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Princípio da dignidade da pessoa humana no direito patrimonial

No documento Marina Pacheco Cardoso.pdf (páginas 32-35)

3 DIREITO PATRIMONIAL 1 Noção de patrimônio

3.2 Princípios do direito patrimonial

3.2.2 Princípio da dignidade da pessoa humana no direito patrimonial

O princípio da dignidade da pessoa humana é um tema enfrentado em todo o sistema jurídico, em face de seus desdobramentos e, principalmente, por ser um dos fundamentos da República previsto no art.1º, III, da Constituição Federal.

O respeito à dignidade somente foi inserido no Direito Brasileiro em 1988, após mais de duas décadas de ditadura, tal como ocorrera anteriormente em outros países, em particular, após a Segunda Grande Guerra, em face das torturas cometidas pelo nazifascismo. A Lei Maior,

81 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2006,

p.83.

diante da importância, consagrou a dignidade humana como um dos princípios fundamentais, e a elevou ao topo da ordem jurídica83, sendo, portanto, considerado a razão de ser do direito, pois “se bastaria sozinho para estruturar o sistema jurídico”.84

Ao conceituar, Ingo Sarlet considera a dignidade

a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, nesse sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede de vida.85

A dignidade, portanto, sendo valor primeiro e a base do ordenamento jurídico, deve ser observada tanto entre sujeito e Estado, como entre sujeitos, ou seja, nas relações privadas de qualquer espécie, sobretudo na seara familiar, como no direito patrimonial que regem essas relações, pois “não há que falar de direito privado sem que seja prestigiada a vida e a liberdade do homem”86. Além disso, a Constituição Federal ao tratar da família no art.226, §7º, consignou

ser a base da sociedade, merecedora de especial proteção do Estado, e seu planejamento fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana.

Os princípios constitucionais, nos quais a dignidade humana está inserida, são normas situadas no ápice do ordenamento jurídico e, portanto, aplicáveis direta ou indiretamente às relações privadas pela metodologia civil constitucional, caracterizada por prevalecer as situações existenciais (ser) sobre as situações patrimoniais (ter). Esta visão social e humanista, que fez com que o ter se tornasse um mero instrumento de realização do ser, não propõe um desmembramento absoluto entre o existencial e o patrimonial, mas uma funcionalização entre essas situações, pois socialmente o patrimônio está inteira e diretamente vinculado na grande

83 “A Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pelas Nações Unidas em 1948, enunciava no seu art.1º: “Todas as

pessoas nascem livres e iguais em dignidade e Direito.” A Constituição italiana de 1947, entre os princípios fundamentais, também já havia proclamado que “todos os cidadãos têm a mesma dignidade e são iguais perante a lei”. Não obstante, costuma-se apontar a Lei Fundamental de Bonn, de maio de 1949, como primeiro documento legislativo a consagrar o princípio em termos mais incisivos: ‘Art.1.1 – A dignidade do homem é intangível. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todos os poderes estatais’. (MORAES, Maria Celina Bodin. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo In: Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p.118).

84 NERY, Rosa Maria de Andrade. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito privado. São Paulo: RT,

2008, p.235.

85 SARLET, Ingo. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 5.ed. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.73.

86 NERY, Rosa Maria de Andrade. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito privado. São Paulo: RT,

maioria das relações privadas,87 mormente nas relações familiares como casamento e união estável, já que mesmo sob o regime da total separação de bens, no caso de falecimento de um dos cônjuges ou companheiros, haverá reflexos patrimoniais através da sucessão.

Sobre a total segregação, Anderson Schreiber afirma ser impossível, pois além de artificioso, entende que seria contrário ao principal objetivo da metodologia civil-constitucional submeter todo o direito civil ao atendimento dos valores existenciais previstos na Constituição Federal. 88

A cogente incidência nos direitos pessoais e patrimoniais decorre dos valores ético- jurídicos fornecidos pela democracia aos princípios constitucionais, como também da transposição das normas diretivas do texto da Lei Civil para o da Constituição Federal responsável pela humanização e proteção dos vulneráveis, em cujo grupo estão inseridos, por exemplo, as crianças, os adolescentes, os idosos, os portadores de deficiência física e mentais, os consumidores e os membros da família, dos quais, para efeitos deste estudo, interessam os cônjuges e companheiros prejudicados pelo desequilíbrio da partilha dos bens amealhados ao longo, geralmente, de muitos anos de união e companheirismo, pois no momento das acirradas disputas judiciais são as partes vulneráveis sujeitas, muitas vezes, à injusta redução ou à perda integral de seus bens.

De tudo isso, possível concluir que nos casos de sonegação e da perpetração da fraude, a relevância da preservação da dignidade não repousa unicamente na proteção dos vulneráveis e no critério objetivo de garantir a subsistência do consorte ou do companheiro, mas igualmente, por se tratar de um valor que deve ser buscado na interpretação de qualquer relação jurídica, na integralidade do prejuízo maliciosamente causado, pois “dignidade não é apenas a manutenção do mínimo substancial. A sua preservação tem de ter em conta as circunstâncias particulares de cada situação concreta.”89

Sem contar ser o núcleo familiar uma verdadeira unidade de “produção e reprodução dos valores culturais, éticos, religiosos e econômicos”90, razão pela qual, pós Constituição

Federal, a ideia da família-instituição foi substituída pela família como instrumento do desenvolvimento da pessoa humana, a medida este é “o elemento finalístico da proteção estatal,

87 SCHREIBER, Anderson. Direito civil e Constituição. São Paulo: Atlas, 2012, p.20-21. 88 SCHREIBER, Anderson. Direito civil e Constituição. São Paulo: Atlas, 2012, p. 21. 89 BRASIL. Recurso Especial nº1.200.708/DF.

para cuja realização devem convergir todas as normas de direito positivo, em particular aquelas que disciplinam o direito de família, regulando as relações mais íntimas e intensas do indivíduo.”91

Deste aspecto individual chega-se no aspecto social, pois é na família que se assentam as colunas econômicas, e, por conseguinte, as raízes morais da organização social.92

Como o bom direito é aquele que antecipa e promove a transformação da sociedade, com objetivo de propiciar maiores chances de vida livre e dignidade humana a todos. O núcleo familiar é o responsável pelos valores das pessoas, pois é onde ocorre o desenho da personalidade e do caráter do ser humano, cada vez mais necessário o incentivo e o direcionamento ao comportamento desejável através de novos instrumentos jurídicos combatentes à crescente profusão da deformação dos regimes matrimoniais, já que diversos e cada vez mais inovadores são os engodos patrimoniais. Nesta ótica do direito constitucional de família, propomos o estudo das ferramentas existentes para desconstituir as arquitetadas fraudes patrimoniais, e por fim, a pesquisa da viabilidade de aplicação da pena de sonegação nas partilhas decorrentes do divórcio ou da dissolução da união estável, para mais do que o efeito posterior, da perda do direito sobre o bem maliciosamente excluído da meação, cause receio ao pretenso fraudador, e consequentemente, o incentivo de agir de acordo com os ditames éticos e sociais esperados de todos os seres humanos.

No documento Marina Pacheco Cardoso.pdf (páginas 32-35)

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