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PARTE I – AGLOMERAÇÕES DE EMPRESAS: EXTERNALIDADES, AÇÕES CONJUNTAS E VÍNCULOS

Capítulo 2 – Eficiência coletiva e aprendizado local

2.5. A abordagem da economia regional

2.5.2. A Geografia Econômica

Outros que também se ocuparam da importância das aglomerações de empresas, seguindo

em partes a tradição de Perroux e Hirschman, foram alguns autores ligados à Geografia

Econômica, como Storper e Harrison (1991), Benko e Lipietz (1994), Amin e Robins (1994)

Saxenian (1994), Markussen (1995) e Scott (1998). O grande mérito desses autores foi ter

incorporado à discussão de economia regional e de geografia econômica elementos que auxiliam

na compreensão das vantagens competitivas da concentração de produtores.

Alguns deles, como no caso específico de Amin e Robins (1994), apresentam críticas

profundas a respeito da “sobreutilização” do conceito de sistemas locais e dos exageros que

foram cometidos por alguns

38

. Outros autores utilizam-se do pressuposto de que os fatores

locacionais são importantes para a definição das vantagens competitivas dos produtores

aglomerados, para basear estudos empíricos de experiências exitosas

39

.

Na verdade, os estudos de aglomerações de empresas, analisados sob a ótica da geografia

econômica, costumam enfatizar os fatores locacionais que influenciam a concentração dos

produtores, analisando as forças que contribuíram para a atração das empresas e os impactos

sobre a estrutura produtiva local. O ponto de partida dessa abordagem, assim como de outros

autores que analisaram esse fenômeno, é o reconhecimento da importância das economias

externas locais para os produtores aglomerados. Scott (1998), por exemplo, chama a atenção

para a importância da “atmosfera industrial”, como proposto por Marshall, para a

competitividade dos produtores especializados, já que ela se manifesta na possibilidade de

apropriação de economias externas à firma e tem o efeito de facilitar os processos de interação

entre as empresas.

Assim, a partir de Marshall, os autores utilizam-se da literatura que tratou dos distritos

industriais italianos nos anos 80, ressaltando as principais diferenças entre as duas abordagens.

Nesse sentido, são recuperados autores como Brusco (1982) e Beccattini (1990), em uma

tentativa clara de incorporar novos elementos conceituais que auxiliem na compreensão da

competitividade desses espaços econômicos em que se verificam firmas aglomeradas. Com base

na experiência italiana dos distritos industriais, os autores passaram a investigar empírica e

conceitualmente os fatores locacionais determinantes das vantagens competitivas das estruturas

localizadas.

Porém, como apontou Markussen (1995) a diferença substancial entre os distritos

industriais marshallianos do final do século XIX e os italianos do período recente é que, na

experiência italiana, percebe-se a importância do estabelecimento de ações conjuntas deliberadas

entre os diversos produtores especializados e concentrados. No caso dos distritos ingleses do

final do século XIX, a competitividade dos produtores estava mais associada às externalidades

positivas geradas pela aglomeração.

38 Na verdade, a crítica de Amin e Robins foi endereçada especificamente ao conceito de especialização flexível

apresentado por Piore e Sabel (1984).

39 Entre os diversos estudos empíricos que foram realizados sob essa abordagem, pode-se citar o de Saxenian

Todavia, a despeito da importância da recuperação dos pressupostos dos distritos

industriais marshallianos, e a versão contemporânea da Terceira Itália, os autores não

restringiram a análise a experiências com essas características. Isso significa que os estudos,

empíricos ou conceituais, admitiram a insuficiência da abordagem dos distritos industriais para a

investigação das diversas experiências de aglomeração de produtores. Markussen (1995),

inclusive, procurou avançar no sentido de apresentar uma morfologia de redes locais de

empresas, partindo das principais diferenças que marcam cada uma das diversas experiências

empíricas. Na verdade, o pressuposto da análise da autora é que o caso dos distritos industriais é

insuficiente para a abarcar um extenso conjunto de experiências em que a aglomeração dos

produtores exerça um papel importante.

