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AÇÃO SINDICAL REIVINDICATIVA E O PROFESSOR

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1 A FORMAÇÃO DOS INTELECTUAIS EM GRAMSCI

4.2 AÇÃO SINDICAL REIVINDICATIVA E O PROFESSOR

Neste subitem, a questão norteadora refere-se à forma como o professor entra na luta sindical passa, necessariamente, pela importância da ideologia meritocrática na determinação das atitudes adotadas perante o sindicalismo.

Boito Jr. (2004) identifica duas situações possíveis em relação ao trabalhador de classe média decorrentes do meritocratismo: uma que rejeita a organização e a luta sindical e outra que estabelece uma prática sindical dentro dos limites impostos pela ideologia e pelos interesses de classe média.

O sindicalismo de classe média alavancou em meados dos anos 1970 pela conjuntura política e econômica de proletarização dos integrantes da classe média. Esse fenômeno conhecido como novo sindicalismo, desencadeado pelos operários

do ABC paulista, propunha a ruptura com o formato sindical vigente reivindicando melhorias econômicas e sociais além da abertura política.

O “Novo Sindicalismo” trouxe, no bojo das lutas desenvolvidas, a criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) em 1983, organismo intersindical que se consolidou com o discurso da hegemonia da classe trabalhadora. Porém, a partir dos anos 1990 ocorreu um esgotamento desse discurso que pode ser analisado sob o ponto de vista da crítica ao discurso pretensamente hegemônico.

Novas leituras sobre a organização sindical docente foram desenvolvidas, como por exemplo, a ideia de uma especificidade da ação sindical docente.

Sonia Portella Kruppa (1994) buscou comprovar a hipótese de que o movimento sindical de professores teria obtido mais força quando fez uso de uma práxis fundamentada em seu saber fazer docente e não quando tentou copiar o modelo tradicional (operário). (PAULA, 2009, p. 1680, parênteses do autor)

Apontamos ainda o posicionamento das autoras Angelina Peralva e Claudia Vianna, conforme cita Paula (2009), que defendem a necessidade de “[...] romper com a dicotomia professor sacerdote x professor trabalhador, recorrente entre aqueles que procuravam destacar apenas as aproximações do sindicato docente ao sindicato operário”. (p. 1680) Pois, a crise dos movimentos sindicais dos anos 1990 “[...] seria resultado da sobreposição de reivindicação salarial às reivindicações educacionais, menosprezando identidades que estariam em permanente conflito”. (PAULA, 2009, p. 1681)

Entendemos que a ação sindical docente sofre influência direta da ideologia meritocrática, que se fundamenta na capacidade individual para obtenção do nível salarial, das condições de trabalho e das condições de vida, diferentemente dos movimentos sindicais que se baseiam na luta coletiva para obtenção das mesmas vantagens.

Dessa forma, o efeito causado pela ideologia meritocrática é de isolamento, pois, “[...] o assalariado de classe média não se unifica num coletivo de luta e permanece atomizado porque aderir à ação sindical seria admitir uma incapacidade pessoal e um rebaixamento social.” (BOITO JR., 2004, p. 225), ou seja, objetiva a não identificação com os trabalhadores manuais.

Como explicar então a participação dos professores em movimentos sindicais? “O meritocratismo pode, a despeito do efeito de isolamento que lhe é peculiar, articular-se com o sindicalismo graças ao deslocamento de ênfase do mérito individual para o da profissão.” (ibid., p. 228). O professor passa, então, a “[...] defender a posição relativa do salário da profissão na hierarquia salarial”. (ibid., p.228)

Assim, esse sindicalismo caracteriza-se pela defesa da posição relativa dos salários de uma determinada profissão na escala social das profissões e, também, pelo corporativismo representado pelos sindicatos profissionais. “Tal sindicalismo induz a uma identificação coletiva restrita, fechada no universo da profissão, sendo refratário, por esse motivo, à politização da luta sindical.” (ibid., p. 229)

Apresentamos uma questão aos entrevistados sobre como ele veem o professor entrar na ação sindical, se com metas e objetivos comuns a todos os movimentos sociais. Uma das respostas permite apreender o corporativismo presente nas organizações sindicais docentes: “Acho que todo professor que entra

na ação sindical, tem metas e objetivos comuns aos professores no que diz respeito às demandas mais imediatas da categoria como, por exemplo, salário, condições de trabalho.” (RG).

