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PANORAMA HISTÓRICO E SOCIOLÓGICO DO SINDICALISMO BRASILEIRO

2.5. ADVENTO DO NOVO SINDICALISMO (1980 EM DIANTE)

Na sucessão de Emílio Garrastazu Médici (1969-1974) assume a Presidência da República Ernesto Geisel (1974-1979), que geriu um governo que já não podia ficar indiferente à senilidade do autoritarismo. Mesmo que setores das Forças Armadas (a chamada “Linha Dura”) exigissem a manutenção, e até o aprofundamento, do caráter autoritário do regime, Geisel foi obrigado a fazer concessões. Sendo assim, seguiu-se,

por exemplo, uma anistia permitindo que todos os oposicionistas exilados regressassem ao Brasil. Dessa maneira, o Presidente Geisel acenava em direção a uma transição que ele próprio qualificou como “lenta, gradual e segura” (Skidmore, 1998: 259).

Ao término de seu mandato, contudo, as manifestações da sociedade exigindo o fim imediato da Ditadura emergiram de forma acelerada e mobilizações públicas desafiavam o Estado repressor. Além do movimento sindical, surgia uma série de movimentos sociais que, por suas reivindicações e dinâmicas, podem ser denominados como Novos Movimentos Sociais. Como sublinhou o sociólogo Emir Sader, novos personagens entravam em cena (Sader, 1988).

O sindicalismo que começa a surgir é diferente do sindicalismo dos períodos anteriores, ou seja, do “velho” sindicalismo, que tinha a classe operária como protagonista central. Este “novo” modelo, o sindicalismo dos professores e dos bancários, por exemplo, rompia com o mero associativismo assistencialista. Este sindicalismo resulta da união de três segmentos: de marxistas oriundos das organizações clandestinas (e críticos dos dois Partidos Comunistas)29; dos partidários da Teologia da Libertação; e de sindicalistas independentes. O reflexo dessa iniciativa pode ser constatado nas palavras da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo, quando de afirma que,

Após 1964, está começando historicamente a 2ª etapa do sindicalismo brasileiro dos tempos de Getúlio ou de Jango, baseado na confiança e expectativa do governo. Hoje está nascendo um novo sindicalismo: sem esperança no governo e sem meios-termos com os patrões. Sindicalismo que vê claro à sua frente o centro do problema: o problema político e a postura da luta de classes. Esse sindicalismo está nascendo, das várias décadas de experiências da classe operária e do movimento sindical. A lição mais importante é: o sindicalismo novo, verdadeiro, tem que nascer de baixo para cima; da fábrica até à organização de várias fábricas em organização de classe: o Sindicato. Precisa ser afirmada a idéia de que o Sindicato é os trabalhadores organizados nas seções, nas fábricas, reunidos com outros trabalhadores para planejar lutas. O Sindicato não pode mais seguir a linha populista. São as massas trabalhadoras que têm de acordar. A

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Na clandestinidade a esquerda viveu um período de intensas discussões e rupturas, “originando pequenas organizações, muitas optando pela luta armada. No caso do Partido Comunista, as divergências sobre a União Soviética (depois da morte de Stálin) fizeram com que o Partido se dividisse antes mesmo do Golpe, passando a existir o PCB e o PC do B” (Leite, 1996: 56).

tarefa da direção é organizar. Animar, sugerir, politizar. E nada adianta forçar a massa a queimar etapas e marchar com passo maior do que suas próprias pernas. Tarefa dura e lenta, mas profunda e duradoura (Giannoti, 1988: 68).

Assim, surge aquilo que foi definido como o Novo Sindicalismo, fazendo uma crítica às experiências passadas e rejeitando as “precipitações vanguardistas” – como aquela encetada pelo Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco –, mas que, ao mesmo tempo, apregoava a intervenção dos trabalhadores, assumia uma dimensão política – própria de um sindicalismo autônomo – que extrapolava a esfera das meras reivindicações corporativas (Antunes, 1991, 1992).

Em fins de 1977 e início de 1978 informações indicavam que o governo tinha manipulado, através de fórmulas matemáticas, os percentuais de reajuste de salários, reduzindo o valor real dos mesmos em 30%. Diante disso, no Estado de São Paulo – especificamente na região conhecida como ABC paulista –, os trabalhadores iniciaram um intenso processo de mobilização, envolvendo milhares de metalúrgicos. Neste processo, emergiu a liderança de Luís Inácio Lula da Silva, o Lula, que, presidindo o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, tornar-se-ia um símbolo do Novo Sindicalismo (Borel, 1986).30

Sobre o movimento grevista o próprio Lula se pronuncia: “o arrocho salarial fez com que a classe trabalhadora brasileira, após muitos anos de repressão, fizesse o que qualquer classe trabalhadora do mundo faria: negar sua força de trabalho às empresas. Era a única forma que os operários tinham de recuperar o padrão salarial, ou melhor, entrar no caminho da recuperação” (In: Antunes, 1979: 83).