Em sua taxonomia, a autora identificou quatro “espaços industriais” distintos, que se

configuram como “áreas de atração” (sticky places), mas não se restringem aos pressupostos dos

distritos industriais marshallianos. O primeiro tipo são justamente os distritos industriais

marshallianos, com ênfase a que a autora chama de “vertente italiana”, em que a organização se

dá pela organização das pequenas e médias empresas que colaboram entre si. O segundo tipo são

os distritos “centro-radial”, em que a estrutura regional articula-se em torno de uma grande

empresa coordenadora do processo. O terceiro tipo é a “plataforma industrial satélite”, verificada

tanto em setores de alta tecnologia como em espaços marcados pelos baixos salários ou

incentivos governamentais, em que se destaca a presença de filiais de firmas multinacionais. Por

fim, o quarto tipo são os distritos “sustentados pelo Estado”, especialmente sob a forma de gastos

militares elevados.

Nesse sentido, o reconhecimento da diversidade das experiências leva à conclusão que

essas áreas de atração são produto complexo de múltiplas forças, como estratégias empresariais,

estruturas produtivas, políticas empenhadas nos níveis federal e local, entre outros fatores. Além

disso, vale ressaltar que esse sucesso não está associado exclusivamente a fatores e fenômenos

locais, já que estão inseridos em contextos mais amplos como os âmbitos federal e, em última

instância, global.

Um ponto importante a ser ressaltado é que os autores ligados à geografia econômica

partem do reconhecimento da importância das economias externas geradas espontaneamente pela

aglomeração dos produtores. Porém, ressaltam, como faz Scott (1998), que o desenvolvimento

dos clusters está associado com as vantagens competitivas que são criadas social e politicamente,

e não apenas pelas vantagens “naturais” da região. Entre as vantagens que são socialmente

criadas, é possível citar a redução do custo do intercâmbio interindustrial, a aceleração da

circulação de informações e de capital dentro do sistema e o reforço das formas de transação

baseadas em modelos de solidariedade industrial, por meio da intensificação das condições que

caracterizam a “atmosfera industrial”. Assim, a aglomeração das empresas geralmente facilita a

construção social dos ativos específicos locais, como confiança mútua, entendimentos tácitos,

efeitos de aprendizado, linguagem própria e comum, transmissão de conhecimentos, entre outros.

Como se pode perceber, neste ponto, há uma forte convergência entre a abordagem dos

autores ligados à geografia econômica e os de organização industrial. Pode-se, por exemplo,

notar diversos pontos importantes em comum entre as análises de Scott (1998) e Schmitz (1997),

que vão desde o reconhecimento da importância das economias externas locais até a ênfase dada

às formas de vantagem competitiva baseadas em construções sociais específicas e na confiança

que os agentes depositam em seus pares.

No que se refere às razões e aos condicionantes da localização dos clusters, os autores

utilizam a noção de dependente da trajetória (path-dependency). Em primeiro lugar, é preciso

ressaltar, como fazem David (1985) e Arthur (1990), que fatores exclusivamente econômicos são

incapazes de determinar a estrutura localizada de uma indústria, que devem ser vistos

simplesmente como “acidentes históricos” (historical accidents). Scott (1998) utiliza a expressão

“footloose ventures” para expressar as condições que cercam o advento de uma indústria em uma

região qualquer, que foi capaz de gerar uma aglomeração de empresas. A partir daí, a trajetória

de desenvolvimento da aglomeração dos produtores é função de um processo dependente da

trajetória (path-dependent), em que se destacam os processos de evolução e ajustamento

baseados nas economias externas locais. Esses processos, por sinal, geram efeitos de

trancamento (lock-in effects) sobre a estrutura produtiva local

40

.

