• Nenhum resultado encontrado

PARTE I – AGLOMERAÇÕES DE EMPRESAS: EXTERNALIDADES, AÇÕES CONJUNTAS E VÍNCULOS

Capítulo 2 – Eficiência coletiva e aprendizado local

2.4. Organismos e instituições locais

Outro elemento que deve ser incorporado à investigação das vantagens competitivas dos

clusters de empresas é a existência de instituições e organismos locais. Na verdade, seu papel

deve ser ressaltado porque contribuem decisivamente para o reforço dos elementos que

32 O caso citado por Belussi e Arcangeli (1998) para exemplificar aglomerações com essas características foi a

região italiana de Montebelluna, grande produtora de calçados esportivos extremamente especializados (botas para esportes de inverno).

justificam a importância da concentração geográfica e setorial no processo de geração de

vantagens concorrenciais.

São diversos os autores, como Nelson e Winter (182), North (1990), Dosi e Egidi (1991),

Johnson (1992), Nadvi e Schmitz (1994), Edquist e Johnson (1997), entre outros, que

observaram a importância das instituições no processo de geração de vantagens concorrenciais

entre os produtores. Nesse sentido, as instituições são definidas como um conjunto de hábitos

comuns, rotinas, práticas, regras e leis que regulam as relações e interações entre indivíduos e

grupos.

Um ponto importante assinalado por Edquist e Johnson (1997) é a necessidade de

estabelecimento de uma distinção mais clara entre organismos e instituições. Os organismos são

estruturas formais, conscientemente criadas, que possuem propósitos claros, explícitos e

específicos. Assim, os principais organismos que contribuem para a competitividade das

empresas aglomeradas são algumas organizações específicas, como centros de treinamento de

mão-de-obra, organismos de pesquisa e prestação de serviços aos produtores tanto na área

técnica quanto organizacional. Esses organismos exercem um papel importante porque dão

acesso às empresas a tarefas que elas não seriam capazes de adquirir se estivessem atuando

isoladamente.

Um exemplo bastante interessante do papel desses organismos é o do CITER – Centro

Informazione Tessile Emilia Romagna, que é voltado à prestação de serviços reais aos produtores

da cadeia têxtil-vestuário da região de Modena, na Itália. Por meio de um sistema compartilhado

de contribuições mensais de acordo com o porte das empresas associadas, o CITER produz

informações técnicas e de mercado que são repassadas ao conjunto dos produtores. Nota-se que a

presença desse organismo exerce papel fundamental para a geração de vantagens concorrenciais

para os produtores locais

33

.

33 Os serviços mais importantes oferecidos pelo CITER ao conjunto das firmas são os seguintes: publicação de uma

revista especializada nas tendências de mercado, que divulga dados referentes à participação de mercado, fluxos de importação e exportação, atividade econômica, entre outros; coleta de informações a respeito da disponibilidade de matéria-prima no mercado nacional e internacional e seus respectivos preços; compilação de dados disponíveis na literatura internacional sobre os maquinários utilizados pela indústria, que servem de base para a publicação de notas técnicas comparativas entre as características dessas máquinas; publicação, com cerca de seis meses de antecedência, das tendências da moda, mediante contatos com grandes redes de lojas de departamentos e com companhias de pesquisa sociodemográficas italianas e européias; entre outros (Schmitz e Musyck, 1994).

Além dos organismos de prestação de serviços, as instituições locais também têm papel

importante para os produtores locais. Porém, ao contrário dos organismos que são

conscientemente criados, as instituições são desenvolvidas espontaneamente, no bojo das

relações mantidas entre os diversos agentes participantes do sistema. Isso confere às instituições

um forte caráter específico, já que surgem em consonância com o funcionamento do sistema

local.

Também é preciso chamar a atenção para a distinção entre as instituições formais, que

são as leis, patentes e regulamentações governamentais, definidas geralmente no âmbito

nacional. Já as instituições informais emanam do funcionamento e da organização próprios da

sociedade, como costumes, tradições, regras sociais, práticas e normas de conduta. Muitas vezes

a presença de densas instituições informais faz com que os agentes locais estabeleçam entre si

uma forte identificação sociocultural, o que facilita e estimula a manutenção de interações entre

eles.