Esse entrevistado, porém, faz questão de ressaltar as diferenças existentes entre os vários sindicatos docentes.

Você vai encontrar, inclusive, sindicatos de professores no Estado de São Paulo, que não possuem perspectiva de uma outra sociedade, é uma luta, bem mais corporativa no sentido de se limitar aos interesses específicos, imediatos da categoria.

Portanto, esses sindicatos que não têm uma concepção como sociedade, tendem a não pensar a luta de forma classista, como outras categorias, não é o caso da Apeoesp. (RG)

Para RG existem professores que entram na luta sindical com objetivos diferentes dos descritos acima, principalmente os militantes.

Ele apresenta geralmente objetivos maiores que também o trazem para o sindicato que é a constituição de outra sociedade, por exemplo, a maioria dos sindicalistas que são todos da Apeoesp, pensam em uma sociedade socialista. Com isso, para além da demanda cotidiana, da luta pelo salário e pelas condições, há uma perspectiva. [...] A Apeoesp, por exemplo, é um sindicato que faz parte da central única dos trabalhadores e se relaciona muito intensamente, com metalúrgicos, bancários, químicos; tem uma

concepção de sociedade que não seja o capitalismo. Atua também, e tem que ser assim, nos interesses corporativos mais imediatos, na defesa de salários e condições de trabalho, mas é uma outra concepção. Então, quando você fala se o professor entra na ação sindical reivindicando por metas e objetivos comuns a todos os movimentos sociais, depende, ele pode ter como pode não ter. Isso vai determinar onde ele vai militar, porque ele pode vir militar aqui na Apeoesp, como pode militar no CPP84 ou em outro sindicato, vai depender da visão de mundo que ele tem. (RG)

Boito Jr. (2004) identifica na história do sindicalismo brasileiro a adesão de amplos setores da classe média, apesar de viver uma fase relutante, a uma central sindical que congrega também o setor operário. Adverte, porém, para o fato de que:

É possível pensar, portanto, uma gradação na aproximação do sindicalismo de classe média com o sindicalismo operário. Essa gradação decorre tanto da situação de trabalho da fração considerada da classe média, quanto da situação geral da luta política e ideológica do país, que incide sobre a própria definição de pertencimento de classe dos assalariados não manuais. (p. 230)

Assim os efeitos da meritocracia na luta sindical dependem, inclusive, da conjuntura política.

Não, há sindicatos que não têm essa concepção. O CPP não tem essa concepção. Agora, não é só isso também, por exemplo, há bandeiras mais imediatas que não dizem respeito necessariamente um modelo societário e que nós precisamos estar juntos, com outras categorias, para fazer o enfrentamento. Por exemplo, a reforma da previdência, que não vai ser vencida só por uma categoria, ela precisa de uma central. (RG)

Questionamos se não existe um sentimento, por parte dos sindicatos e dos sindicalistas docentes, de diferenciação por conta de ser um sindicato de intelectuais? A esse respeito, o entrevistado afirmou:

Não do ponto de vista dos professores militantes, pois faz parte da formação política desde o movimento estudantil, desde outros movimentos. Tem gente que veio do sindicato dos metalúrgicos e se tornou professor, mas já era militante do sindicato dos metalúrgicos. Tem gente que atuava no movimento social de habitação e hoje é professor, assim como você tem professor que deixou de ser professor, mas você tem um universo de professores militantes que tem clareza da necessidade da unidade de classe e das questões de classe que envolvem uma sociedade capitalista. (RG)

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No entanto, não há como deixar de destacar que, mesmo contendo um discurso progressista, o sindicalismo da classe média não consegue se abster de afirmar o mérito da profissão em detrimento de outras profissões de trabalho manual.

