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REPRESSÃO AO ASSOCIATIVISMO DOCENTE E A TRANSIÇÃO AO SINDICALISMO

SINDICALISMO DOCENTE NO BRASIL

3.5. REPRESSÃO AO ASSOCIATIVISMO DOCENTE E A TRANSIÇÃO AO SINDICALISMO

Com o Golpe Civil-Militar de 1964, o movimento ascencional do associativismo docente foi submetido à repressão da Ditadura. Se, no caso dos trabalhadores em geral, as possibilidades de organização eram restritas, no que se refere aos professores as restrições podem ser consideradas mais severas ainda, visto que era vedada qualquer hipótese de organização na função pública que mantivesse alguma perspectiva reivindicativa, sob pena de ser considerado como sindical-subversivo.

Como resultado dessa limitação repressiva, as entidades docentes foram ainda mais tolhidas na sua atuação. Daí teve-se o estímulo ao desenvolvimento de um associativismo afeto ao Estado, servindo aos propósitos da Ditadura, o que é analiticamente compreensível. Pode referir-se, por exemplo, à perspectiva então assumida pela direção da APESNOESP, que tinha uma atuação de aliada do Governo.

Contudo, apesar da conjuntura adversa, no plano docente – semelhante ao que ocorreu com o sindicalismo em geral – emergiram protestos, numa dinâmica de contestação ao regime. Foi assim que “em 1968, ocorreram manifestações em São Paulo, mas não alcançaram amplitude” (Leite, 1998:32). Isto apresenta-se como conseqüência de uma situação que, aos poucos, ia desfazendo a idéia de nobreza em torno da profissão docente e pondo em causa a sua valorização simbólica, ou seja, a perda de poder aquisitivo dos salários, levando os professores à proletarização.

A este respeito, como ressalta Ricardo Antunes, nos anos de 1970 – diante do início do esgotamento das políticas do regime –, a compressão salarial atingiu não só o operariado, mas também os chamados “setores médios”, o que os levou a se manifestarem.

Já no início de 1973, quando os primeiros sinais de crise afloravam, o «aparente» privilégio das camadas médias começava a se desintegrar. E o que até então era o cotidiano do operariado industrial, ou seja, a superexploração do trabalho e o arrocho salarial, passou a atormentar e a fazer parte do dia-adia

dos trabalhadores médios. Resultado: médicos, professores, bancários (...) fizeram-se presentes através de paralisações que exigiam reposição salarial, melhores condições de trabalho e fim do arrocho salarial (Antunes, 1991:135-136).

É nesse contexto que mudanças começaram a se operacionalizar no seio do associativismo docente, marcando o início da sua transição a um posicionamento propriamente sindical. Como os operários, também os professores começaram a não tomar conhecimento das proibições oficiais contra as manifestações grevistas e, em muitos casos, as direções das entidades docentes foram confrontadas com manifestações de base, as quais formalmente elas representavam. Isto é, os professores, sobretudo os do ensino público, fizeram eclodir manifestações “advogando a necessidade de imprimir às entidades representativas do magistério um caráter combativo, tirando-as das mãos dos dirigentes comprometidos com a orientação do governo” (Pereira, 1991: 107).

Começa a emergir então um novo quadro organizativo entre os docentes. A partir de 1973, incorporando professores de outros níveis de ensino, a Confederação de Professores Primários do Brasil (CPPB) é reformulada e passa a se chamar Confederação dos Professores do Brasil (CPB). Também no aludido ano, a APESNOESP passou por uma modificação, donde recebeu uma nova denominação: Associação dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo (APEOESP). Já no Rio de Janeiro, era criado o Centro Estadual de Professores (CEP)38.

Nas Universidades, na mesma altura, as Associações de Docentes do Ensino Superior começavam a multiplicar-se nas instituições públicas e privadas. A propósito, outras formas de organização levadas adiante, sobretudo, por docentes do ensino superior, embora não sindicais, estimularam, de alguma forma, a ascensão do sindicalismo docente. Este é o caso da ANPEd, inicialmente Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação e atualmente Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação, mantendo a mesma sigla. Ela surgiu como Associação de Coodenadores de Programas de Pós-Graduação, sendo logo em seguida ampliada, passando a agregar professores, estudantes e pesquisadores em educação. A mesma compreensão (estímulo à ascensão do sindicalismo docente) também é válida para a

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Associação Nacional de Educação (ANDE), para o Centro de Estudos em Educação e Sociedade (CEDES) e para o Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC).

