• Nenhum resultado encontrado

O CONCEITO DE HEGEMONIA EM GRAMSCI

No documento Download/Open (páginas 50-61)

1 A FORMAÇÃO DOS INTELECTUAIS EM GRAMSCI

1.4 O CONCEITO DE HEGEMONIA EM GRAMSCI

O estudo do conceito de hegemonia em Gramsci fundamenta-se nos capítulos III e IV da obra “Gramsci e o bloco histórico”, de Portelli (1977).

No início do capítulo III, Hegemonia e bloco histórico, há uma discussão sobre a paternidade do conceito de hegemonia. Gramsci recusa a paternidade desse conceito atribuindo-o a Lênin no sentido de ditadura do proletariado, mostrando o vínculo entre essas duas noções nos ensaios sobre a Questão Meridional.

O proletariado pode tornar-se classe dirigente e dominante na medida em que consegue criar um sistema de alianças de classes que lhe permitirá mobilizar contra o capitalismo e o Estado burguês a maioria da população trabalhadora, o que significa na Itália, nas relações de classes reais lá existentes, na medida em que ele consiga obter o consentimento das massas camponesas. (GRAMSCI apud PORTELLI, 1977, p. 62)11

Entretanto, para Lênin a hegemonia representa o sistema de direção “[...] das massas trabalhadoras na cidade e no campo pelo proletariado, não somente para a derrubada do tzarismo e do capitalismo, mas igualmente para a construção do socialismo sob a ditadura do proletariado” (REICHERS apud PORTELLI, 1977, p. 62)12. Cabe ressaltar que para Lênin o Estado representa a sociedade política (hegemonia política) que deve ser derrubada.

Lênin, em seus escritos sobre hegemonia, insiste sobre seu aspecto puramente político: o problema essencial para ele é a derrubada, pela violência, do aparelho de Estado: a sociedade política é o objetivo e, para atingi-lo, uma prévia hegemonia política é necessária: hegemonia política, porque a sociedade política é mais importante, em suas preocupações estratégicas, do que a civil; assim, desta ele só retém o aspecto político. (ibid., p. 65)

Para Gramsci a ditadura do proletariado é o controle das sociedades civil e política, uma vez que se configura na direção e na dominação da sociedade, pois a

11

Citação de Portelli da obra de Gramsci em Italiano “La costruzione del Partido Comunista (1923- 1926)”.

12 Citação de Portelli da obra de Christian Riechers, Antonio Gramsci, “Marxismus in italien Frankfurt-

seu ver, a hegemonia só é alcançada quando a classe operária se alia com outras classes subalternas alargando assim a “base social” de direção. Portanto, a luta contra a classe dirigente se situa na sociedade civil, ou seja, a “hegemonia gramscista é a primazia da sociedade civil sobre a sociedade política”. (ibid., p. 65)

A hegemonia da classe dirigente está ancorada na atração exercida pelos seus intelectuais nas demais camadas de intelectuais, subordinando-os e criando assim um “bloco ideológico” vinculado à classe dirigente, tendo como objetivo anular os grupos rivais da antiga classe dirigente.

A hegemonia de um centro diretor sobre os intelectuais afirma-se através de duas linhas principais: 1) uma concepção geral da vida, uma filosofia que ofereçam aos aderentes uma “dignidade” intelectual que crie um princípio de distinção e um elemento de luta contra as velhas ideologias que dominam pela coerção; 2) um programa escolar, um princípio educativo e pedagógico original que interessem e proporcionem atividade própria, no domínio técnico, a essa fração dos intelectuais, que é a mais homogênea e numerosa (os educadores, do mestre-escola aos professores universitários). (GRAMSCI apud PORTELLI, 1977, p. 66,)13

O Bloco Ideológico, por meio dos representantes das classes dirigentes, além de orientar os grupos de intelectuais das outras classes, também exerce o controle das outras camadas sociais. Assim, a desagregação do bloco ideológico desestrutura e debilita a hegemonia do grupo dirigente e possibilita a passagem à ditadura.

Por hegemonia, Gramsci compreende a importância histórica e política da sociedade civil no seio do bloco histórico.

