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Boa-fé objetiva na gestão patrimonial durante o casamento

No documento Marina Pacheco Cardoso.pdf (páginas 53-55)

3 DIREITO PATRIMONIAL 1 Noção de patrimônio

3.2 Princípios do direito patrimonial

3.2.7 Boa-fé objetiva na gestão patrimonial durante o casamento

Formada a sociedade conjugal, advém a comunhão plena de vida dos nubentes tanto na esfera afetiva como na patrimonial, consoante prevê o art.1.511 do Código Civil, cuja união é ainda mais completa quando o regime de bens escolhido pelo casal implica na comunicação do patrimônio, devendo o princípio da boa-fé objetiva reinar durante toda a existência do vínculo conjugal, inclusive no tocante à gestão patrimonial, pois apesar de existirem normas cogentes acerca da administração de bens, diversas são as formas silenciosas e aparentemente legais de driblá-las.

Além dos deveres e obrigações recíprocas dos consortes estabelecidas no art.1.566 do Código Civil, o legislador ao mesmo tempo fixou os atos que tanto o marido como a mulher podem livremente praticá-los (CC, art.1.642)159, e os atos que, nos regimes de comunhão de bens, dependem de autorização prévia do outro (CC, art.1.647),160 pois apesar de o casamento

do matrimônio, desde que ressalvados os direitos de terceiros e apuradas as razões invocadas pelos cônjuges para tal pedido. – Assim, se o Tribunal Estadual analisou os requisitos autorizadores da alteração do regime de bens e concluiu pela sua viabilidade, tendo os cônjuges invocado como razões da mudança a cessação da incapacidade civil interligada à causa suspensiva da celebração do casamento a exigir a adoção do regime de separação obrigatória, além da necessária ressalva quanto a direitos de terceiros, a alteração para o regime de comunhão parcial é permitida. – Por elementar questão de razoabilidade e justiça, o desaparecimento da causa suspensiva durante o casamento e a ausência de qualquer prejuízo ao cônjuge ou a terceiro, permite a alteração do regime de bens, antes obrigatório, para o eleito pelo casal, notadamente porque cessada a causa que exigia regime específico. – Os fatos anteriores e os efeitos pretéritos do regime anterior permanecem sob a regência da lei antiga. Os fatos posteriores, todavia, serão regulados pelo CC⁄02, isto é, a partir da alteração do regime de bens, passa o CC⁄02 a reger a nova relação do casal. – Por isso, não há se falar em retroatividade da lei, vedada pelo art.5º, inc.XXXVI, da CF⁄88, e sim em aplicação de norma geral com efeitos imediatos. Recurso especial não conhecido. (BRASIL. REsp 821.807⁄PR, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j.19⁄10⁄2006, DJ 13⁄11⁄2006, p.261). RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO. ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS. TERMO INICIAL DOS SEUS EFEITOS. EX NUNC. ALIMENTOS. RAZOABILIDADE. BINÔMIO NECESSIDADE E POSSIBILIDADE. CONCLUSÕES ALCANÇADAS PELA CORTE DE ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO NA VIA ELEITA. SÚMULA 7/STJ. 1 – Separação judicial de casal que, após período de união estável, casou-se, em 1997, pelo regime da separação de bens, procedendo a sua alteração para o regime da comunhão parcial em 2007 e separando-se definitivamente em 2008. 2 – Controvérsia em torno do termo inicial dos efeitos da alteração do regime de bens do casamento ("ex nunc" ou "ex tunc") e do valor dos alimentos. 3 – Reconhecimento da eficácia "ex nunc" da alteração do regime de bens, tendo por termo inicial a data do trânsito em julgado da decisão judicial que o modificou. Interpretação do art.1639, §2º, do CC/2002. 4 – Razoabilidade do valor fixado a título de alimentos, atendendo aos critérios legais (necessidade da alimentanda e possibilidade do alimentante). Impossibilidade de revisão em sede de recurso especial. Vedação da Súmula 07/STJ. 5 – Precedentes jurisprudenciais do STJ. 6 – RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Terceira Turma. Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j.13/05/2014).