São três as funções básicas das instituições. Primeiro, como já haviam apontado autores

como Nelson e Winter (1982) e North (1990), as instituições têm o poder de reduzir a incerteza

inerente ao processo de tomada de decisões no sistema capitalista e, mais especificamente,

quanto aos procedimentos básicos dos outros agentes envolvidos. Nesse sentido, a presença das

instituições permite aos agentes tomadores de decisão prever, com algum grau de segurança, o

comportamento médio de outros agentes, reduzindo a quantidade de informações necessárias à

concretização do processo. Outro fator importante é que a presença das instituições inibe a

adoção de comportamentos oportunistas por parte dos agentes.

Segundo, as instituições têm um papel fundamental na administração de conflitos, agindo

no sentido de regular e controlar as formas de interação entre os agentes. Essa função é revestida

de suma importância porque sem a presença das instituições para exercer tal papel seria grande a

dificuldade em estabelecer regras de funcionamento da sociedade e das interações entre os

agentes. No caso da investigação das aglomerações de empresas, tal prática é primordial, já que é

muito comum o estabelecimento de contratos baseados na confiança que os agentes possuem em

seus pares.

A terceira função é prover um sistema de incentivos ou, reproduzindo um termo utilizado

por Edquist e Johnson (1997), especificar e implementar “estímulos e punições” (stick and

carrots) entre os agentes econômicos. Essa função é particularmente importante para a

conformação do processo de geração de vantagens concorrenciais, já que os agentes percebem de

forma diferenciada os diversos incentivos associados aos processos de aprendizado.

Portanto, a noção de que as instituições têm um papel importante na regulação do sistema

decorre do fato de que o processo de geração de vantagens concorrenciais é um processo

intrinsecamente social, coletivo e de aprendizado interativo, já que pressupõe diversas formas de

inter-relação entre os diversos agentes envolvidos. Nesse contexto, as instituições, formais ou

informais, exercem o importante papel de estabelecer mecanismos próprios e específicos de

regulação das relações entre os agentes aglomerados, reduzindo a incerteza do ambiente

especialmente no que se refere ao processo de tomada de decisão dentro da firma.

Na investigação dos sistemas produtivos locais, portanto, o papel dos organismos e

instituições locais deve ser destacado, já que esses elementos têm a função de dar suporte às

atividades produtivas entre as empresas do cluster. Aliás, um dos elementos que devem ser

verificados em estudos empíricos de aglomerações de empresas é justamente a existência e o

papel exercido pelos organismos de prestação de serviços aos produtores e as instituições

formais e informais.

As instituições informais podem ser tomadas como exemplo; no caso das aglomerações

de produtores destaque especial deve ser dispensado à importância das instituições informais

como costumes, tradições, práticas e normas de conduta, já que elas se originam no

funcionamento próprio da sociedade e, por esse motivo, guardam forte conteúdo local.

Diversos autores ressaltaram o papel das instituições informais. Nadvi e Schmitz (1994)

observaram a importância de uma certa identidade sociocultural entre os agentes dentro dos

clusters. Essa identidade sociocultural estimula a interação entre os agentes já que facilita o

processo de circulação de informações dentro do âmbito local. Lundvall (1988) também chamou

atenção para o fato de que a proximidade cultural e a língua comum são fatores que estimulam o

processo de aprendizado interativo entre as empresas. Nesse sentido, a presença de instituições

informais específicas aos clusters pode facilitar e estimular a circulação de informações técnicas

e de mercado entre as empresas, exercendo papel fundamental na criação de um ambiente

propício à difusão de inovações e à construção de vantagens competitivas.

Apesar do destaque que deve ser dado ao conteúdo local das instituições informais, não

se pode deixar ainda de ressaltar a importância das instituições formais, como o sistema legal e o

arcabouço institucional de incentivos à atividade produtiva. Todavia, ao contrário das

instituições informais, que emanam das especificidades do ambiente local, as instituições formais

são geralmente definidas no âmbito nacional, o que revela a importância dos efeitos das

políticas, macroeconômica e industrial, definidas de forma centralizada para a definição e

manutenção das vantagens competitivas dos produtores localizados.

A experiência brasileira de alguns dos segmentos do complexo eletrônico no Brasil

denota justamente esse processo, já que a formação e o desenvolvimento desses setores na

economia brasileira estiveram historicamente associados à existência de um forte e extenso

arcabouço institucional de incentivos, que foi definido de forma centralizada pelo governo

federal. Esse fato revela que a dimensão nacional, em especial no que tange à construção de um

arcabouço institucional de incentivos à atividade produtiva, também exerce papel importante

para a construção da competitividade dos arranjos locais.