O nível da sociedade civil corresponde à função de “hegemonia” que o grupo dirigente exerce em toda a sociedade. Em tal sistema, a classe fundamental ao nível estrutural dirige a sociedade pelo consenso, que ela obtém graças ao controle da sociedade civil; esse controle caracteriza-se, particularmente, pela difusão de sua concepção de mundo junto aos grupos sociais, tornando-se assim “senso comum”, e pela constituição de um bloco histórico homogêneo, ao qual cabe a gestão da sociedade civil. (PORTELLI, 1977, p. 67)

Desse modo, a sociedade política, pelo controle ideológico do bloco histórico, passa a um papel auxiliar tendendo a integrar-se na sociedade civil. „É nessa medida que a hegemonia é qualificada por Gramsci de “democrática” (ibid., p. 68)

Portelli (1977) menciona que o termo ditadura ou dominação é utilizado por Gramsci para “definir a situação de um grupo social não hegemônico, que domina a sociedade exclusivamente através da coerção, graças à detenção do aparelho de Estado. Esse grupo não detém – ou não mais – a direção ideológica”. O período da primazia da sociedade política é transitório entre dois períodos hegemônicos. (p. 68)

Um sistema hegemônico coerente consiste na edificação de um poderoso “bloco ideológico”, sendo que este pode ser igualmente utilizado pela classe fundamental, de modo que sua função não seja dirigente e sim, dominante. “Tal situação ocorre em caso de „transformismo‟, isto é, quando a classe dirigente agrega em torno de si os intelectuais dos outros grupos sociais para decapitar sua direção política e ideológica”. (ibid., p. 69)

Como um processo orgânico o transformismo “traduz a política da classe dominante que recusa qualquer compromisso com as classes subalternas e assim atrai seus chefes políticos para agregá-los à sua classe política.” (ibid., p. 71)

A absorção ideológica é o processo mais eficaz da política transformista. Para Gramsci, no caso italiano, Croce foi seu principal representante porque conseguiu reintegrar no bloco ideológico os intelectuais meridionais em ruptura com o clero além de conseguir separá-los “[...] das massas camponesas, fazendo-os participar da cultura nacional e europeia, e, através dessa cultura, fez com que fossem absorvidos pela burguesia nacional”. (PORTELLI, 1977, p. 72)

O estudo do transformismo é importante porque permite mostrar a complexidade das relações entre a hegemonia e a ditadura.

O transformismo torna-se assim um meio de a classe fundamental evitar os inconvenientes da hegemonia conservando, porém, suas vantagens: em lugar de uma primazia da hegemonia sobre a ditadura, produz-se o inverso: a ditadura não é a simples e primitiva utilização da coerção, mas a decapitação pacífica dos grupos inimigos; a hegemonia limita-se ao nível da superestrutura: hegemonia dos intelectuais da classe dominante sobre os dos outros grupos sociais, que leva à dominação da classe fundamental sobre as outras classes [...] (ibid., p. 73)

Nesse caso a ditadura não é mais transitória, pois a sociedade política domina a sociedade civil.

É fundamental, portanto, a compreensão da relação entre hegemonia e bloco histórico. Qualquer estudo sobre bloco histórico precisa considerar o papel histórico

da classe fundamental a nível internacional para assim compreender sua estratégia a nível nacional.

[...] a formação do bloco histórico italiano sob a dominação da burguesia foi facilitada pela força hegemônica da burguesia sobre toda a Europa na mesma época, e pela prévia formação de um bloco histórico local estreitamente dirigido pela burguesia, no Piemonte. (ibid., p. 76)

Segundo Portelli (1977), é essencial não fazer confusão entre a noção de hegemonia e aliança de classes, uma vez que, segundo sua concepção, alguns intérpretes de Gramsci deformaram a noção de hegemonia.

A base social da hegemonia pressupõe, por definição, a existência de uma classe dirigente e classes dirigidas e o problema reside em saber qual a relação entre elas. A classe dirigente possui dupla primazia:

A nível estrutural, porque é a classe fundamental no campo econômico; a nível superestrutural porque tem a direção ideológica através do bloco intelectual. Os grupos aliados, ao contrário, cumprem um papel secundário tanto em um como em outro nível do bloco histórico. (ibid., p. 78)

Porém, a classe fundamental necessita dos grupos “auxiliares” ou “aliados” para reforçar seu poder, mas ao mesmo tempo devem considerar os interesses desses aliados. “É nessa medida que o sistema hegemônico pode ser qualificado de aliança [...]” (ibid., p. 78)

Há momentos em que o interesse do grupo dirigente coincide com os interesses dos grupos auxiliares, “a multiplicação dos quadros intelectuais (ensino, partidos, mass media etc.), da burocracia de Estado ou de empresa, bem como o parasitismo econômico, oferecem e essas camadas auxiliares possibilidades de emprego estreitamente dependentes da hegemonia da classe dirigente”. (GRAMSCI

apud PORTELLI, 1977, p. 79)14

Gramsci defende um compromisso amplo da classe operária com o campesinato, na Itália, lembrando sempre do “caráter profundamente hegemônico da direção do proletariado [...]” (PORTELLI, 1977, p. 79), como classe fundamental a nível econômico.