Por fim, outro ponto importante que é apontado por Scott (1998) são as implicações de

política apresentadas a essas estruturas produtivas localizadas. Mais especificamente é feita

referência às possibilidades das políticas de desenvolvimento regional, partindo do pressuposto

40 Mais uma vez, percebe-se a convergência com autores de organização industrial, que se utilizam de “fatos

de que os governos podem exercer papel importante no auxílio à melhoria das condições

competitivas dos produtores aglomerados. Assume-se implicitamente a existência e a

importância de externalidades de caráter não incidental, dadas as interações entre os agentes e o

papel do setor público.

O papel das políticas públicas está associado à melhoria das condições de infra-estrutura

institucional, devendo estar fortemente voltado à solução de problemas específicos dos

produtores. Na verdade, parte-se do pressuposto de que a conformação das aglomerações de

empresas está ligada à existência de mecanismos extramercado, que se manifestam pela presença

de instituições e normas sociais, no sentido apresentado por North (1990). Por esse motivo,

reconhece-se a importância da criação de formas de apoio aos produtores, que devem ser

específicas às características da estrutura produtiva local e aos procedimentos e rotinas dos

agentes. Nesse sentido, são citadas três principais áreas de atuação do setor público, que devem

incluir a participação de governos locais, associações de classe e organismos de prestação de

serviços (Scott, 1998).

A primeira frente é a provisão de serviços e insumos-chave, especialmente em áreas em

que as empresas tenham mais dificuldades de acesso, como atividades de pesquisa e treinamento

de mão-de-obra até a provisão de informações técnicas e de mercado. Devem ser identificadas as

áreas críticas para o conjunto dos produtores, seja porque há uma tendência a investir uma

quantidade menor que a necessária para a manutenção dos serviços, seja porque se configuram

como necessidades básicas das empresas do cluster. A experiência das aglomerações da Terceira

Itália são repletas de exemplos da importância do suporte do setor público na provisão de

serviços e insumos-chave aos produtores.

A segunda área de atuação das políticas públicas é a cooperação entre as empresas

aglomeradas, que pode exercer papel importante em tornar mais eficientes as transações entre os

agentes. Muitas vezes essa cooperação é passível de restrições das empresas, já que envolve a

perda de parte da autonomia da firma individual. Nesse sentido, a formação de consórcios de

empresas e de parcerias público-privadas pode representar ações importantes de estímulo a essa

forma de colaboração entre os agentes.

A terceira área é a formação de fóruns de ação estratégica, no sentido que o conjunto das

firmas seja capaz de definir coletivamente estratégias comuns de atuação. Um exemplo dessa

forma de atuação é o estabelecimento e o registro de marcas comuns entre os produtores e até

mesmo a formação de conselhos de desenvolvimento regional, com o intuito de promover um

debate mais amplo sobre as estratégias de desenvolvimento de longo prazo. Vê-se que, nessa

área, a presença de instituições específicas ao ambiente local, como associações empresariais,

sindicatos ou organizações de trabalhadores, instituições financeiras e órgãos públicos, exerce

papel fundamental para que tais ações possam ser implementadas com relativo sucesso

41

.

Por último, é preciso ressaltar que, por causa das assimetrias verificadas entre os

produtores locais, os benefícios de eventuais esforços de políticas públicas locais são

apropriados de modo distinto entre os diversos participantes do sistema. Porém, como a análise

de Perroux (1955) mostra, a existência de forças endógenas ao cluster que impulsionam o

crescimento econômico faz com que todo o sistema se beneficie, mesmo que de modo

assimétrico, de eventual desenvolvimento da aglomeração dos produtores.

Além do mais, o reconhecimento das possibilidades de geração de externalidades por

meio de ações conjuntas deliberadas justifica a importância das formas de apoio e suporte do

setor público voltadas à solução de problemas específicos dos produtores localizados.

Capítulo 3 – A organização da cadeia produtiva e a inserção das

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