PARTE I – AGLOMERAÇÕES DE EMPRESAS: EXTERNALIDADES, AÇÕES CONJUNTAS E VÍNCULOS
Capítulo 3 – A organização da cadeia produtiva e a inserção das aglomerações de produtores
3.3. Aglomerações de empresas no contexto global
Como foi apontado, uma das insuficiências mais importantes da análise dos clusters é a
ausência de uma discussão mais aprofundada da inserção das aglomerações de empresas em um
contexto mais geral, que ultrapasse os limites internos ao cluster. Essa insuficiência, aliás, tem
sido verificada tanto em trabalhos teórico-conceituais sobre o tema como, em especial, em
pesquisas empíricas e estudos de caso.
Na verdade, as análises de aglomerações de empresas têm se concentrado nos elementos
endógenos ao cluster, capazes de conferir vantagens competitivas aos produtores aglomerados.
As diversas agendas de pesquisa (ver, por exemplo, Nadvi e Schmitz, 1994 e Altenburg e Meyer-
Stamer, 1999) que foram apresentadas, trouxeram uma espécie de check-list de pontos que
deveriam orientar as investigações empíricas e estudos de caso. Porém, nessas agendas pouca
atenção foi dispensada a uma investigação que incorporasse os vínculos externos dos produtores
locais e a sua inserção em um contexto mais amplo.
Markussen (1995) foi uma das autoras que chamou a atenção para esse ponto. Segundo a
autora, percebe-se a ausência, nos estudos empíricos que usualmente são elaborados sobre os
pressupostos das aglomerações de empresas, de considerações mais significativas sobre a
inserção desses casos em um contexto mais amplo, especialmente no que se refere à sua posição
em cadeias produtivas globais. Esse ponto reveste-se de fundamental importância porque os
pressupostos da competitividade das aglomerações muitas vezes não se sustentam quando são
inseridos no contexto global.
Completa a autora ainda que, muitas vezes, a inserção competitiva virtuosa dessas
estruturas está associada ao declínio simultâneo de outras regiões com características similares.
Isso significa que a criação de empregos de altos salários em algumas regiões vincula-se à
criação de ocupações mal-remuneradas em outras, de modo que apenas algumas regiões têm
chances de se tornar tão bem sucedidas como a Terceira Itália e o Vale do Silício.
A indústria de calçados é um exemplo típico desse processo, já que o sucesso das regiões
líderes mundiais, como no caso a indústria italiana, está associado à ocupação de uma parcela
bastante reduzida do mercado internacional, que aceita pagar preços extremamente elevados
pelos produtos. Além do mais, mesmo em estruturas produtivas com essas características,
verifica-se a utilização de formas de flexibilização das relações de trabalho, seja por meio do
recurso ao trabalho a domicílio, seja pela utilização de estratégias de subcontratação
internacional em países de custos salariais mais reduzidos. Como apontou Korzeniewicz (1994),
é prática comum entre os produtores calçadistas italianos a subcontratação de tarefas mais
intensivas em mão-de-obra em países como a Turquia e Romênia
50.
Outro exemplo interessante foi apontado por Mytelka (1991), em um trabalho sobre a
indústria do vestuário. De acordo com a autora, na indústria estadunidense do vestuário, as
50 Vale lembrar que o preço médio do calçado italiano no mercado estadunidense ultrapassa o patamar de US$ 20 o
grandes marcas internacionais, que atendiam o vasto mercado dos Estados Unidos, combinavam
vantagens associadas com a diferenciação do produto com formas explícitas de redução de
custos, principalmente utilizando esquemas de trabalho a domicílio junto a minorias raciais nos
Estados Unidos.
A não-consideração de elementos externos que condicionam a dinâmica dos clusters pode
levar a conclusões precipitadas acerca da capacidade competitiva dos produtores aglomerados.
Rabelotti (1997; 1999), por exemplo, em sua investigação sobre o cluster calçadista de
Guadalajara, no México, concluiu que a expansão da participação dos produtores locais no
mercado estadunidense foi resultado de estratégias de intensificação das possibilidades de
apropriação de externalidades positivas por parte dos produtores mexicanos. Nas palavras da
autora, o dinamismo das empresas locais no mercado estadunidense foi um resultado da
eficiência coletiva verificada no cluster calçadista de Guadalajara. Todavia, tudo indica que a
expansão dos produtores mexicanos esteja relacionada com a intensificação das relações
comerciais entre o México e os Estados Unidos, no âmbito da zona comum de comércio, o
Nafta
51. Nesse sentido, deve-se atenuar a importância dispensada ao aprofundamento dos
elementos que proporcionaram uma maior eficiência coletiva aos produtores locais.
De todo modo, o reconhecimento dessa insuficiência fez com que alguns autores
incorporassem essa preocupação em suas respectivas agendas de pesquisa. Em um trabalho
recente, Schmitz e Nadvi (1999) observaram que a capacidade de crescimento das empresas
aglomeradas está fortemente associada com a existência de redes de comercialização e
distribuição capazes de conectar os produtores locais com mercados distantes. Ou seja, a
expansão das aglomerações de empresas está fortemente associada com a participação, ou
melhor, com a forma pela qual os produtores locais participam das cadeias produtivas globais.
Por meio do reconhecimento desse ponto, Schmitz e Nadvi (1999) propõem incorporar na
agenda de pesquisa dos estudos de clusters de empresas, especialmente os de caráter empírico,
uma maior preocupação com os vínculos externos que são mantidos pelos produtores locais. Isso
não significa, deve-se ressaltar, que os elementos endógenos apontados anteriormente, como as
formas de interação entre as firmas e a presença de um aparato institucional, não sejam
51 Além disso, essa intensificação do comércio foi amplamente favorecida por uma conjuntura cambial bastante