No interior do bloco histórico o sistema hegemônico distingue três tipos de grupos sociais com funções distintas: a classe fundamental, que dirige o sistema

hegemônico; a classe auxiliar, que serve de base social à hegemonia; e as classes subalternas, que estão excluídas do sistema hegemônico. Desse modo, o regime de relações entre a classe dirigente e as classes subalternas é a coerção, exercida predominantemente pela sociedade política. A falta de unidade e homogeneidade das classes subalternas liga-as historicamente à sociedade civil, no sentido de que só conseguirão unificar-se quando puderem se tornar Estado formando, assim, um novo sistema hegemônico, uma nova sociedade civil. Contudo, a classe dirigente sempre responde coercitivamente às tentativas renovadas de unificação.

O exemplo das classes subalternas sublinha que o problema das relações hegemonia-ditadura aparece, em última análise, na estrutura e no papel do bloco ideológico, na natureza do vínculo que une as diversas classes sociais, isto é: na posição dos intelectuais no seio do bloco histórico. (ibid., p. 81)

A unidade do bloco histórico depende da natureza do vínculo orgânico entre estrutura e superestrutura e, no seio desta, entre sociedade civil e sociedade política.

Para Gramsci, a organicidade da superestrutura ocorre na sua ligação com uma certa estrutura, ou seja, exerce a função de organização da estrutura desempenhada historicamente pelos intelectuais. Portanto, intelectuais não são aqueles correntemente referidos de “grandes intelectuais”, mas sim esses agentes da superestrutura que, “no conjunto do sistema de relação no qual as atividades intelectuais (e, consequentemente, os grupos que a personificam) vêm encontrar-se no seio do complexo geral das relações sociais.” (GRAMSCI apud PORTELLI, 1977, p. 84)15

Na caracterização do vínculo entre o intelectual e a classe fundamental, nota- se que os intelectuais não constituem uma classe propriamente dita: “Não existe uma classe independente de intelectuais, mas cada grupo social possui sua própria camada de intelectuais, ou tende a formá-la”. (GRAMSCI apud PORTELLI, 1977, p. 85)16

Entretanto, as camadas mais importantes e complexas constituem-se a partir das classes fundamentais no domínio econômico: “Assim, formam-se categorias especializadas para o exercício da função intelectual, em conexão com todos os grupos sociais mais importantes, e conhecem uma elaboração mais extensa e

15 Citação de Portelli da obra de Gramsci “Gli intellettuali e l‟organizzazione della cultura”. 16

complexa, na estreita relação com o grupo dominante”. (GRAMSCI apud PORTELLI, 1977, p. 85)17

Quando o intelectual se origina da classe que representa, seu vínculo é particularmente estreito, orgânico, principalmente nas camadas superiores de intelectuais.

Tal situação não se produz, pelo menos inicialmente, no caso das classes subalternas, que são obrigadas a “importar” seus intelectuais, e particularmente os “grandes intelectuais”. Isso explica a grande vulnerabilidade dessas classes: a “consciência de classe” de seus intelectuais pode ser menos elevada e os dirigentes das classes dominantes tentarão permanentemente integrar esses intelectuais à classe política, particularmente através do recurso ao transformismo. (PORTELLI, 1977, p. 85)

A consciência de classe do intelectual será maior quando houver coincidência da sua identidade de representante e de representado significando com isso que será considerado como o representante da classe de onde se originou e não simplesmente como membro de tal classe (o chefe de empresa, o homem político). Porém, para a massa de intelectuais a origem social é secundária já que o vínculo orgânico depende da estreiteza da relação entre o intelectual e a classe que ele representa. Assim, os intelectuais não se constituem uma categoria isolada de uma classe social, um intelectual sem vínculo orgânico tem importância desprezível quanto às ideologias que produz.

A função do intelectual no seio da superestrutura é fazer com que a classe à qual se vincula organicamente exerça um papel hegemônico e homogêneo na sociedade.

