PARTE I – AGLOMERAÇÕES DE EMPRESAS: EXTERNALIDADES, AÇÕES CONJUNTAS E VÍNCULOS
Capítulo 2 – Eficiência coletiva e aprendizado local
2.1. Ação conjunta deliberada e eficiência coletiva
Um dos fatores que reforçam a capacidade competitiva dos produtores aglomerados é a
maior possibilidade de estabelecimento de ações conjuntas (joint action) entre eles. Schmitz
(1997a) foi o autor que apontou a importância das ações conjuntas deliberadas, ao observar que
os retornos crescentes de escala são condição necessária, porém não suficiente, para a explicação
da superioridade competitiva das configurações produtivas localizadas.
Nesse contexto, Schmitz (1997a) apresentou o conceito de eficiência coletiva, que abarca
dois elementos que são verificados no âmbito dos sistemas produtivos localizados e reforçam a
competitividade dos produtores: as economias externas puramente incidentais e as ações
conjuntas deliberadas. Isto é, eficiência coletiva é definida como a vantagem competitiva dos
produtores locais derivada das economias externas locais e da ação conjunta dos agentes.
O conceito de eficiência coletiva responde à insuficiência da análise dos clusters, e das
explicações da concentração geográfica dos produtores, baseada apenas na possibilidade de
apropriação de economias externas locais. O conceito, nesse sentido, incorpora a noção de que,
em aglomerações de empresas, a ação conjunta deliberada dos agentes também exerce papel
fundamental na análise. Podem ser listadas algumas formas de ações conjuntas tipicamente
utilizadas em aglomerações setoriais (Quadro 2.1).
QUADRO 2.1 – Formas de ações conjuntas em clusters de empresas
BILATERAIS MULTILATERAIS HORIZONTAIS • TROCA DE EQUIPAMENTOS E
INFORMAÇÕES
• ASSOCIAÇÕES DE PRODUTORES
VERTICAIS • RELAÇÕES USUÁRIO- PRODUTOR
• ALIANÇAS AO LONGO DA CADEIA PRODUTIVA
Fonte: Schmitz, 1997a.
Essa possibilidade de estabelecimento de ações conjuntas dentro do cluster pode exercer
papel fundamental na determinação da sua eficiência coletiva. Rabellotti (1997) fez uma análise
comparativa entre dois casos de aglomeração de empresas calçadistas, localizados
respectivamente na Itália e no México. Segundo a autora, as economias externas incidentais
podiam ser percebidas em ambas as regiões, mas o desempenho competitivo superior da
indústria calçadista italiana devia-se justamente pela maior capacidade dos produtores locais em
estabelecer ações e tarefas compartilhadas entre os diversos agentes. No caso específico da
indústria italiana, as formas de relacionamento entre os fornecedores de insumos e máquinas e os
produtores especializados, muitos de pequeno e médio porte, apontavam para um elevado grau
de cooperação, capaz de promover vantagens competitivas importantes para os produtores
participantes do processo.
Com base em experiências como essas, Schmitz (1997a) observou que a eficiência
coletiva pode ocorrer de forma planejada ou não-planejada. A eficiência coletiva não-planejada
ocorre quando a vantagem competitiva dos produtores concentrados é marcada somente pelas
externalidades positivas específicas ao âmbito local. A eficiência coletiva planejada ocorre
quando, além dos ganhos relativos às economias externas, a competitividade dos produtores é
reforçada por ações conjuntas estabelecidas entre eles e pela atuação dos organismos locais
públicos e privados.
Outro exemplo bastante interessante de ação conjunta, que proporcionou ao menos por
um momento eficiência coletiva planejada na indústria calçadista, é o caso brasileiro do Vale do
Sinos, no estado do Rio Grande do Sul. Como apontaram autores como Schmitz (1995) e Garcia
(1996), a principal causa da expansão das exportações da indústria calçadista brasileira aos
Estados Unidos em fins dos anos 60 e início dos 70 foi uma ação conjunta estabelecida pelos
produtores domésticos, em especial os do cluster do Vale do Sinos.
Naquele momento, em razão da oportunidade de atendimento do mercado de calçados
dos Estados Unidos, os produtores locais convidaram e trouxeram ao Brasil estilistas, repórteres
de revistas especializadas e compradores internacionais de calçados. Na ocasião, os diversos
agentes externos participaram de uma feira local de negócios especializada na comercialização
de calçados, a FENAC – Feira Nacional de Calçados, e depois disso passaram a fazer
encomendas sistemáticas aos produtores locais. Em seguida, os agentes externos estabeleceram
escritórios de exportação no Brasil, que passou a ser um dos principais fornecedores de calçados
para aquele país, proporcionando um avanço significativo para a indústria local
20.
Os fatores que são comumente apontados como responsáveis pelos ganhos de eficiência
coletiva em clusters de empresas podem ser relacionados aos seguintes aspectos: o maior escopo
para a divisão do trabalho entre os produtores, dadas as facilidades proporcionadas pela
proximidade geográfica; a emergência de fornecedores de matéria-prima, de maquinário novo ou
usado e de peças para reposição; a troca de informações técnicas ou de mercado entre as firmas
locais; a emergência de centros especializados de prestação de serviços; a formação de um
contingente de trabalhadores com capacidades específicas ao âmbito local e o estabelecimento de
consórcios de empresas para realização de algumas tarefas específicas.
Assim, é possível perceber que podem ser encontrados tanto elementos que representam
tipicamente externalidades positivas que são apropriadas pelas empresas, como formas de ação
20 Para se ter uma idéia da importância desse movimento da indústria calçadista brasileira, basta verificar o
crescimento das exportações desse produto, que em cinco anos passou de US$ 450 mil (cerca de 400.000 pares de calçados) em 1968 para US$ 93 milhões (22 milhões de pares) em 1973 (dados da Abicalçados – Associação Brasileira da Indústria de Calçados).