Na base dos professores, há uma diversidade muito grande de posições políticas ideológicas, inclusive aquelas preconceituosas de que o sindicato tem que ser apenas um sindicato de professores, ou, eventualmente, quando fazemos atos políticos com outras categorias ou outros segmentos da sociedade, como MST, vêm com certa apreensão, mas não acho que seja significativo. Agora, você vai ter eventualmente uma ou outra porque é uma base muito diversificada. (RG)

As tendências políticas e organizacionais do sindicalismo docente são também apontadas na questão sobre a forma de entrada do professor na ação sindical, se suas motivações são comuns a todos os movimentos sociais.

Recorremos a Gindin (2013) para a identificação das principais tendências políticas e organizacionais dos sindicatos de educação focalizando especialmente a Apeoesp para, a partir da análise das questões apresentadas pela professora entrevistada, identificar as aproximações com a questão do corporativismo e do sindicalismo de Estado, presentes nos movimentos característicos de classe média.

As mobilizações dos professores nos anos 1978 e 1979 foram motivadas principalmente pelas greves dos metalúrgicos do ABC e “A APEOESP (São Paulo) era a principal associação dirigida por petistas. Esses disputavam a direção do movimento com docentes do Partido Comunista (PC), do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e outros quadros de esquerda que se mantinham à margem do PT.” (GINDIN, 2013, p. 78). Porém, com a criação da CUT, em 1983, estabeleceu-se uma hegemonia sindical petista com ampla filiação dos sindicatos.

Esse foi um período de intensa mobilização onde os professores “promoviam a construção de entidades únicas com outros segmentos de trabalhadores em educação [...]”. (ibid., p. 79-80)

Apesar da luta pelo reconhecimento legal dos sindicatos, o que aconteceu em 1988 com a promulgação da Constituição Federal não parece ter sido algo tão relevante, pois “várias organizações já contavam com o desconto sindical automático na folha de pagamento dos sócios, já tinham diretores liberados, já participavam do movimento sindical e as suas lideranças eram protegidas do

despido arbitrário pela estabilidade trabalhista garantida aos funcionários concursados.” (ibid., p. 80)

O sindicalismo docente foi se consolidando progressivamente e “A partir de 1989, coma eleição de Roberto Felício (APEOESP) como presidente da CNTE85, a hegemonia dos cutistas, e de Articulação Sindical (direção da CUT), não é mais seriamente contestada” (ibid., p. 80)

Com a municipalização da educação, a CNTE teve de enfrentar um novo desafio equalizado através da negociação com o governo federal para incorporação dos sindicatos de educação municipais, além da representação dos professores das redes estaduais. Isso significou a concentração do ativismo docente em uma única entidade, pois as entidades tradicionais e organizações menores que não se unificaram, ou foram extintas ou se integraram de maneira a completar o processo de mobilização.

São Paulo constitui-se em uma situação excepcional por possuir um sindicato hegemônico e organizações menores que disputam segmentos da sua base e também por contar com diferentes organizações sindicais, tais como as dos supervisores e diretores.

Possivelmente a explicação dessa situação decorra, parcialmente, do fato de se tratar de uma rede muito grande, com muita tradição e claramente hierarquizada (a promoção vertical se logra mediante concurso) fato que contribui para uma forte identidade de cada segmento de trabalhadores em educação. (GINDIN, 2013, p. 90)

Apresentamos, a seguir, as repostas da professora entrevistada, sobre se os objetivos dos professores, na luta sindical, eram os mesmos de outros movimentos sociais, mas sem antes não deixar de assinalar o caráter corporativista de tipo profissional ora identificado.

Acho que é tão perverso, (os professores) tem objetivos próprios específicos, porque estou pensando em quem conduz o movimento sindical. Acho que tem o aparelhamento, ele está ali dizendo: “olha, eu tenho um grupo dentro do PT, um dentro do PSol, tenho um grupo dentro de um partido político e tenho um movimento sindical como um aparelho, porque tem um dinheiro mínimo e acaba virando uma burocracia”. Quando você chega livre, não consegue se agregar a grupo algum. (CG)

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A professora ressalta o fato de existir certo domínio dentro do sindicato, algo que se torna impeditivo de propostas de discussões e reivindicações diferentes daquelas que são escolhas e opções dessas lideranças dominantes.

