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O meio ambiente como bem jurídico penal

4.2 A visão ambiental

4.2.1 O meio ambiente como bem jurídico penal

A evolução da noção de bem jurídico é de mister relevância para compreendermos porque o legislador pátrio atribui proteção penal ao meio ambiente e, consequentemente, compreendermos a base das diversas leis infraconstitucionais sobre o tema. Assim, em uma breve síntese, descreveremos como, desde a era iluminista, os filósofos do direito penal trataram o tema do bem jurídico, até chegarmos à era moderna, com a proeminência das teorias de cunho constitucionalista.

Foi a partir do movimento iluminista que o direito penal, por meio da Escola Clássica, ganha certa cientificidade. Naqueles tempos, o bem jurídico não possui uma definição autônoma, mas sim coincidente com a noção de direito subjetivo, sendo o ilícito penal uma violação deste direito, na visão de Feuerbach. Nesta linha, Binding84 vai além, dizendo que o bem jurídico é uma lesão ao direito subjetivo do próprio Estado, surgindo dai o Jus Puniend.

Já para Von Liszt, autor pertencente ao positivismo naturalista, o bem jurídico é uma limitação para o poder punitivo do Estado. Ele seria um interesse vital para o indivíduo ou para a comunidade e que seria a linha divisória entre o direito penal e a política criminal.

O movimento neokanstista, calcado na teoria dos valores e nas ciências da cultura85, postula que o bem jurídico é um valor cultural relevante, valorizado dentro de um complexo normativo. Podemos nos utilizar da crítica do próprio Greco, sendo que esse sistema considera o mundo real e o mundo cultural compartimentos incomunicáveis, o que afastaria o bem jurídico da realidade concreta e dificultaria a sua proteção.

Posteriormente, já na esfera mais atual da doutrina, surgiram as teorias sociológicas. Elas se dividem em duas vertentes básicas: As funcionalistas sistêmicas e as interacionistas simbólicas. As primeiras, defendidas por Hassemer e Mir Puig,

84

PRADO, 2014, p. 34.

85

GRECO, Luís. Introdução à dogmática funcionalista do delito. Disponível em: <file:///C:/Users/rafael silveira/Downloads/Messages.pdf>. Acesso em: 11 abr. 2016.

postulam que o bem jurídico deve ser extraído do contexto social e tutelado conforme a dinâmica dos próprios sistemas sociais86.

Já o interacionismo simbólico tem uma noção levemente variada de bem jurídico. Para ele, o seu conceito deve ser extraído da interação social, ou seja, dos modos de relacionamento dos indivíduos. Também há uma relação com a teoria sistema de Luhmann, já que desse interacionismo entre os indivíduos surgirão bens a serem protegidos, e cabe ao direito, como subsistema regulador de todos os demais, fazê-lo87. Por fim, modernamente entende-se que prevalece a noção constitucional de bem jurídico. Em outras palavras, serão objeto de proteção jurídico penal aqueles valores, individuais ou coletivos, presentes, implícita ou explicitamente, no Texto Maior. Assim, na confecção dos tipos, as Normas Superiores devem ser observadas, como diz Luiz Regis Prado:

O legislador ordinário deve sempre ter em conta as diretrizes contidas na constituição e os valores nela consagrados para definir os bens jurídicos, em razão do caráter limitativo da tutela penal. Aliás, o próprio conteúdo liberal do conceito de bem jurídico exige que sua proteção seja feita tanto pelo Direito Penal como ante o Direito Penal88.

Dentro desta perspectiva constitucional, os bens jurídicos não podem ser vistos de maneira una, pois diversas são as suas tipologias, fruto da influência da própria evolução social e tecnológica da sociedade. Portanto, não é satisfatório apenas afirmar que o meio ambiente é um bem jurídico, sendo de salutar importância classificá-lo quanto à sua titularidade.

Basicamente, os bens jurídicos podem ser rotulados em individuais e supra- individuais89 (Também chamados de metaindividuais, transindividuais ou universais). Com uma boa margem de certeza, podemos afirmar que o bem jurídico clássico é o individual. Isso decorre de própria origem, concomitante com o nascimento dos estudos dogmáticos e científicos do direito penal.

86

FERNÁNDEZ, Gonzalo D.. Bien jurídico y sistema del delito: un ensayo de fundamentación dogmática. Buenos Aires: B de F, 2004, p. 63.

87

PRADO, 2014, p. 43-44.

88

Ibidem, p. 139.

89

PRADO, Luiz Regis. Apontamentos sobre o ambiente como bem jurídico-penal. Revista dos Tribunais: Revista de direito ambiental, São Paulo, n. 50, p.133-158, 2008.

A Escola Clássica veio combater o denominado “Direito metafísico do soberano90”, característico do Ancien Régime. Para justar com o arbítrio estatal, os bens jurídicos tutelavam majoritariamente direitos e garantias individuais. Até hoje possuem certa proeminência no ramo penal, mas não são absolutos.

Os bens jurídicos metaindividuais ganharam grande relevância no sistema jurídico com o estabelecimento do Estado Social de Direito91. Eles podem ser de três espécies: Institucionais, os quais a tutela se dá por intermédio de pessoa jurídica de direito público; Coletivos, pertencentes a um número determinado ou determinável de pessoas; e por fim os difusos, que é onde se encaixa o bem jurídico ambiental.

Os bens jurídicos difusos são aqueles de titularidade indeterminada. Ao mesmo tempo em que pertence a todos os indivíduos da sociedade, eles não são privativos de ninguém, podendo ser exercidos tanto de forma individual, como também de forma coletiva92.

Tais tipos de bens remontam aos próprios fundamentos da revolução francesa. O mandamento da fraternidade embasou toda uma positivação de bens de interesse social. Aliás, dentro dos movimentos constitucionais, tais bens se ligam a terceira dimensão dos direitos fundamentais e a visão organicista de Estado. O próprio Bobbio já nos expunha a dificuldade de tutelas dos direitos de caráter social (Por consequência também os bens sociais, como os difusos) dizendo que eles eram os mais difíceis de serem protegidos93.

Com base no exposto alhures, podemos afirmar que o meio ambiente é um bem jurídico penal, devido a sua grande importância para as sociedades, lembrando que o direito penal tutela apenas os bens mais importantes de uma nação (Princípio da fragmentariedade). Além disso, é um bem jurídico difuso, sendo de titularidade de todos os cidadãos e, por seguinte, pode ser defendido de forma individual ou coletiva.

90

ALBRECHT, Peter-alexis. Criminologia: Uma fundamentação para o direito penal. Curitiba: Lumen Juris, 2010, p. 95

91

Para maior esclarecimento sobre o tema: BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social. 8. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, P. 81-89

92

GASTALDI, Suzana. Direitos difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos: conceito e diferenciação. Disponível em: <http://www.ambito- juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=14164>. Acesso em: 12 abr. 2016.

93

4.2.2 Os crimes ambientais e a previsão da responsabilidade penal da pessoa