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MOBILIZAÇÃO SINDICAL SOB IMPULSO POPULISTA (1945-1964)

PANORAMA HISTÓRICO E SOCIOLÓGICO DO SINDICALISMO BRASILEIRO

2.3. MOBILIZAÇÃO SINDICAL SOB IMPULSO POPULISTA (1945-1964)

Após a Segunda Guerra Mundial e antes de sua deposição em 1945, Getúlio Vargas aos poucos vai adotando uma postura política inversa à que manteve durante os seus quinze anos de governo. O abrandamento do regime autoritário e o viés nacionalista fazem Vargas obter apoios à esquerda e, em princípios de 1945, se conquista a anistia ampla, geral e irrestrita para os presos políticos. Assim, os comunistas que estavam encarcerados foram liberados e o PCB voltou à legalidade.

Nessa conjuntura os sindicatos, às vezes em apoio às posições do próprio Presidente, começaram a ensaiar manifestações públicas. Neste contexto, foi formado o Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT), um organismo intersindical que destoava da estrutura sindical vertical. Diferente da postura anterior, Vargas comportava-se com complacência diante da ascensão das manifestações sindicais, o que gerou insatisfação entre os conservadores da oposição liberal. Esta, vendo uma possibilidade de Vargas continuar no governo, se opôs a isso e deu sustentação à sua deposição23, o que ocorreu antes das eleições presidenciais e da convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte.

As eleições ocorreram e Eurico Gaspar Dutra foi alçado à Presidência da República. Nestas eleições, o PCB alcançou um resultado significativo: conquistou 10% do eleitorado para a Presidência, elegeu 14 deputados federais e um senador – Luís Carlos Prestes – e se tornou o maior partido da América Latina, com cerca de 200.000 membros (Telles, 1962).

No sentido de unificar o movimento sindical, vários congressos foram realizados em estados como Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. A convergência desses esforços resultou no Congresso Sindical dos Trabalhadores do Brasil, realizado no Rio de Janeiro em 1946, com a participação de 2.400 delegados. Os comunistas, como força sindical mais atuante, criaram a Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil.

O governo Dutra reagiu não só contra tal movimentação sindical como também contra o próprio PCB. Ele decretou intervenção em sindicatos, suspendeu eleições sindicais e, em 1947, pôs o PCB novamente na ilegalidade e cassou os mandatos de seus representantes no parlamento.

No entanto, esta investida não foi suficiente para barrar a ascensão sindical. O Governo Dutra desgastou-se e o sindicalismo brasileiro contribuiu para o aumento da insatisfação popular contra o mesmo. Também foi útil a reabilitação do projeto nacionalista de Getúlio Vargas, que regressa à Presidência da República pela via eleitoral, em 1950.

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No dia 27 de outubro de 1945 foi marcada uma grande manifestação pró-Getúlio, porém a mesma foi proibida pelo Chefe de Polícia do Distrito Federal. Getúlio o substituiu rapidamente por seu irmão, Benjamim Vargas. O Ministro da Guerra, Góes Monteiro, deu um ultimato ao Presidente para que retirasse a nomeação ou ele seria deposto. Não acreditando no Ministro, Vargas não retirou a nomeação. Então, o Palácio do Governo foi sitiado pelo Exército e Getúlio deposto. Há controvérsias quanto a essa atitude. Um dos dirigentes do PCB, João Amazonas, declarou que Getúlio estava cedendo aos trabalhadores e que seu afastamento foi uma farsa golpista que obstacularizou o avanço popular (Skidmore, 1998).

A aceleração da industrialização nacional fez emergir uma intensa agitação sindical a partir de uma vertiginosa ampliação numérica do operariado. Em 1951, foram realizadas cerca de 200 paralisações em todo o país, atingindo em torno de 400.000 trabalhadores; no ano seguinte, registraram-se aproximadamente 300 greves; em 1953, cerca de 800.000 operários mobilizaram-se contra a carestia, ocorrendo ainda cerca de 800 greves em São Paulo e atingindo aproximadamente 300.000 trabalhadores, com a participação, dentre outras categorias, de têxteis, metalúrgicos e gráficos (Telles, 1962).