159 Art.1.642. Qualquer que seja o regime de bens, tanto o marido quanto a mulher podem livremente: I – praticar todos os atos de

disposição e de administração necessários ao desempenho de sua profissão, com as limitações estabelecida no inciso I do art. 1.647; II – administrar os bens próprios; III – desobrigar ou reivindicar os imóveis que tenham sido gravados ou alienados sem o seu consentimento ou sem suprimento judicial; IV – demandar a rescisão dos contratos de fiança e doação, ou a invalidação do aval, realizados pelo outro cônjuge com infração do disposto nos incisos III e IV do art. 1.647; V – reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis, doados ou transferidos pelo outro cônjuge ao concubino, desde que provado que os bens não foram adquiridos pelo esforço comum destes, se o casal estiver separado de fato por mais de cinco anos; VI – praticar todos os atos que não lhes forem vedados expressamente.

160Art.1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da

separação absoluta: I – alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; II – pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos; III – prestar fiança ou aval; IV – fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação. Parágrafo único. São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia

não ser o fim da vida pessoal, a comunhão plena de vida é “uma verdadeira fusão de vontades ao derredor de um objetivo comum.”161

Muito embora não seja intenção elencar e abordar as situações individuais, para melhor compreensão deste trabalho, mister expor que a exigência do consentimento para determinados atos visa coibir ações que possam resultar na redução do patrimônio imobiliário. Ou seja, olvidou o legislador de proteger os bens móveis, os quais muitas vezes são de grande valor, e infelizmente, em face da lacuna legal, são retirados do acervo comum às vésperas da dissolução conjugal em total abuso ao direito gestacional do cônjuge, cuja conduta, não rara, além de afrontar os deveres éticos e de lealdade, configura verdadeira afronta à boa-fé objetiva, por se tratar de um ato contraditório ao inicial, quando da escolha do regime de bens, e ainda caracterizar nítido enriquecimento indevido do responsável pelo esvaziamento patrimonial.

Bem lembrado por Rolf Madaleno, os ilícitos gerenciais também são cometidos com o uso de esquecidas procurações outorgadas por um dos cônjuges ao outro com intuito de facilitar a administração do acervo comum, e até mesmo de patrimônio particular do outorgante.162

Além do desvio dos bens móveis, as pessoas jurídicas são um campo fértil para o exercício abusivo da gestão do patrimônio conjugal, conforme veremos mais detalhadamente no Capítulo 6, pois as alterações no âmbito societário independem de anuência do cônjuge, e desta prerrogativa muitos cônjuges imbuídos de má-fé se aproveitam, por exemplo, para aparentemente deixar o quadro social e não incluir a participação societária na partilha de bens; transformar o tipo societário e reduzir o valor das quotas ou ações; adquirir bens em nome da pessoa jurídica e ter a livre disponibilidade para venda; cindir a sociedade através da dissolução parcial ou total, judicialmente ou meramente de fato163. O empresário ainda pode dispor dos bens da empresa sem a outorga conjugal, consoante permite o art.978 do Código Civil. Essas e outras infinitas manobras na administração dos bens conjugais permitem ao gestor concretizar o descaminho patrimonial, por isso a importância do princípio da boa-fé objetiva, pois os limites legais, infelizmente, não evitam os abusos cometidos durante a relação conjugal, os quais

separada.

161 FARIAS, Cristiano Chaves de Farias; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. 5.ed. Salvador: JusPodivm, 2013,

p.362,

162 MADALENO, Rolf Hanssen. Curso de direito de família. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.826.

163 RIZZARDO, Arnaldo. Casamento e efeitos de participação social do cônjuge na sociedade. In: WELTER, Belmiro Pedro;

normalmente são feitos como prévia preparação da dissolução do matrimônio, onde igualmente a eticidade deve estar presente.

No documento Marina Pacheco Cardoso.pdf (páginas 53-55)

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