PARTE I – AGLOMERAÇÕES DE EMPRESAS: EXTERNALIDADES, AÇÕES CONJUNTAS E VÍNCULOS
Capítulo 2 – Eficiência coletiva e aprendizado local
2.2. Governança e coordenação ex-ante da atividade produtiva
As ações conjuntas deliberadas dos agentes participantes dos clusters de empresas podem
ser consideradas, nos pressupostos de uma tradição ligada à chamada economia dos custos de
transação, uma forma de coordenação ex-ante da atividade produtiva, no sentido apresentado por
Richardson (1972).
Recuperando os principais pressupostos utilizados pelo autor, existe uma forma
intermediária de coordenação da atividade produtiva, entre o mercado e a firma. Nessa forma,
que é chamada de cooperação interfirma, verifica-se a redução da incerteza associada às relações
tipicamente de mercado, sem a necessidade de integração dos recursos no seio da firma
individual. Nesse contexto, a cooperação interfirmas apresenta-se como uma forma de
coordenação ex-ante da atividade produtiva que é capaz de conferir maior estabilidade às
relações entre as empresas, reduzindo a incerteza envolvida no processo e facilitando o
planejamento de produção sem, no entanto, exigir a integração dos recursos dentro da firma
21.
Um ponto importante que vale ser ressaltado é que em nenhum momento Richardson
(1972) aponta que essa forma de interação ex-ante da atividade produtiva, por meio da
cooperação interfirma, envolve relações não-hierarquizadas entre as partes envolvidas. Isso
significa que a existência de cooperação entre as empresas não está de nenhuma forma associada
à eliminação das assimetrias que caracterizam tais relações entre os agentes. Do mesmo modo, as
vantagens associadas à manutenção das interações não são apropriadas simetricamente entre as
empresas participantes do processo.
Mesmo com essa ressalva, a interação entre os agentes, ou cooperação interfirma, é uma
das chamadas estruturas híbridas de coordenação dos recursos envolvidos na atividade produtiva
que foram apontadas por Williamson (1975; 1985). Essas estruturas híbridas representam uma
forma intermediária de coordenação da atividade produtiva entre o mercado e a hierarquia. A
emergência das estruturas híbridas de coordenação vincula-se com uma combinação entre a
manutenção da autonomia entre as partes — característica das estruturas ex-post baseadas no
mercado — e a existência de ativos específicos, que estimula a adoção de formas de coordenação
ex-ante, como as hierarquias
22.
Os contratos que são baseados nas estruturas híbridas de coordenação conseguem
combinar os benefícios de alta potência das relações de mercado com a redução da incerteza
associada com a freqüência da interação. Assim, incluem formas mais flexíveis de interação
entre os agentes, que incorporam inclusive mecanismos informais utilizados na solução de
conflitos, dadas as maiores dificuldades em se recorrer à autoridade
23. Portanto, utilizando os
termos apresentados por Williamson (1975; 1985), dada a elevada freqüência das transações
entre os agentes participantes dos clusters e a necessidade de reduzir a incerteza associada ao
21 Richardson (1972) apontou que a simples ocorrência de transações freqüentes e estáveis entre dois agentes já
significa uma espécie de coordenação extramercado.
22 Como apontou Williamson (1975), são três os atributos básicos das transações: a especificidade dos ativos, o grau
de incerteza e a freqüência das transações. A partir desses atributos, os agentes vão definir a forma mais adequada de coordenação dos recursos envolvidos na atividade produtiva. Para uma discussão mais aprofundada, ver Furquim (1996) ou Hiratuka (1996).
23 Nesse ponto, exercem papel fundamental as instituições informais específicas ao âmbito local, já que conferem
processo, quanto maior for a especificidade dos ativos envolvidos, maior será a necessidade de
interagir com os outros agentes.
É nesse contexto que se inserem as formas de ação conjunta deliberada entre os agentes
geograficamente concentrados. Nos sistemas produtivos localizados, a presença de produtores
especializados, decorrência do extensivo processo de divisão do trabalho verificado no âmbito
local, exige a manutenção de relações freqüentes com seus pares, sejam concorrentes,
fornecedores de peças, componentes e máquinas ou agentes especializados na prestação de
serviços às empresas locais. Além disso, deve-se apontar também o elevado grau de
pervasividade dos conhecimentos envolvidos no processo, o que reforça a necessidade da
constante interação entre os agentes
24.