Essa situação tirava proveito daquilo que unia o sindicalismo e Getúlio Vargas: o nacionalismo. Essa opção política no país não foi abandonada após o suicídio do Presidente, em 195424. Juscelino Kubitscheck, o sucessor eleito, “era um produto típico do sistema político de Getúlio” (Skidmore, 1998:202) e ainda mais típico era o seu Vice- Presidente, João Goulart.

O novo presidente governou buscando acordo à direita e à esquerda e, neste equilíbrio, conduziu o projeto nacional-desenvolvimentista, ou seja, mantendo sintonia com o nacionalismo. Seu projeto visava acelerar ainda mais a industrialização brasileira, inclusive procurando atrair capitais estrangeiros, mas fundamentalmente sem dificultar a opção nacionalista. A propósito, quando em seu último ano de governo, o Fundo Monetário Internacional propôs um “programa de estabilização” ao Brasil, Kubitscheck “decidiu romper com o FMI e continuar o seu programa econômico a qualquer custo. Sua decisão revelou-se amplamente popular. Telegramas congratulatórios choviam no Palácio Presidencial, editorialistas o saudavam como o campeão de um novo nacionalismo” (Skidmore, 1998: 207).

Do ponto de vista sindical, o clima de mobilização era acentuado, o que resultou em algo no mínimo ousado: a constituição do Pacto da Unidade Intersindical, logo em seguida transformado em Pacto de Unidade e Ação (PUA), reunindo mais de 100 entidades sindicais. Neste quadro de ofensiva do sindicalismo, realizou-se mais um Congresso Sindical Nacional, que decidiu centralizar as ações numa única organização. Assim surgiu o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT). O grau de mobilização sindical levou setores à direita a realizar uma movimentação contra o que chamavam

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Não se descarta, no seio da história política brasileira, a possibilidade do suicídio de Vargas ter sido um ato político pensado por ele para reverter a oposição que era feita ao seu projeto. O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) obteve um grande apoio popular com o episódio: “com o seu suicídio, Getúlio virou o feitiço contra os seus inimigos da UDN [União Democrática Nacional] e militares. Ele havia neutralizado o que eles planejaram ser uma esmagadora vitória política, pois não queriam apenas a remoção de Getúlio, mas também a reversão de sua política e o desmantelamento da sua rede política” (Skidmore, 1998: 194).

“República Sindicalista”. Era o início dos anos de 1960, com o país convivendo com a confusa sucessão de Juscelino Kubitscheck.

Para sucedê-lo havia sido eleito Jânio Quadros, mantendo a Vice-Presidência com João Goulart. No ano de 1961, transcorrido sete meses de governo, Jânio renuncia25. Setores à direita não aceitaram a posse de João Goulart, que era conhecido como um partidário da “República Sindicalista”, e movimentaram-se no sentido de impedir a sua investidura no cargo. Porém, não obtiveram êxito na tentativa e contentaram-se com o acordo que suprimia os poderes do Presidente, ou seja, o país adotava o parlamentarismo e Tancredo Neves foi escolhido como Primeiro-Ministro. Com “Jango”26 na Presidência da República, convocou-se um referendo para decidir sobre a continuidade do parlamentarismo ou o regresso ao presidencialismo. A população optou por esta última alternativa.

Em meio a esta conturbada situação política, o movimento sindical desempenhou um papel de importante aliado de “Jango”, promovendo manifestações em seu apoio. Fato este que foi decisivo pelo menos em dois momentos: quando forças à direita manobravam para evitar a sua posse e quando da realização do referendo aludido, defendendo o regresso da via presidencialista para fortalecer o governo de Goulart. À frente dessas ações estava o Comando Geral dos Trabalhadores, como bem salienta Ricardo Antunes, foi de “extrema importância política as greves durante a crise entre a renúncia do Presidente Jânio Quadros e a ascensão do Vice João Goulart. Os sindicatos decretaram greves em solidariedade a Goulart, atingindo principalmente as atividades industriais e de transportes no Rio de Janeiro” (Antunes, 1979: 71).

