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A teoria da ação social é vista como uma forma de conciliação das teorias causal e final146. Em face da problemática da causalidade cega da teoria naturalista e da dificuldade apresentada pela teoria finalista por basear-se de forma demasiada no caráter subjetivo da ação, representado pelo plano do autor, a teoria social da ação é uma forma de combinação e também de superação de preceitos. É neste sentido que expõe Francisco Muñoz Conde:

Para superar a polêmica entre a teoria final e a teoria causal surgiu uma terceira teoria, a teoria social da ação, que chama a atenção sobre a relevância social do comportamento humano. Esta teoria pode ser aceita na medida em que só atendendo ao conteúdo da vontade do autor se pode determinar o sentido social da ação147 (Tradução livre)148.

Apesar de haverem várias teorias sociais da ação149, cada uma com suas especificidades, de uma maneira geral, tal ação é vista como um comportamento

humano socialmente relevante150, aquele capaz de transcender a atuação do sujeito, atingindo, de forma prejudicial, terceiros.

Alguns elementos são importantes para a compreensão deste modelo de ação. Em primeiro lugar, e aqui podemos notar a influência do finalismo, o comportamento humano socialmente relevante deve ser albergado pela pretensão do agente. Isso quer dizer que a ação deve estar inserida no plano do autor no momento de sua realização. Por isso se diz que a conduta praticada é dominada ou dominável pela vontade humana151.

Também é necessário que a ação cometida tenha relevância social. Tal relevância deve ser auferida mediante o caso concreto, de acordo com o dano causado. Clara é a influência causalista, já que o dano causado produz modificação no mundo

146

JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal: Parte general. 4. ed. Granada: Comares, 1993, P. 201

147

BITENCOURT, Cezar Roberto; CONDE, Francisco Muñoz. Teoria geral do delito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 59.

148

“Para superar la polémica entre teoría final y teoría causal surgió una tercera teoría, la teoría social de

la acción, que llama la atención sobre la relevância social del comportamiento humano. Esta teoría

puede ser aceptada em la medida em que sólo atendiendo al contenido de la voluntad del autor se puede determinar el sentido social de la acción”.

149

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: Parte Geral. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 404.

150

BACIGALUPO, Enrique. Direito Penal: Parte geral. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 221.

151

exterior ao agente. A crítica feita por grande parte da doutrina é que o conceito de relevância social é inerente ao próprio tipo penal e não a ação em si152. Caso contrário, toda ação socialmente relevante seria típica, o que não é verdade.

Por isso, é imprescindível que a conduta cause perturbação na ordem social153. Alguns comportamentos, mesmo sendo típicos, não serão alvo de punição pelo Estado por serem socialmente adequados. A despeito de ser uma teoria finalista com base em Welzel, a adequação social da conduta é amplamente aceita na seara da ação social154, alvitrando-se mais uma inter-relação entre os modelos dogmáticos de delito.

Sendo a teoria social da ação derivada das teorias causais e finais, a mesmas críticas permanecem em relação à capacidade de ação penal da pessoa jurídica. A vontade, entendida como o impulso para a realização de um fim socialmente relevante, também é inerente as pessoas naturais. A própria existência social e a compreensão do que é relevante é próprio da pessoa humana, como bem pondera Assis Toledo155: “Poder-se-á, pois, dizer, parodiando o poeta, que, no mundo social, só os seres humanos são capazes de ouvir e de entender as normas, portanto só eles podem cometer crimes156”.

Em decorrência disso, a pessoa jurídica não tem a capacidade de se situar no ambiente social e dirigir a sua conduta de acordo com as normas vigentes. Isso porque o comportamento é visto como uma “resposta do homem as exigências situacionais por meio da concretização da possibilidade de reação que lhe é ensejada pela sua liberdade157”, conceito inaplicável aos entes morais. Nesta senda afirma Jescheck:

A exigência do comportamento ‘humano’ significa que para atuar em um sentido jurídico penal só podem ser levadas em consideração as exteriorizações da atividade do homem individual, e não os atos das pessoas coletivas158 (Tradução nossa)159.

A própria noção de ação social como conduta dominada ou dominável pela vontade humana é delicada, inacessível aos entes morais. Mesmo para aqueles que

152 Ibidem, p. 90. 153 ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004, p. 404. 154 CAPEZ, 2005, p. 129. 155 TOLEDO, 1994, p. 91. 156 Ibidem, p. 104. 157 Ibidem, p. 104. 158 JESCHECK, 1993, p. 201.

159 “La exigencia del comportamiento “humano” significa que para la actuación en sentido jurídicopenal

sólo pueden ser tomadas en consideración las exteriorizaciones de la actividad del hombre individual, y no los actos de las personas colectivas”.

defendem uma vontade própria da pessoa jurídica, como os autores da ação institucional, no momento da prática do ato criminoso a vontade que domina a ação é a do agente que a executa e não a vontade emanada do órgão coletivo.

Por tais pontos, assim como nas teorias analisadas anteriormente, também na doutrina social é precária a teorização de uma capacidade penal da pessoa jurídica. Como podemos atestar, todas as linhas de pensamento que se baseiam na vontade como um de seus elementos principais não são capazes de explicar uma eventual ação penal das corporações. As teorias mais atuais mudam o enfoque e os embasamentos teóricos da conduta, o que gera em certos autores a possibilidade de uma fundamentação acerca do tema. É o que veremos a seguir.