação Nova, na versão do norte-americano John Dewey. Dentre esses educadores figuram Anísio Teixeira, Fernando Azevedo, Lourenço Filho e Carneiro Leão. Foi no curso desses acontecimentos que se fundou, em 1924, a Associação Brasileira de Educação (ABE), que foi constituída por professores e interessados no debate das questões educativas. Essa Associação é uma experiência que, não tendo o caráter estrito de associativismo docente, de alguma forma, surge como representativa do pensamento dos professores.

Aqueles educadores lançaram o chamado Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em 193269. Este movimento, de cunho liberal, reivindicava a permanência da laicidade do ensino, a institucionalização da escola pública e sua expansão e a igualdade de direitos dos dois sexos à educação. O seu princípio máximo era “o do direito de todos à educação” (Romanelli, 1987: 143). Um grupo de educadores, em sua maioria, vinculados à Igreja Católica discordava desses objetivos.

A ABE conquistou um espaço relevante e contribuiu significativamente para as discussões que procuravam materializar mudanças educativas no país. A partir de 1927

69

Quem fez contato com John Dewey nos EUA foi Anísio Teixeira, onde fez sua pós-graduação. Ele também visitou países da Europa e observou os sistemas educativos da França, Bélgica, Itália e tomou conhecimento da versão européia do Movimento na Educação Nova (Edouard Claparède e Adolphe Ferrière, por exemplo).

organizou Conferências Nacionais, em diversas cidades, abordando diversos temas, atravessou a Era Vargas, passou pelo período 1945-1964 e chegou a 1967, na 13ª Conferência. Em função da repressão desencadeada pela Ditadura Militar, ela não teve mais repercussão. O movimento repressivo além de impedir o debate livre de idéias, afastou diversos professores da vida profissional.

Na Era Vargas o processo de discussão educativa dos anos 1920 influenciou a política educacional adotada pelo governo, que “atribuiu o fracasso da democratização da escola da Primeira República ao elitismo do seu ensino” (Nosella, 1998:173, grifo nosso). Mesmo que durante o Estado Novo, a utilização ideológica da escola tenha sido intensa, no conjunto, a Era Vargas “ensinou ao povo o caminho da escola” (Nosella, 1998:174), o que era uma demanda do projeto da economia industrial que estava para ser implementado. Tal fato acarretou um aumento do professorado da Educação Básica, o que no fim da Era Vargas, perante o clima de crescentes mobilizações que o período 1945-1964 anunciava, era um elemento impulsionador para o associativismo docente. A tabela a seguir mostra o crescimento em densidade de profissinais da educação nos anos de 1940. Este crescimento pode ser melhor observado se for comparado com os dados da tabela 11, que perfaz o levantamento nos anos de 1872, 1907 e 1920.

TABELA 16 – profissionais da educação, divididos por sexo, nos setores público e privado do magistério e outras atividades. Brasil, 1940 (por mil).

Total Homens Mulheres

Profissionais da Educação 117,6 29,1 88,5

Ensino público, direção e magistério 68,3 10,6 57,7

Outras atividades no ensino público 7,6 4,4 3,2

Ensino particular, direção e magistério 32,2 10,1 22,1

Outras atividades no ensino particular 9,5 3,9 5,6

Fonte: IBGE, 1950. Censo Demográfico, população e habitação. Série Nacional, volume II, tabela 32. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

O censo de 01/09/1940 informa que os profissionais de educação são em número aproximado de 120.000 pessoas no Brasil e concentram-se nas grandes cidades dos principais estados do país. Esta concentração espacial favorecia a organização associativa, numa época em que a ruralidade constituía a marca da sociedade brasileira (Dal Rosso e Lúcio, 2004). Os dados informam ainda que os profissionais da educação

pertencem, majoritariamente, ao serviço público, porém um número considerável, cerca de um terço, atua no ensino particular, sendo quase que exclusivamente do ensino confessional. Mais uma vez, é confirmado que o ensino da educação básica é majoritariamente uma atividade feminina (75% eram mulheres).

Como foi visto anteriormente, o Brasil no começo do século XX tinha a sua base econômica direcionada para a economia agro-exportadora que coexistia com indústrias de pequeno porte financiadas pelo lucro do café e voltadas ao pequeno consumo interno. A hegemonia da produção agrícola impulsionava o país para a importação de produtos industrializados. Contudo, a reorientação do comércio internacional, gerada pela I Guerra Mundial, e a crise de superprodução de 1929 fragilizaram este modelo, o que fez com que a burguesia agrária buscasse mudanças na política econômica. Assim surgiu um estado modernizador, arrefecedor dos movimentos sociais, fruto de um pacto entre a incipiente burguesia industrial e a oligarquia agrária.

Essa burguesia industrial, que se organizava, pressionava o Estado pela intervenção na organização dos trabalhadores, através da repressão e, inclusive, da formulação de políticas compensatórias, com o objetivo de recuperar o capital nacional por meio da industrialização. Nesse contexto foi que o primeiro Governo de Getúlio Vargas iniciou o processo de industrialização por substituição das importações, promovendo a “transição para um capitalismo de base industrial acompanhado de direitos sociais mínimos” (Boito, 1999:112). Desta maneira, governo e patronato fizeram concessões à classe trabalhadora através da regulamentação de direitos trabalhistas próprio do padrão de acumulação vigente, como férias, salário mínimo, décimo terceiro salário, carteira de trabalho, previdência e serviços assistenciais. Em retribuição, os trabalhadores se enquadrariam na lógica taylorista e na produtividade fordista.

O controle das organizações sindicais era imprescindível para o governo impor a sua ideologia de harmonia de classes e de neutralização da força social do movimento operário. Então, foi criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC) como órgão implementador da regulação sindical. Este novo modelo – chamado de Sindicato Oficial –, tutelado pelo Estado e subordinado aos seus interesses, era composto por um sistema corporativo e financiado pelo imposto sindical obrigatório. Como conseqüência gerou a burocratização das entidades e provocou a prestação de serviços assistencialistas.

Outra conseqüência foi à disputa da base entre os sindicatos oficiais e os sindicatos autônomos, que continuaram resistindo. No entanto, o trunfo maior era dos sindicatos oficiais que contavam com a ajuda estatal por vincular benefícios ao enquadramento das entidades e por legitimá-los com o oferecimento da Carta Sindical 70

A Revolução de 30 representou uma nova etapa do capitalismo brasileiro. A industrialização impôs novas exigências, como a expansão do ensino ou uma nova demanda social por educação (Romanelli, 1989). O Ministério da Educação e Saúde Pública foi criado para organizar as políticas governamentais em torno do binômio educação–desenvolvimento. O debate da educação ganhava dimensão e o movimento de professores, de cariz sindical, começava a emergir. No item seguinte está pautado o desenvolvimento desses movimentos dos professores no Rio de Janeiro.