No caso da investigação das aglomerações de empresas, a cooperação interfirma
apresenta-se como uma importante forma de coordenação ex-ante da atividade produtiva. A
vantagem da cooperação interfirma, como observou Foray (1991), é justamente a possibilidade
de integração dos recursos produtivos, de alta especificidade, permitindo que as
irreversibilidades a eles associadas sejam divididas entre as diversas unidades envolvidas. A
cooperação interfirma, portanto, é capaz de exercer o papel da coordenação da atividade
produtiva, de modo a reduzir os custos de transação e compartilhar os riscos entre as diversas
unidades envolvidas.
É verdade que a presença de assimetrias entre os agentes, característica fundamental
verificada na conformação das cadeias produtivas, faz com que uma ou mais partes envolvidas
na transação tenham que arcar com custos e riscos mais elevados. Isso ocorre porque geralmente
as firmas participantes do processo apresentam ativos e capacitações distintas, o que lhes permite
a apropriação de margens de rentabilidade diferenciadas. Na verdade, a posição da firma dentro
da cadeia produtiva, assim como as possibilidades de apropriação de margens mais elevadas de
rentabilidade, vão depender fundamentalmente da sua capacidade de deter ativos essenciais
relevantes, sejam de caráter tecnológico, comercial, produtivo ou financeiro.
24 O conceito de pervasividade (pervasiveness) refere-se ao fato de que, muitas vezes, os novos conhecimentos
gerados por meio de processos específicos de aprendizado podem ser aplicados a uma variedade de produtos e mercados.
De qualquer forma, a despeito da existência importância de relações hierarquizadas entre
as firmas participantes do sistema produtivo local, as ações conjuntas deliberadas exercem papel
relevante na definição da capacidade competitiva dos produtores localizados, já que podem
fomentar e reforçar as formas de interação entre os agentes envolvidos, reforçando a capacidade
de geração de vantagens concorrenciais.
Outros autores que apresentaram a problemática das aglomerações de empresas com base
na abordagem dos custos de transação foram Langlois e Robertson (1995). Os autores apontaram
dois atributos que definem a forma de organização da firma: o grau de integração da propriedade
(degree of ownership integration) e o grau de integração da coordenação (degree of coordination
integration). De acordo com esses atributos é que serão definidas as fronteiras da firma.
Langlois e Robertson (1995) utilizam ainda esses dois atributos na investigação das
aglomerações de empresas e suas características principais e distintivas. Identificam, assim, dois
tipos de aglomerações: os “distritos industriais marshallianos”, que se referem aos distritos
ingleses do final do século XIX (utilizando mais uma vez o trabalho de Marshall); e uma
variante da experiência clássica, que são os “distritos da Terceira Itália”. Em ambas as estruturas,
verifica-se um reduzido grau de integração da propriedade das firmas, dada a existência de um
extensivo processo de divisão do trabalho entre os produtores especializados. Nessas estruturas,
as empresas optam por não integrar os recursos dentro da firma porque sabem que podem
comprar localmente os produtos e serviços necessários à manutenção da atividade produtiva.
Além do mais, em virtude do fato de que as capacitações relevantes são amplamente distribuídas
entre os agentes, os custos de transação apresentam-se em patamares reduzidos (ver Figura 2.1).
No caso dos distritos industriais marshallianos, verifica-se um reduzido grau de
coordenação entre os diversos agentes, de modo que a competitividade daquelas estruturas
estava baseada na especialização da mão-de-obra local e na rapidez da troca de informações
técnicas e de mercado
25. Isso significa que Langlois e Robertson (1995) admitem, como fazem
outros autores já mencionados, que a experiência clássica dos distritos industriais marshallianos
apresentava vantagens competitivas associadas exclusivamente com as economias externas
25 Como se vê, os autores admitem a importância das externalidades positivas para a geração de vantagens
competitivas de estruturas locais de produtores. Porém, não utilizam o termo retornos crescentes ou economias externas, preferindo basear a análise sobre os mais reduzidos custos de transação verificados nessas estruturas.
incidentais. Nesse caso, os conhecimentos tácitos dos agentes e as formas de gestão do binômio
“integração-coordenação” entre os produtores são bastante reduzidos e de pequena importância.