A mobilização sindical alcançava o ápice e a sua pauta de reivindicações incluía, por exemplo, aumento salarial, controle do aumento dos preços dos gêneros de primeira necessidade, reforma agrária27 e a fiscalização ou limitação da remessa de lucros pelas grandes corporações para o estrangeiro.

Essa mobilização alcançou a zona rural e através das Ligas Camponesas e dos sindicatos rurais, sob a direção do PCB, acentuou-se a mobilização camponesa, tendo a

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Há quem arrisque a hipótese, segundo a qual “Jânio supunha que a renúncia não seria aceita e forçaria o Congresso a dar-lhe poderes de emergência – como ocorrera com o General de Gaulle na crise financeira precipitada pela independência da Argélia. Infelizmente, para Jânio, o Congresso aceitou a renúncia” (Skidmore, 1998: 209-210).

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Como João Goulart era popularmente chamado.

27Na época utilizava-se a expressão: “Reforma Agrária na lei ou na marra”. A primeira Liga Camponesa surgiu em

1955, no engenho Galiléia em Pernambuco. Um ano antes tinha sido criada a União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB), florescendo, na seqüência os sindicatos rurais (Azevedo, 1962).

reforma agrária como bandeira principal. Em 1963, foi fundada a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG), e logo em seguida, elaborado o Estatuto do Trabalhador Rural, que expressava parte das reivindicações dos camponeses. Assim, as suas lutas juntavam-se às dos trabalhadores urbanos. Estes, por sua vez, no referido ano, realizaram uma das maiores manifestações grevistas da altura. Tratou-se da “greve dos 700.000”, com pleitos que extrapolavam as reivindicações salariais (Leite e Solis, 1978).

Com o movimento sindical como aliado, o governo de Goulart foi cada vez mais sofrendo uma forte oposição dos setores da direita. Desta forma, verificava-se no Brasil uma intensa radicalização, tendo por um lado o Presidente João Goulart aprofundando a opção nacionalista apoiado pelos sindicatos e, por outro lado os setores defensores do denominado modelo de desenvolvimento associado dependente (Cardoso, 1993) com ligações ao capital estrangeiro.

No início de março de 1964, os sindicatos e a Presidência da República organizaram uma grande manifestação, com cerca de 200.000 participantes, no Rio de Janeiro, em defesa das “reformas de base”. Em São Paulo, os opositores do governo realizaram protestos com as “Marchas da Família, com Deus pela Liberdade”, que denunciavam a instauração da “República Sindicalista” no país. Em 31 de março do mesmo ano, um Golpe Civil-Militar depôs o Presidente João Goulart, e o CGT e demais organizações populares foram impedidos de qualquer possibilidade de atuação, com a imediata prisão de seus líderes (Ianni, 1994).

Neste período, caracterizado como de mobilização sindical sob o impulso populista, se por um lado os sindicatos protagonizaram mobilizações, por outro lado, eles terminaram por manter os horizontes da sua atuação circunscritos ao âmbito do projeto político governamental adotado, principalmente a partir de 1950, com o regresso de Getúlio Vargas. Era um projeto iniciado por Vargas em 1930 e intensificado por ele mesmo na segunda Presidência e aprofundado por João Goulart, o que ficou categorizado academicamente como populista (Weffort, 1978; Ianni, 1994), com feição nacional-desenvolvimentista.

O forte apelo ao nacionalismo fez com o populismo brasileiro encontrasse nos sindicatos uma importante base de apoio, mesmo naqueles que estavam sob influência dos comunistas, visto que a tática política destes também apelava para o nacionalismo.