As greves sucederam-se nos anos de 1979 e 1980 e, numa radicalização do confronto, o governo reagiu decretando intervenção nos sindicatos grevistas, cassando o mandato dos seus dirigentes, bem como determinando a prisão de lideranças. Todavia,

Os diretores cassados continuavam sendo os verdadeiros líderes do amplo movimento grevista de massas. Souberam conduzi-lo com justeza e maturidade necessárias e condizentes com o grau de desenvolvimento da consciência operária. Realizaram-se dezenas de assembléias populares com 100.000 operários, coisa inédita na história das lutas operárias no Brasil (...) E Lula consolidava sua

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liderança, contando agora com a solidariedade dos sindicatos de todo o país” (Antunes, 1979: 85-86).

A repressão já não tinha os mesmos efeitos de antes. Diante disso, o governo foi obrigado a ceder. O movimento grevista fez “letra morta” da legislação sindical repressiva, rompendo na prática com a Lei antigreve e iniciando uma atuação que visava, no limite, romper com a estrutura sindical atrelada ao Estado.

O início dos anos 80 marca, portanto, a delimitação de um novo período do sindicalismo brasileiro, verificando-se a ascensão de um Novo Sindicalismo que, rejeitando os padrões de atuação anteriores, tem base operária, mas não atribui à classe operária o monopólio das suas perspectivas. Como bem salienta Ricardo Antunes, o Novo Sindicalismo, desde cedo, “deitou suas raízes em quatro expressivas fatias: no operariado industrial, nos trabalhadores rurais, nos funcionários públicos e nos trabalhadores vinculados ao setor de serviços” (Antunes, 1991: 50). Ele nasce como um sindicalismo de massas, onde os líderes – diferentes das cúpulas burocráticas – não substituem os trabalhadores em movimento. São estes que têm um papel ativo na definição dos rumos a serem seguidos pelos sindicatos.

Além do enfoque nas questões que são próprias da intervenção sindical, o Novo Sindicalismo também procura, apresentando-se como uma espécie de amplo guarda- chuva, tomar posição e intervir no que concerne a temas relativos ao cotidiano, a exemplo das questões ecológicas, de gênero, de etnias, etc. E isto ocorria num momento em que se acentuava internacionalmente o declínio do velho sindicalismo, centrado no movimento operário. Com isso, bem como os aspectos que caracterizam o Novo Sindicalismo, este foi apontado como um exemplo de Sindicalismo de Movimento Social (Moody, 1997).

Deste modo, e num contexto de esgotamento da Ditadura Militar, foi que se reconfigurou o sindicalismo brasileiro, em que a esquerda tradicional, tentando conquistar a legalidade, opunha-se ao Novo Sindicalismo31.

Nesse cenário, contrariando as proibições oficiais, a organização sindical se desenvolve e entra na agenda dos sindicalistas a idéia de criação de uma Central Sindical. As divergências, contudo, fizeram surgir duas organizações: Os novos 31

PCB, PC do B e o Movimento Revolucionário 8 de Outubro – MR-8 acusavam os líderes do novo sindicalismo de dividir o movimento sindical e assim terminar por servir à Ditadura, além de, com a “aventura grevista” pôr em perigo a abertura política que se anunciava. As divergências se acentuaram quando surgiu o debate sobre a fundação de uma Central que rompesse com a estrutura sindical oficial e com a fundação do Partido dos Trabalhadores (PT), com o Partido assumindo-se programaticamente como crítico da União Soviética e dos regimes do Leste europeu (Leite, 1996).

sindicalistas do Bloco Autêntico (sindicalistas independentes, esquerdistas e sindicalistas oriundos das oposições sindicais) fundaram a Central Única dos Trabalhadores (CUT), em 1983, e os antigos sindicalistas do Bloco da Unidade Sindical (PCB, MR-832 e PC do B), aliando-se com a burocracia sindical do Ministério do Trabalho, criaram a Coordenação Nacional das Classes Trabalhadoras (CONCLAT) (Leite, 1996).