Essa é a principal diferença em relação ao que os autores chamam de distritos da Terceira
Itália
26. Na experiência mais recente, o reduzido grau de integração da propriedade é combinado
com um elevado grau de integração da coordenação (ver Figura 2.1), de modo que a vantagem
competitiva dos agentes está associada também às fortes interações que ocorrem entre os
mesmos, denotando um elevado grau de coordenação cooperativa.
FIGURA 2.1 – Integração da propriedade e coordenação nas aglomerações de empresas
Fonte: adaptado de Langlois e Robertson (1995).
Isso significa que, além dos elementos apontados na experiência marshalliana, outros
fatores relacionados com as idiossincrasias verificadas entre os agentes locais também têm papel
decisivo na definição da competitividade do sistema. Com base em tal constatação, Langlois e
Robertson (1995) acabam implicitamente admitindo a importância das ações conjuntas
deliberadas para a geração de vantagens concorrenciais entre os produtores concentrados. Pode-
se verificar nessas aglomerações de empresas um elevado grau de integração entre os agentes, o
26 Apesar de Langlois e Robertson (1995) referirem-se exclusivamente à paradigmática experiência italiana de
aglomerações de produtores, as considerações feitas pelos autores podem certamente ser transferidas a outros casos de clusters de empresas. Espaço das aglomerações de empresas Grau de integração da propriedade
Grau de integração da coordenação Distrito Marshalliano Redes de inovadores Distrito italiano Firma Chandleriana Holding company
que leva os produtores, com relativa freqüência, ao estabelecimento de acordos cooperativos
entre si, especialmente em áreas como: prestação de serviços; participação em feiras de
negócios; lançamento de produtos em mercados distantes, doméstico ou internacional; provisão
de infra-estrutura, entre outras.
A elevada integração da coordenação nas estruturas produtivas concentradas permite que
os produtores realizem ganhos importantes de competitividade com base nas ações deliberadas
que realizam entre si. Aliás, deve-se ressaltar que tais ações podem ocorrer, e ocorrem com
muita freqüência, sob o comando de uma firma individual que detém a capacidade de coordenar
um conjunto de produtores.
Uma variante das aglomerações de empresas, apresentada por Langlois e Robertson
(1995), são as redes de inovadores (innovative networks), como os casos clássicos do Vale do
Silício e da Rota 128 (ver novamente figura 2.1). Nessas experiências, em virtude da mudança
técnica acelerada a que os produtores estão sujeitos, a competitividade é fortemente relacionada
com conhecimentos tácitos internos à firma. Porém, alguma espécie de coordenação é requerida
pelos capitalistas aventureiros (venture capitalists), que investem seus recursos nas empresas
locais.
Porém, mesmo em experiências de aglomeração de produtores como o Vale do Silício ou
a Rota 128, a interação entre os agentes parece ocorrer com relativa freqüência, especialmente
em áreas em que as empresas não competem diretamente como provisão de serviços, infra-
estrutura e treinamento da mão-de-obra. Por esse motivo, é plausível admitir que Langlois e
Robertson (1995) subestimaram a importância de tais relações que, embora assumam caráter
diferenciado em relação à experiência italiana, têm papel fundamental para o desenvolvimento e
para a competitividade das empresas locais. Como apontou Saxenian (1994), em sua análise do
Vale do Silício, entre os engenheiros e executivos que trabalhavam nas empresas locais formava-
se uma verdadeira comunidade tecnológica (technical community), dadas as constantes e
freqüentes interações que ocorriam entre eles
27.
27 De acordo com Saxenian (1994), os trabalhadores e executivos pioneiros foram capazes de criar um modo de
conduta que transcendia a firma e as funções dentro das estruturas organizacionais, por meio do desenvolvimento de relações sociais informais e da criação de uma cultura de colaboração que deu suporte aos avanços tecnológicos subseqüentes.