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PARTE II – A INDÚSTRIA BRASILEIRA DE CALÇADOS: AGLOMERAÇÕES DE PRODUTORES E

Capítulo 5 – Eficiência coletiva nas aglomerações de empresas de calçados na economia brasileira

6.4. Uma experiência internacional: a indústria italiana de calçados

Um caso interessante que ilustra a investigação apresentada, inclusive porque permite a comparação com a experiência brasileira, é o da indústria calçadista italiana. A estrutura industrial do setor na Itália apresenta algumas características semelhantes às verificadas no caso brasileiro.

Primeiro, a estrutura produtiva do setor aponta para a existência de algumas regiões especializadas na fabricação de calçados que contam, inclusive, com a presença de indústrias correlatas e de apoio extremamente competitivas. Assim como no caso brasileiro, a indústria calçadista italiana apresenta algumas aglomerações importantes de empresas do setor. Alguns dos casos mais conhecidos são as regiões de Motebelluna, Brenta e Marche, todos na região conhecida como Terceira Itália.

Segundo, mais uma vez a exemplo da experiência brasileira, nas aglomerações italianas verifica-se a presença de uma expressiva indústria de componentes para calçados e de fabricantes de máquinas e equipamentos para o setor. Essa é uma das vantagens competitivas mais importantes da indústria calçadista italiana, dado que esses setores correlatos são capazes de prestar serviços diferenciados e fornecer insumos e equipamentos que contribuem decisivamente para o incremento da competitividade dos produtores100.

Outra característica é que a indústria italiana de calçados também tem, como visto nos itens anteriores, participação importante nas cadeias produtivas globais do setor, dada a elevada participação dos produtores nos

100 O exemplo dado por Porter (1990) da importância das indústrias correlatas e de apoio é justamente o da

aglomeração de empresas calçadistas de Montebelluna, na Itália. Rabellotti (1995; 1997) e Schmitz e Knorringa (2000) também ressaltaram a importância da indústria de componentes para calçados para a competitividade do calçado italiano no mercado internacional.

grandes mercados internacionais. Mas o principal elemento distintivo da participação das empresas italianas no mercado internacional é, como apontado, a posição mais elevada que ocupam na escala de produtos, atuando em um segmento em que os requisitos de preço são menos importantes do que os outros atributos do produto ligados à diferenciação. Nesse sentido, a indústria italiana se destaca no mercado internacional pela sua capacidade inovativa em termos de desenvolvimento de produto e design e recebe um prêmio por esse esforço na forma de preços mais elevados, que são pagos pelos compradores (ver figura 6.1).

Por causa dessas características, a baixa participação da indústria calçadista italiana no volume exportado é compensada por um preço médio substancialmente mais elevado do que seus principais concorrentes, entre eles o Brasil (ver tabela 6.1). Isso permite que os produtores italianos ocupem uma posição privilegiada na cadeia produtiva global do setor. Não que a indústria italiana deixe de estar sujeita aos interesses do capital comercial internacional, que é representado pelos grandes compradores de calçados. Porém, a diferenciação elevada do calçado italiano faz com que os compradores aceitem pagar um prêmio pelos esforços inovativos dos produtores, especialmente em termos do desenvolvimento de produto e design e pelo elevado padrão de qualidade.

Uma das razões dessa inserção diferenciada no mercado internacional é a competitividade das indústrias correlatas e de apoio. Como apontou Rabellotti (1997), a aglomeração das empresas calçadistas e seus fornecedores faz com que eles mantenham interações constantes, com efeitos positivos para a competitividade de todo o sistema. Outra característica da estrutura produtiva do setor calçadista italiano é a elevada desverticalização das empresas, que são especializadas em uma determinada tarefa do processo produtivo, compram insumos de agentes especializados e subcontratam as fases mais intensivas em mão-de-obra.

A utilização do recurso à subcontratação é uma estratégia bastante utilizada pelas empresas, especialmente nas etapas mais intensivas em mão-de-obra. É verdade que a prática da subcontratação tem o efeito de tornar os produtores mais especializados. Todavia, um levantamento realizado por Rabellotti (1997) apontou que 72% das firmas entrevistadas (de um total de 50 produtores de calçados) declararam que uma das principais razões para a decisão de descentralização do processo produtivo foi a redução dos custos de produção. A segunda razão, apontada por 54% dos entrevistados, foi o aumento da flexibilidade. No caso italiano, portanto, também são fundamentais os ganhos de competitividade espúria, decorrentes da evasão de impostos e do aumento da exploração da mão-de-obra. Além disso, a autora também identificou empresas que subcontratam essas etapas do processo de produção em outros países europeus, que apresentam custos salariais mais reduzidos.

Já na área da comercialização, no entanto, os produtores italianos, aglomerados nas regiões mencionadas, estabeleceram uma ação conjunta bastante interessante. Foram criados pelos produtores consórcios de exportação, com o objetivo de promover os produtos domésticos no mercado internacional e, por vezes, de vender diretamente os calçados de seus associados. De todo modo, de acordo com a avaliação de Rabellotti (1997), a indústria calçadista italiana ainda carece de uma política mais agressiva de promoção de vendas no mercado internacional.

Outro ponto forte da indústria calçadista italiana, que lhe confere vantagens competitivas importantes, é o papel dos organismos de prestação de serviços aos produtores. Nos casos específicos de Brenta e Marche, que foram

investigados por Rabellotti (1997), os principais organismos são as associações locais de produtores que fornecem diversos serviços a seus membros e possuem um papel importante na promoção do setor. Porém, foi notada também uma certa importância do setor público local no apoio à atividade de fabricação de calçados.

No caso específico da região de Brenta, a associação local dos produtores, estabelecida há mais de 30 anos, tem pautado sua atuação por meio do suporte a iniciativas como a formação de consórcios de exportação e a manutenção de um centro de assistência tecnológica e treinamento101. Já na região de Marche, a associação dos

produtores, além dos serviços tradicionais de assistência aos produtores, estabeleceu, na primeira metade dos anos 90, um centro especializado que oferece serviços nas áreas tecnológica e de treinamento, informações de tendências de moda e outras atividades de promoção dos produtores locais102.

Esses exemplos permitem compreender quais os elementos que sustentam a inserção diferenciada da indústria calçadista italiana no mercado internacional. A primeira dessas características é, como no caso brasileiro, a existência de aglomerações de empresas. Segundo, além das externalidades incidentais como a existência de mão- de-obra especializada e a presença de fornecedores especializados, a experiência italiana mostra a importância das ações conjuntas deliberadas nesse processo. Isso porque tal inserção é sustentada, entre outros motivos, por fortes interações usuário-produtor e pelo papel decisivo dos organismos de prestação de serviços às empresas, papel assumido pelas associações locais de produtores.

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