• Nenhum resultado encontrado

Visando superar as doutrinas da ação causal, entre as décadas de 20 e 30 do século XX começou a se disseminar, principalmente em solo alemão, a teoria finalista da ação132. O objetivo principal de tal teoria era combater o conceito de ação como simples sucessão de movimentos capazes de causar um resultado naturalístico133 (modificação no mundo exterior).

A inovação de um conceito de ação liga-se a própria evolução da dogmática. No naturalismo, e até mesmo no sistema neokanstista, a tipicidade (a qual alberga a ação) era livre de qualquer elemento psicológico. Tudo aquilo que se relacionava ao estado anímico do sujeito era englobado pela culpabilidade.

Já no sistema finalista de delito, o tipo penal passa a conter elementos subjetivos, já que o dolo e a culpa saem da culpabilidade para integrá-lo. Dessa forma, a ação não pode mais ser vista de forma mecânica, livre de fatores psicológicos, tendo agora a nítida diferenciação entre delitos dolosos e culposos, algo que não era feito pelo sistema causalista134.

vontade coletiva”. In: SANCTS, Fausto Martin de. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 10.

131

DOTTI, René Ariel, A incapacidade criminal da pessoa jurídica. In: PRADO, Luiz Regis; DOTTI, René Ariel (Coord.) Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação subjetiva. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 169.

132

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal,: parte geral. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v.1. p. 123.

133

HASSEMER, Winfried. História das ideias penais na Alemanha do pós-guerra. Revista Pensar, Fortaleza, v. 4, n. 4, p.5-50, jan., 1996.

134

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 1: parte geral. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 123.

O maior defensor da teoria em análise é o jurista e filósofo alemão Hans Welzel. Baseado principalmente em Aristóteles, São Tomás de Aquino e Hegel135, o autor teutônico definia ação como o exercício de uma atividade final. Em suas palavras:

A ação humana é o exercício de uma atividade final. A ação é, portanto, um acontecimento final e não puramente causal. A finalidade, o caráter final da ação, baseia-se no fato de que o homem, graças ao seu saber causal, pode prever, dentro de certos limites, as possíveis consequências de sua conduta, designar-lhe fins diversos e dirigir a sua atividade, conforme um plano, à consecução desses fins. Graças ao seu saber causal prévio, pode dirigir seus diversos atos de modo que oriente o suceder causal externo a um fim e o domine finalisticamente. A atividade final é uma atividade dirigida conscientemente em razão de um fim (...)136.

Como atestado acima, a ação humana busca um resultado previamente estabelecido no plano do agente. Por meio do plano, o agente dirige a sua vontade para a concretização de determinado fim. Esse processo que relaciona o estado subjetivo do autor com o resultado no mundo real ocorre em duas fases137: a primeira ligada ao mundo ideal, à esfera do pensamento; a segunda ligada ao mundo real, concreto.

A fase do mundo ideal está conectada a própria noção de plano do autor. Nela, segundo o próprio Welzel138, estão presentes a antecipação do fim pelo autor, a seleção dos meios necessários para a sua realização e os efeitos, ou melhor dizendo, as consequências secundárias ocasionadas pela escolha dos meios empregados.

Na segunda fase desse processo de ação, está justamente a realização concreta da ação no mundo natural. É a efetivação do plano do autor. Como expõe Carrasquilla139: “De acordo com o plano anterior, o autor põe em prática ou realiza a sua ação no mundo externo (tradução nossa)”140

. Se o plano não se realizar, ou seja, se o resultado da ação não for aquele pretendido pelo autor, tem-se a figura tentada do delito.

Em frente a isso, a teoria finalista constitui um grande avanço na dogmática penal, pois soluciona várias dissidências, como a figura tentada, a diferenciação entre dolo e culpa, etc. Tal é sua importância que ela foi amplamente adotada no Brasil por

135

DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: Parte Geral. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 406.

136

WELZEL, 2015, p. 31

137

BRANDÃO, Cláudio. Teoria jurídica do crime. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 26

138

WELZEL, op. Cit. p. 32-33.

139

CARRASQUILLA, Fernández. Derecho Penal Fundamental. 2. ed. Santa Fe de Bogotá: Temis, 1998, p. 298.

140

meio da reforma do Código Penal de 1984141 e também é alvo de estudo pela maioria da doutrina.

Apesar de representar uma verdadeira revolução na ciência penal, a teoria finalista apresenta o mesmo entrave do causalismo: o conceito de conduta gira em torno da vontade. Antes de agir, o indivíduo prevê o resultado (Mundo das ideias) e busca concretizar o seu intento. É tarefa árdua, quiçá impossível, imaginar um ente coletivo capaz de tais performances em seu atuar. Nesse diapasão:

O conceito de ação como “atividade humana conscientemente dirigida a um fim”, vem sendo tranquilamente aceito pela doutrina brasileira, o que implica o poder de decisão pessoal entre fazer ou não fazer alguma coisa, ou seja, um atributo inerente às pessoas naturais142.

Alguns doutrinadores estendem a crítica ao próprio ontologismo da teoria finalista. A despeito do ontológico estar ligado ao conhecimento do ser, podendo existir tanto entes reais como ideais143, certos autores, baseados no subjetivismo da ação, entendem que tal característica também constitui obstáculo para a conduta dos entes morais. É assim que nos ensina René Ariel Dotti, expondo a posição de Zaffaroni e Pierangeli144:

Não se pode falar de uma vontade em sentido psicológico no ato da pessoa jurídica, o que exclui qualquer possibilidade de admitir a existência de uma conduta humana. A pessoa jurídica não pode ser autora de delito, porque não tem capacidade de conduta humana no seu sentido ôntico-ontológico. Se a pessoa jurídica não é capaz de prever um resultado em seu plano e agir conforme este, não enxergamos como encaixar a sua ação no modelo final de fato punível, pois, por exemplo, a própria figura do delito tentado perderia sentido. O que se teria seria próximo a uma responsabilidade objetiva, sem dolo ou culpa, onde se puniria apenas com base no resultado, algo que a história nos mostrou ser muito perigoso, principalmente na esfera penal145.

141 DOTTI, 2013, p. 407. 142 DOTTI, 2010, p. 169 143

MIR, José Cerezo. Ontologismo e normativismo na teoria finalista. Revista dos Tribunais: Ciências Penais. São Paulo, v. 0, P.1-11, jan. 2004.

144

DOTTI, op. Cit. p. 169-170.

145