PARTE I – AGLOMERAÇÕES DE EMPRESAS: EXTERNALIDADES, AÇÕES CONJUNTAS E VÍNCULOS
Capítulo 3 – A organização da cadeia produtiva e a inserção das aglomerações de produtores
3.1. A dimensão local das atividades produtivas e tecnológicas em um contexto de internacionalização
Um dos elementos que distinguiram a evolução recente das economias capitalistas
modernas foi o chamado processo de mundialização do capital e das relações econômicas. Uma
das características que marcou esse processo foi a intensificação das formas de colaboração
internacional, especialmente por meio do crescimento das alianças estratégicas entre as grandes
empresas multinacionais. O crescimento das alianças estratégicas internacionais tem levado
44 Optou-se, como Chesnais (1996) e pelas mesmas razões, pela utilização do termo “mundialização” do capital e
alguns a concluir que as vantagens competitivas das estruturas localizadas perderam sua
importância nos últimos anos
45.
O aumento das alianças estratégicas entre as grandes empresas pode ter sido motivado
por dois fatores principais. Primeiro, não se pode subestimar a importância dos avanços
tecnológicos nas áreas de telecomunicações e da informática, que proporcionaram uma
significativa elevação na velocidade nas trocas de informações entre os agentes. Com o advento
dessas novas tecnologias de informação foi possível a construção de redes privadas de
comunicação on-line.
Segundo, a elevação das necessidades de investimentos em novas tecnologias fez com
que as grandes empresas internacionais estabelecessem processos intensivos de reestruturação,
concentrando seus recursos em suas atividades principais. Na verdade, o aumento dos
orçamentos das atividades de P&D fez com que as empresas procurassem formas de
compartilhamento desses custos, especialmente por meio do estabelecimento de alianças
estratégicas entre elas. A internacionalização dos departamentos de P&D das grandes empresas
mundiais é uma das faces freqüentemente apontadas da mundialização do capital, que consistiu
na expansão, para além das fronteiras nacionais, das atividades de desenvolvimento de novas
tecnologias.
Todavia, esse ponto precisa ser qualificado. O processo inovativo, como afirmaram
diversos autores, entre os quais Teece e Pisano (1994), possui caráter intrinsecamente social e
coletivo, sendo resultado das interações que são mantidas entre os diversos agentes que estão
envolvidos no processo. Como os conhecimentos e capacitações que são adquiridos e
acumulados pelos agentes apresentam um caráter tácito e específico, eles não podem ser
totalmente codificados, o que praticamente impossibilita sua transferibilidade. Assim, o
compartilhamento de habilidades e experiências, fundamentais para o processo de geração e
difusão de inovações, dá-se pelo fluxo constante de informações qualitativas por meio de canais
e códigos específicos, explicitando o caráter coletivo desse processo.
Nesse ponto, a concentração dos agentes pode ser importante para facilitar esse processo,
já que a proximidade geográfica das unidades envolvidas facilita e estimula a manutenção de
interações entre elas. Referindo-se especialmente às relações usuário-produtor, Lundvall (1988;
1992) ressaltou a importância da proximidade geográfica e cultural entre os agentes, já que ela
estimula o processo de aprendizado interativo entre os participantes do processo.
O conceito de “sistema setorial de inovação”, apresentado por Breschi e Malerba (1997),
procura ressaltar esse ponto. De acordo com os autores, a conformação de sistemas produtivos
localizados é estimulada de acordo com as características endógenas da base técnica setorial em
que os produtores atuam. Nesse sentido, nos setores que apresentam uma base de conhecimento
relevante predominantemente tácita, específica e sistêmica, a proximidade geográfica exerce
papel importante no processo de geração de vantagens competitivas, já que facilita a transmissão
de conhecimento e a troca de informações entre os agentes. A concentração dos produtores faz
com que sejam criados, pela existência das instituições informais, canais próprios de
comunicação e de aprendizado entre os agentes participantes do processo, o que facilita a
circulação de informações dentro do sistema e estimula o processo de geração e difusão de
inovações
46.
Já Lastres e outros (1999) e Lopez e Lugones (1999) apontaram que, apesar da
importância da mundialização das relações econômicas no período recente, o intercâmbio de
informações e conhecimentos entre as firmas continua sendo um pré-requisito básico para a
geração de vantagens concorrenciais. Nesse sentido, as firmas precisam desenvolver canais de
comunicação e códigos de informação com outras unidades, capazes de dar suporte ao processo
de aprendizado interativo que ocorre justamente por meio dessas inter-relações.
É nesse sentido que se justifica a importância dos sistemas locais. A concentração
geográfica e setorial entre os agentes, conjugada com a existência de uma certa identidade
sociocultural entre eles, faz com que as informações circulem mais facilmente dentro do cluster.
Com a construção de canais de próprios de comunicação e de fontes específicas de informação,
há um maior estímulo à interação entre os agentes econômicos, fomentando um processo de
aprendizado local entre os produtores. Aliás, como foi apontado anteriormente, uma das
externalidades mais importantes que são geradas no sistema local são os transbordamentos
(spillovers) de conhecimento.