É preciso ressaltar que foi sob a responsabilidade dessas quatro entidades que se retornou, no início de 1980, o espírito das Conferências Nacionais de Educação da Associação Brasileira de Educação (ABE), com elas promovendo na PUC-São Paulo, por exemplo, a I Conferência Brasileira de Educação, tendo inserido o termo “Brasileira” exatamente para diferenciar daquelas promovidas pela ABE. Importante foi ainda o papel da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que, em suas reuniões anuais, discutindo temas nacionais, facultou espaços para que organizações/lideranças docentes expressassem os seus pontos de vista.

Trilhando um caminho próprio, os docentes do Ensino Superior em 1980, a partir de uma greve (a 1ª desde 1964), na qual se verificou a necessidade de uma entidade que os representassem nacionalmente, decidiram aglutinar as várias Associações Docentes existentes por universidade numa organização de dimensão nacional. Foi assim que surgiu a Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior- Sindicato Nacional (ANDES-SN), entidade que representa sindicalmente os professores universitários do Brasil.

No contexto da organização docente dos Ensinos Fundamental e Médio, ao final dos anos de 1970, a transição rumo à perspectiva sindical se impôs com vigor. E, neste sentido, superavam-se as direções de entidades que estavam em oposição a está idéia.

Em Pernambuco, um grupo de docentes oposicionistas da APENOPE (Associação dos Professores do Ensino Oficial de Pernambuco) conseguiu, em 1979, vencer as eleições da entidade, desalojando uma direção sintonizada com o Governo, e a partir daí esta organização aproximou-se do Novo Sindicalismo. Em São Paulo, no ano de 1976, os professores “constituíram um movimento de oposição, o MUP (Movimento de União dos Professores). Em 1977, por conta de divergências internas, dividiu-se, surgindo o MOAP – Movimento de Oposição Aberta dos Professores. Em 1978, eclode uma greve, durante a qual o MUP e o MOAP se fortalecem, formando uma Comissão Pró-Entidade Única dos Professores (CPEU)” (LEITE, 1998:33). Em 1979, nas eleições para a direção da APEOESP, A CPEU decidiu apresentar uma lista e conseguiu vencer o pleito, o que acarretou a mudança de orientação da entidade, com esta assumindo inteiramente a dimensão sindical, e também conforme os pressupostos do Novo Sindicalismo.

O ano de 1979 foi o ápice dos desdobramentos dos primeiros anos de ascensão das organizações docentes em direção a uma perspectiva sindical. Assim, as manifestações

adquiriram maiores proporções e maior nível de organização em todo o país. Greves eclodiram de todos os recantos, atingindo 16 estados da Federação – dentre estes, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Brasília, Pernambuco, Paraíba e Bahia -, somando forças, envolvendo as redes pública e particular de ensino. Nesse processo, organizaram-se campanhas salariais e realizaram-se assembléias gigantes, com até dez mil participantes (Pereira, 1991:09).

Na seqüência das mobilizações, ainda em 1979, aconteceu em São Paulo o 1º Encontro Nacional dos Professores, objetivando partilhar as experiências vividas, bem como realizar avaliações conjuntas. Neste Encontro, a CPB foi objeto de discussão, concluindo-se que a organização reunia em sua maioria instituições burocráticas e descomprometidas. Assim, decidiu-se por uma nova entidade nacional.

A fundação desta nova entidade ocorreu em Janeiro de 1981, em Congresso realizado em Recife. Tratou-se da União Nacional dos Trabalhadores em Educação (UNATE), denominação que evidencia a presença da compreensão, no seio do sindicalismo docente brasileiro, segundo a qual, do ponto de vista de classe, o professor é um trabalhador. Na tentativa de garantir o seu espaço a CPB reagiu. Por exemplo, em Congresso, modificou os seus estatutos, instituindo a realização de um congresso anual e atribuindo a este o poder de instância máxima de deliberação (CPB/CNTE, 1983). Prerrogativa que surge como uma tentativa de contrariar as acusações que lhe são feitas, como o caráter burocrático da entidade e a falta de democracia interna.