É um partidarismo... Até mesmo para Gramsci o partidarismo é algo extremamente importante, mas no sentido de eu ser partidário ao proletariado de maneira geral, quer dizer, eu ser partidário da luta de classe, da revolução, da política maior, promover mesmo a revolução. Hoje a gente não sente isso dentro do sindicato. O próprio Gramsci fala da pequena política e acredito que estamos vivendo o auge dela. É por isso que estamos perdendo tudo, porque tudo você tem que pedir. (CG)

A professora complementa sua resposta mostrando um exemplo que gostaria de ver encampado pelas lutas sindicais pela importância que lhe atribui.

Porque a própria questão, por exemplo, das escolas sem partido, ninguém fala sobre isso. É impressionante, ela vem pautada na constituição de 69, que tirou a liberdade de cátedrado professor. Eu não sei por que ninguém fala isso. Será que temos que falar nas redes sociais, sozinhos, para ninguém? É uma coisa que a gente pensa, por que não se ataca?[...] A gente tem tentado, mas é o que falo pra todo mundo, já nem uso esmalte na unha porque estou cansada de “cavar terra”. Você tem que cavar várias vezes para tentar ver se aparece uma luz, a gente tem encontrado pessoas boas, mas você não tem uma política. (CG)

A entrevistada assinala para o fato de que seria muito pior sem o sindicato e que não quer perdê-lo, mas que gostaria de ver uma ação muito mais voltada para a defesa efetiva da classe trabalhadora.

Eu também não quero perdê-lo porque ir pra 1948 é pior. Ou seja, ruim com ele, mas é melhor que sem ele. Por exemplo, agora que vem a questão do negociado estar acima do legislado. Eles querem rasgar a CLT, imagina onde vamos chegar? O Temer veio para acabar com a Constituição de 88, se caiu o artigo 6º da Constituição que garante os direitos sociais, você mudou totalmente a possibilidade de um Estado social democrata. Sempre falo, porque as pessoas dizem que eu tenho mais jeito de Lênin do que de Gramsci que o meu jeito de ser está muito mais para Lênin porque sou muito rígida às vezes. (CG)

A nosso ver, Gramsci tinha uma verdadeira admiração por Lênin vendo-o como o intelectual completo. Diante dessa nossa afirmação a professora expôs seu pensamento: “Só que ele sabia que a ditadura do proletariado não iria pra frente. Eu

falei na mesa, sábado, eu sou uma „Gramsci Leninista‟. Falta isso e nem nos partidos discutimos mais.” (CG)

É difícil encontrar nos sites dos sindicatos discussões mais aprofundadas, mesas redondas etc. e que a década de 1970 era pródiga nisso. A despeito desse comentário, a professora afirmou:

Não encontra, porque ninguém faz. E nessa época você tinha ditadura, mas é aquela coisa dialética; aquela velha história do Saviani quando mais se falou em democracia foi quando ela menos existiu. Por isso que eu acho Gramsci perfeito, o pessimismo da razão, e utilizo a vontade. Tenho ido até em feiras, com minha caixinha de som, falar da reforma da previdência, pegar assinaturas, mas, vou sozinha porque eu tive um problema com o PSol aqui de São Bernardo que também me mandaram embora. Mas também, falo que vou criar o Lua dentro do PSol, liberdade, unidade no ativismo político, uma mistura de Gramsci, Freire e Sartrecom um pouquinho de Rosa Luxemburgo, ainda vamos constituir isso. [...] Se você pensar em Gramsci no sentido intelectual orgânico, Sartreno sentido do intelectual ativo, Freire no sentido do homem progressista que dialogava com as massas e a Rosa Luxemburgo com um pouquinho do “espontaneismo” das massas, mas olhando o partido como uma escola. Agora, como se faz isso? Porque você tem que quebrar a

estrutura. (CG, grifo nosso)

Não é possível desconsiderar o peso da hierarquia sindical, ou seja, há de fato uma gradação no interior dos sindicatos e o quanto isso se torna impeditivo no atendimento de muitas demandas.

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