Em 1985, as mudanças que se tinham iniciado na reconfiguração do universo sindical prosseguiram. Em 1986, a CONCLAT passa a se chamar Central Geral dos Trabalhadores (CGT) e em 1988, essa denominação é alterada para Confederação Geral dos Trabalhadores. Em fins de 1980 e início dos anos 1990, distinguiam-se três projetos no campo do antigo sindicalismo:

O centro era composto por sindicalistas, oriundos do peleguismo tradicional33, mas que buscavam modernizar-se (em nível partidário, em sua maioria, simpatizantes do PMDB) e, para tanto, contavam com uma sólida aliança com setores da esquerda tradicional, em especial do PCB e do MR-8. À esquerda desenvolvia-se a Corrente Sindical Classista, vinculada ao PC do B. E à direita, com muita desenvoltura, e ganhando cada vez mais espaço, a aliança entre Antônio Rogério Magri, influenciado pela direita sindical norte- americana, e o então recém-dissidente do PCB, Luís Antônio de Medeiros, para, garantindo a ação do PCB, derrotar o peleguismo mais atrasado. Medeiros, por fim, numa ação lenta, mas precisa, derrotou tanto Joaquim dos Santos de Andrade [o Joaquinzão] quanto o próprio PCB, com o qual viria a romper” (Antunes, 1991: 61-62).

Na evolução desses acontecimentos, um novo quadro sindical não demorou a se definir. Foi assim que, pela esquerda, os militantes do PC do B (Partido Comunista do Brasil) e parcelas significativas do PCB aderiram à CUT. Ao centro, entre as duas CGTs34, ficou a burocracia sindical tradicional; e à direita, o ex-militante do PCB, Luís Antônio de Medeiros, com o apoio do empresariado e também do governo do

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Movimento Revolucionário 8 de Outubro, fundado em 1966 a partir da dissidência da Guanabara do Partido Comunista Brasileiro, Cf. Arns, 1985.

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Ou seja, ligados ao Ministério do Trabalho.

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No Congresso da CGT em abril/maio de 1989 acontece um racha: a ala de Antônio Rogério Magri sai vitoriosa; não aceitando o resultado, a facção liderada por Joaquinzão, com setores da esquerda tradicional, realiza outro Congresso, onde ele é reeleito presidente da Central Geral dos Trabalhadores. Assim nascem as duas CGTs. (Leite, 1996).

Presidente Fernando Collor de Mello, funda, em 1991, uma nova Central: a Força Sindical, que se situa no âmbito programático dos seus mentores de “sindicalismo de resultados”. E na segunda metade dos anos de 1990, é criada a pouco expressiva Social Democracia Sindical (Antunes, 1991).

É nessa reconfiguração do quadro sindical brasileiro que se consolida o Novo Sindicalismo. A CUT, sua representante, disputando espaço nos anos de 1990 fundamentalmente com a Força Sindical, tornou-se a maior Central do país.

Ao criar a CUT, o Novo Sindicalismo pretendia “estruturar uma central sindical de âmbito nacional capaz de constituir-se em um instrumento decisivo para a ação do trabalho” (Antunes, 1991:49). No entanto, esse Novo Sindicalismo enfrenta alguns impasses. O movimento burocrático ascendente na CUT centrava a tarefa de continuar exercitando com todo vigor um atributo que fez com que ela se consolidasse: a ruptura com o corporativismo. Como conseqüência de tal situação, a Central tem tido dificuldades em esboçar uma perspectiva programática unificada e estratégica que a oriente na conjuntura atual – que cada vez mais desafia a capacidade de atuação dos sindicatos –, e assim delinear um quadro de referência de suas concepções35. Como bem expressa Ricardo Antunes: “a limitação vivenciada pela CUT diz respeito (...) às dificuldades de articulação, de mediação, entre as ações contingenciais, imediatas, e as ações mais gerais, mais abrangentes, que remetem ao universo das formas de relação e entendimento do poder” (Antunes, 1991: 52).

Essa historiografia do movimento sindical operário e a conjuntura a ele relacionada permitirão uma maior compreensão do desenvolvimento dos demais capítulos, de modo que no capítulo seguinte, desenvolve-se a temática específica do sindicalismo docente. Inicialmente, explora-se o contexto de formação deste fenômeno social no Brasil para depois focalizá-lo no Rio de Janeiro.

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Isso não significa que a CUT tenha se deslocado da matriz do Sindicalismo de Movimento Social. O seu empenho em prol do Fórum Social Mundial é uma evidência nesse sentido.

CAPÍTULO 3