Estava estabelecida a divisão no interior do nascente sindicalismo docente brasileiro, de um lado os partidários da CPB e, do outro, os da UNATE. No entanto, a existência dessa última “foi marcada pela falta de condições infra-estruturais, sendo mantida, sobretudo, pela contribuição da APEOESP e da UTE (União dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais), contando com o apoio político da Associação dos Professores do Ensino Oficial de Pernambuco (APENOPE)” (CPB/CNTE, 1983:34). Dessa maneira, as suas lideranças terminaram por concluir que

o caminho mais adequado para o movimento, em âmbito nacional, seria o redirecionamento da CPB, pelo que então decidiram-se pelo regresso à mesma e tentando conquistar o seu controle.

Do êxito obtido nesse sentido, e com a unidade organizacional, decorreu que a CPB fortaleceu-se, firmando-se nacionalmente como a entidade representativa dos professores dos Ensinos Fundamental e Médio. Com o fim da ditadura, acompanhado da elaboração da nova Constituição, estabeleceu-se o direito de sindicalização e de greve para os professores e os demais funcionários públicos, embora remetendo para Lei Complementar a regulamentação sobre “atividades essenciais” em que este direito seria restringido.

A lei veio reconhecer o que já era uma realidade. As entidades dos docentes e dos demais funcionários públicos, antes da garantia constitucional, já haviam abandonado a perspectiva meramente associativista e tinham se transformado “em sindicatos de fato, pelas mobilizações, greves, negociações, conquistas salariais” (PEREIRA, 1991:35). E a perspectiva seguida pelo sindicalismo docente era a do Novo Sindicalismo, com as suas entidades a se filiarem à Central Única dos Trabalhadores (CUT), que se consagrou como a porta-voz daquele novo momento do sindicalismo.

É nessa conjuntura que o movimento docente, definindo-se como de trabalhadores em educação, inicia o processo que vai resultar na mudança de nome da CPB e, mais do que isso – como conseqüência da identidade assumida – , fará com que se busque a unificação de todos os segmentos da esfera educativa dos Ensinos Fundamental e Médio numa mesma entidade, uma entidade de trabalhadores em educação. Na seqüência a tal propósito, buscou-se entendimento com os funcionários administrativos das escolas, bem como com os chamados orientadores e supervisores educacionais, organizados respectivamente na Federação Nacional dos Orientadores Educacionais (FENOE) e na Federação Nacional dos Supervisores Educacionais (FENASE).

O processo convergiu para que, num Congresso realizado em Campinas – no Estado de São Paulo – em 1989, a Confederação dos Professores do Brasil (CPB) fosse transformada em Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). Esta avalia tal processo da seguinte forma:

No início, o debate foi desenvolvido como uma discussão de concepção sindical e sobre a melhor forma dos trabalhadores se

organizarem (...) Aprovamos que, para combater a dispersão e revertermos a pulverização, somente a organização por ramo de atividade, reunindo todos os trabalhadores da mesma área educacional. Paralelo a este debate, a luta levou a que inúmeras entidades estaduais se tornassem de trabalhadores em educação (...) Este fato foi consolidando uma nova qualidade na base da CPB que, necessariamente, teria a sua expressão no Congresso de Campinas. Os servidores da escola resolveram fazer encontros nacionais. Estes eventos deliberaram pela fusão com a CPB. Foi neste quadro que, no Congresso de Campinas, os

professores – com o referendum dos servidores –

transformaram a CPB em CNTE” (CNTE, 1989:4).

A oficialização da unificação organizativa em torno da CNTE ocorreu na seqüência dos procedimentos adotados por um Fórum Nacional, criado no Congresso de Campinas, integrado pelos segmentos envolvidos no processo responsável por celebrar a unidade (professores, supervisores, orientadores e funcionários administrativos das escolas). Foi assim que se realizou, no estado de Sergipe, o chamado “Congresso da Unificação”.

O surgimento da CNTE, portanto, pondo em relevo a organização dos professores como sendo de trabalhadores em educação, consagra a transição realizada pelo associativismo docente brasileiro para um posicionamento sindical.