Dois exemplos parecem corroborar a importância dos efeitos do arcabouço institucional

de incentivos no âmbito federal sobre a dinâmica e a competitividade de sistemas produtivos

localizados da indústria eletrônica brasileira. Na verdade, esses dois casos mostram que políticas

industriais de caráter localizado podem ter seus efeitos neutralizados se não estiverem

sustentadas e apoiadas em instrumentos de políticas centralizadas no âmbito federal.

O primeiro caso é o da Zona Franca de Manaus, que concentra parte importante das

empresas que atuam no setor de eletrônica de consumo no Brasil. A concentração geográfica e

setorial de produtores exerce alguns efeitos importantes no que se refere às interações que

ocorrem entre os agentes

34

. Todavia, o principal elemento que define a vantagem competitiva das

empresas da região, e justifica as decisões de localização de suas plantas, é a possibilidade de

gozar de benefícios fiscais, representados até recentemente pela Lei no. 8248/91, conhecida

como Lei da Informática. Assim, eventuais benefícios associados à concentração geográfica e

setorial das empresas têm claramente papel secundário (Baptista, 1993; Andrade, 1999).

34 Como observou Andrade (1999), na Zona Franca de Manaus verifica-se uma extensa “rede” de relações informais

entre os agentes, já que os principais executivos e engenheiros das empresas locais encontram-se freqüentemente até em ocasiões sociais, o que faz com que seja estabelecida uma certa relação de confiança entre eles, que se estende para o âmbito das empresas.

O outro caso importante é o do arranjo produtivo de Campinas, interior do estado de São

Paulo (ver Garcia, 2000a). Essa região ganhou destaque no cenário nacional porque concentra

parte importante das empresas e das capacidades produtivas de equipamentos para

telecomunicações e informática, conformando o denominado “pólo tecnológico de Campinas”. A

formação e o desenvolvimento do sistema produtivo local esteve fortemente associado a um

sistema de incentivos definidos no âmbito do governo federal, tanto pela existência de

organismos de pesquisa na área de ciência e tecnologia como por meio da política de compras do

sistema Telebrás. Com a desestruturação desse arcabouço institucional, as capacitações

acumuladas pelos agentes locais foram rapidamente desperdiçadas ou absorvidas por empresas

internacionais que ingressaram no sistema produtivo local.

Outro elemento que deve ser ressaltado é a existência de organismos de prestação de

serviços reais às empresas aglomeradas, tanto na área técnica e de pesquisa científica e

tecnológica como gerencial e de mercado. Esses organismos também emergem das demandas

específicas dos produtores locais e são responsáveis pela prestação de serviços que não estariam

disponíveis se as empresas estivessem atuando isoladamente. A presença desses organismos de

prestação de serviços reveste-se de importância ainda maior se for verificada entre os produtores

locais grande quantidade de empresas de pequeno e médio porte, cuja dificuldade de acesso a

esses serviços é ainda mais elevada.

Dentre esses organismos, devem ser destacados os institutos de pesquisa na área de

ciência e tecnologia e as universidades. São diversos os casos apontados na literatura em que

esses organismos tiveram papel fundamental no processo de desenvolvimento desses arranjos,

inclusive com a ocorrência de spin-offs da universidade para as empresas locais. Saxenian

(1994), por exemplo, aponta que esses organismos foram fundamentais para o êxito do Vale do

Silício nos Estados Unidos e para o desenvolvimento de setores ligados à indústria de

informática.

No caso do Brasil, novamente utilizando o caso do arranjo produtivo da cidade de

Campinas, interior do estado de São Paulo, esses organismos foram fundamentais para a

formação e para o desenvolvimento de capacitações locais. A presença de organismos como as

universidades locais e alguns institutos de pesquisa na área de ciência e tecnologia foi capaz de

produzir avanços tecnológicos bastante significativos especialmente na área de informática e

equipamentos para telecomunicações

35

(Garcia, 2000a; Diniz e Razavi, 1995).

Nesse sentido, o papel e a importância das instituições e organismos locais é fundamental

na análise da competitividade dos clusters de empresas. Esses elementos representam um suporte

imprescindível ao processo de construção de vantagens competitivas para as empresas

aglomeradas.

Documentos relacionados