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Ação pauliana

No documento Marina Pacheco Cardoso.pdf (páginas 135-137)

8 INSTRUMENTOS JURÍDICOS DE COMBATE À DESPROPORÇÃO DA PARTILHA DE BENS

8.1 Na fase processual do processo de partilha dos bens 1 Arrolamento de bens

8.1.2 Ação pauliana

A ação pauliana, também chamada de revocatória, é ação por meio da qual se impugna os atos fraudulentos praticados em desfavor do autor pelo seu devedor, de modo que visa a reconhecer a ineficácia de ato de alienação de determinado bem praticado em fraude pelo devedor e com isso abrir o caminho à efetivação da responsabilidade executiva sobre aquele bem, ainda que transferido a terceiro. É um instrumento à disposição do credor atual, ou seja, que já possua o crédito no momento do ato fraudulento, sendo o resultado por ele obtido no processo somente por ele aproveitado, pois a sentença desta ação não anula o ato, mas limita a reconhecer sua eficácia perante o autor – e não em relação a outros credores vítimas da fraude.420

Muito embora importantes decisões incluam o devedor como legitimado e imponham o litisconsórcio necessário, a legitimidade passiva é apenas do adquirente ou beneficiado pelo bem, pois, conforme ressalva Cândido Rangel Dinamarco, somente a sua esfera de direito pode ser afetada com eventual procedência da ação revocatória e não a do devedor, na medida em que não haverá a anulação do negócio, mas sim a episódica ineficácia com relação àquele determinado credor.421 Para Dinamarco, a

legitimidade passiva do devedor e o litisconsórcio necessário entre ele e o adquirente só podem ser sustentados por quem continuar pensando que as fraudes do devedor produzem a anulabilidade do ato e que o resultado da ação pauliana seja uma anulação – porque nesse caso não seria possível anular o ato sem a presença de todos que nele houvessem participado (litisconsórcio necessário-unitário).422

Por óbvio, caso o adquirente esteja de boa-fé, em hipótese alguma poderá ser compelido a responder pela fraude pauliana, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.423 Ou

420 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v.IV. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.438. 421 Se houvesse anulação do negócio que ensejou a transferência do bem ao terceiro adquirente, a consequência jurídica é que

aquele bem retornaria integralmente para aquele que alienou o bem em fraude. Sendo apenas ineficaz, o bem pode ser alienado para pagar o credor fraudado – ou mesmo fracionado e entregue a parte desse credor, se isso for viável – e o saldo será entregue para o próprio adquirente e não para o fraudador.

422 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v.IV. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.439-

440.

423“Em consonância com o art.109 do CC/1916 (com redação correspondente no art.161 do CC/2002), tendo havido sucessivos

negócios fraudulentos, cabe resguardar os interesses dos terceiros de boa-fé e condenar tão somente os réus que agiram de má-fé, em prejuízo do autor, a indenizar-lhe pelo valor equivalente ao do bem transmitido em fraude contra o credor”. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp: 1.145.542 RS 2009/0116221-0, Terceira Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, j.11/03/2014, DJe:

seja, não basta que o cônjuge aliene maliciosamente um bem do casal para que seja desconsiderada a alienação do bem, é indispensável que o adquirente do bem também tenha agido de má-fé.

São requisitos da ação pauliana a existência de um crédito – o que Yuseff Said Cahali considera ser uma condição primária –,424 o prejuízo ao credor (eventus damni) e a má-fé dos

participantes do ato de alienação (consilium fraudis).425

Nesse compasso, sendo a ação revocatória um procedimento específico de tutela do direito de crédito que visa tornar sem efeito as fraudes de esvaziamento patrimonial, é igualmente viável ao Direito de Família quando houver malicioso desvio de bens para frustrar a meação conjugal, pois quando estiverem presentes os requisitos legais da existência do crédito (meação), flagrante prejuízo e a má-fé do fraudador, a ação torna ineficaz o negócio efetuado e traz de volta, ao menos, o correspondente à metade do bem transferido ilicitamente. Contudo, como se trata de ineficácia e não anulação, a ação pauliana nas fraudes patrimoniais é mais útil em situações específicas em que um dos cônjuges é mero credor do outro, como ocorre, por exemplo, na cessão de crédito trabalhista, ou quando um dos consortes transfere – gratuitamente ou por preço abaixo do seu real valor – as quotas societárias adquiridas durante o matrimônio, ou mesmo quando a empresa constituída antes das núpcias exclui sua participação para evitar a partilha do crescimento patrimonial verificado na constância do relacionamento, 426 pois, como sabido, nas últimas duas hipóteses, o divórcio não confere ao consorte uma participação na empresa, mas um crédito frente ao outro cônjuge.

Por evidente, quando forem muito complexas as operações societárias, a melhor ferramenta de combate aos engodos patrimoniais é a desconsideração inversa e circunstancial da personalidade jurídica e, se necessário, da interposta pessoa física, pois ambos os institutos são

19/03/2014).

424 CAHALI, Yuseef Said. Fraude contra credores. 5.ed. São Paulo: RT, 2013, p.96.

425 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: parte geral. v.1. 5.ed. São Paulo; Atlas, 2005, p.449. O prejuízo ao credor significa

basicamente a insolvência do devedor. Sem insolvência, não há motivo para declarar a ineficácia da transferência, salvo se houve algum excepcional motivo para se transferir o próprio bem para o credor, o que pode ocorrer com alguma frequência no divórcio.

426“É que, embora a negociação tenha se dado entre pessoas jurídicas, a transferência foi tida como fraudulenta – e, assim,

ineficaz – nos autos da ação de separação judicial do casal (na sentença, Processo 015/109.0009649-1, fls. 200/202, ponto que não foi objeto da citada AC nº 70058587981), impressionando que não tenha vindo aos autos cópia do contrato social da empresa Isabel Cornely Stumpf e Cia Ltda. – ME (para a qual foi transferida a licença para exploração de saibro, fl.30), o que seria necessário a demonstrar que a demandada Isabel, que assinou o respectivo termo de transferência, não teria poderes para representar a empresa judicialmente, assim como se fez em relação à empresa cedente, empresa Stumpf & Filhos Ltda – ME, representada no ato pelo sócio administrador César, conforme alteração do contrato juntada às fls.59/61. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº70058982216, 8ª Câmara Cível, Rel. Ricardo Moreira Lins Pastl, j.26/06/2014).

fundamentos utilizados na ação de divórcio e de partilha de bens, no qual não é necessário envolver todos os partícipes da fraude, mas tão somente o fraudador.

No documento Marina Pacheco Cardoso.pdf (páginas 135-137)

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