46 Breschi e Malerba (1997) vão ainda mais longe ao afirmar que há, nesses setores, uma tendência à concentração
Portanto, pelo menos duas ressalvas devem ser feitas à afirmação de que houve uma
perda da importância das formas de interação locais, por causa do processo de descentralização
das atividades de P&D das firmas multinacionais e o crescimento do número de alianças
estratégicas realizadas fora do país de origem,. Esses elementos são apontados com freqüência
com um dos indicadores da internacionalização da função tecnológica.
Primeiro, ao investigar mais cuidadosamente esse processo, pode-se perceber, como fez
Chesnais (1996), que ele ocorre basicamente entre os países da Tríade, configurando um
processo de “triadização”, e não globalização, das formas de colaboração internacional. Nesse
ponto, é interessante notar que as bases de desenvolvimento tecnológico permanecem
essencialmente domésticas e as atividades básicas de P&D continuam sendo desenvolvidas nos
países de origem das empresas, fortemente condicionadas pela densidade do tecido produtivo
local e das capacitações tecnológicas anteriormente acumuladas. Isso corrobora a impressão de
que a dimensão local, que se expressa pelo tecido produtivo local e suas capacitações, ainda
exerce papel fundamental no processo de geração e difusão de inovações.
A segunda ressalva está associada com o a presença das instituições informais. Como
observou Schoser (1998), as instituições informais, que facilitam os processos de interação entre
os agentes, possuem um forte caráter tácito e específico, já que emanam das características
específicas da organização dos produtores localizados. Por isso, elas não são passíveis de
transferência ou codificação e são resultado de idiossincrasias e construções sociais próprias que
ocorrem apenas no âmbito local.
Portanto, o processo de descentralização das atividades de P&D não atingiu os países em
desenvolvimento, ficando restrito à Tríade. Uma prova de que a participação de países
periféricos no esforço de P&D das firmas multinacionais tem sido marginal é a presença pouco
significativa desses países nos novos arranjos de cooperação científico-tecnológica.
As empresas multinacionais, os principais agentes desses esforços de P&D, têm se
mostrado propensas a dividir o controle e a propriedade de ativos tecnológicos somente quando
estes não se constituírem mais como estratégicos, por causa de sua ampla difusão. Utilizando a
noção de trajetória tecnológica de Andersen (1991), isso ocorre quando a inovação já tiver se
transformado em uma commodity. Conforma-se, portanto, um fenômeno em que a globalização
da função tecnológica é, na verdade, um processo de globalização da exploração tecnológica, já
que muitas vezes as empresas utilizam-se de estratégias de licenciamento de esforços passados
de desenvolvimento como fonte de extração de quasi-rendas adicionais
47.
É verdade que existem algumas exceções importantes que não confirmam essa tendência
geral. Uma delas é o caso da empresa estadunidense GE, que estabeleceu centros de P&D na
Índia e em Bangladesh nas áreas de plásticos, motores para aviões e sistemas médicos, em uma
clara estratégia de descentralização das atividades inovativas em direção a países em
desenvolvimento (Furtado, 2000). Outro caso é da empresa, também dos Estados Unidos,
produtora de calçados esportivos Nike, que possui um importante centro de desenvolvimento de
produto e design na Coréia do Sul (Korzeniewicz, 1994).
O que se verificou na verdade, com algumas exceções importantes, foi uma restrição
ainda maior à participação dos países em desenvolvimento nos processos de geração e difusão de
inovações
48. Isso inclusive é reforçado, na maioria dos casos, pela baixa densidade do tecido
produtivo desses países, o que acaba amplificando os efeitos deletérios das investidas das
grandes empresas multinacionais sobre sua estrutura industrial.
No caso do Brasil, verificam-se diversos setores em que a elevação da participação de
empresas multinacionais foi acompanhada por uma perda de capacitações anteriormente
acumuladas. O caso da indústria brasileira de telequipamentos (ver Garcia, 2000a), exemplifica
com clareza esse fenômeno. O ingresso de firmas multinacionais no setor, atraídas por um
mercado em franco crescimento e por incentivos fiscais generosos, representou o desperdício de
esforços passados de desenvolvimento de tecnologias e a perda de capacitações anteriormente
acumuladas.
Um caso contrastante com o brasileiro é o da indústria dinamarquesa de telequipamentos,
objeto do trabalho de Dalum et al. (1999). Assim como no caso brasileiro, a indústria
dinamarquesa de telequipamentos foi receptora de grande montante de investimentos de firmas
multinacionais do setor. Porém, os efeitos desses investimentos sobre as capacitações locais
estiveram associados, ao contrário do caso brasileiro, com um reforço da capacidade competitiva
47 Um exemplo em que se verifica claramente esse processo é o da indústria petroquímica. Nesse setor, as grandes
empresas internacionais utilizam-se intensivamente do licenciamento de tecnologia para reunir recursos para financiar seus esforços de P&D (Hiratuka e outros, 2000).