Para Gramsci (apud PORTELLI, 1977), os intelectuais “frequentemente não passam de especializações de certos aspectos parciais da atividade primitiva do novo tipo social ao qual essa nova classe deu origem.” (p. 87)18

Com a burguesia vemos surgir diferentes camadas de intelectuais: técnicos, economistas etc., qualificado por Gramsci de “econômico-corporativo”, esse primeiro estágio não ultrapassa o nível econômico e atinge principalmente as classes subalternas.

17 Citação de Portelli da obra de Gramsci: “Gli intellettuali e l‟organizzazione della cultura”. 18

Entretanto, para uma classe fundamental, que aspira à direção da sociedade, a função dos intelectuais será o exercício da hegemonia e da dominação por meio da difusão de material e da animação e gestão da “estrutura ideológica” da classe dominante no seio das organizações da sociedade civil, e, também, como agentes da sociedade política encarregados da gestão do aparelho de Estado e da força armada (homens políticos, funcionários, exército etc.).

“Cada uma dessas funções – hegemônica, coercitiva, econômica – contribui para a unidade da classe fundamental e sua hegemonia no seio do bloco histórico”. (PORTELLI, 1977, p. 87)

O intelectual desfruta de certa autonomia em relação à estrutura socioeconômica que pertence. Essa autonomia se deve, em parte, pela origem social. Alguns se originam da classe que representam, porém a grande maioria provêm das classes auxiliares aliadas da classe dirigente, principalmente daquelas que historicamente “produzem” intelectuais – pequena e média burguesia. Deve-se, também, pela função própria de intelectual que “é exercer a direção ideológica e política de um sistema social, homogeneizar a classe que ele representa”. (ibid., p. 88)

Um dos aspectos essenciais da organicidade do vínculo que une os intelectuais à classe dominante é sua autonomia, aspecto esse necessário à hegemonia sobre todo o bloco histórico.

A relação entre os intelectuais e o mundo da produção intensificada pelo choque entre os intelectuais orgânicos da classe dominante e os intelectuais originários do antigo bloco histórico acontece indiretamente por meio das superestruturas.

Com o advento do capitalismo, as camadas de intelectuais foram se modificando. “O velho tipo de intelectual era o elemento organizador de uma sociedade de base essencialmente camponesa e artesanal” (ibid., p. 89). Já a indústria introduziu um novo tipo de intelectual: o quadro técnico – o especialista da ciência aplicada.

O novo bloco histórico passou a constituir grupos de intelectuais vinculados às classes fundamentais que farão oposição aos intelectuais tradicionais, antigo bloco histórico. Para efetivar sua hegemonia, esta nova classe fundamental precisa

absorver ou suprimir os intelectuais tradicionais. “A luta que opôs os intelectuais orgânicos da burguesia ao clero – intelectual tradicional – era realmente uma luta pela hegemonia sobre o bloco histórico”. (ibid., p. 91)

Vale lembrar que, para Gramsci, no estudo sobre os meridionais italianos, seria mais fácil a absorção dos intelectuais tradicionais vinculados à massa social camponesa e pequeno-burguesa da cidade que continuaram como orgânicos, do que a absorção dos intelectuais tradicionais que dirigiam a antiga sociedade política.

Apesar da autonomia da Igreja na Idade Média, o clero tornou-se o intelectual orgânico coletivo da aristocracia fundiária. O objetivo essencial da burguesia para realizar sua hegemonia no seio da sociedade civil era, pois, o de criar sua própria ideologia-concepção de mundo e atrair o clero para suas posições, ou combatê-lo. (PORTELLI, 1977, p. 91)

Gramsci considera que na França, no século das Luzes, o clero atingiu tal nível de desagregação que a burguesia chegou a acreditar poder assimilar totalmente a Igreja. Foi um longo período de lutas, onde tradicionais e orgânicos disputaram a sociedade civil, mas sob a direção dos orgânicos.

Diferentemente, na Itália a debilidade superestrutural da burguesia obrigou-a a aliar-se à Igreja confiando-lhe a direção de grande parte da sociedade civil, formando assim o “bloco industrial-agrário”. Ao Norte o clero se alia com a burguesia industrial e ao Sul com a aristocracia fundiária.

Os intelectuais tradicionais costumavam se apresentar como autônomos pois, se por um lado perderam a base social à qual estavam organicamente organizados, por outro, formaram uma casta fortemente organizada.

Quando os intelectuais tradicionais são absorvidos pelos intelectuais orgânicos, configura-se a formação do “bloco intelectual” que pode se afirmar como autônomo porque estabelece “[...] no plano ideológico, uma junção com uma categoria precedente através de uma mesma nomenclatura de conceitos”. (ibid., p. 93)

Gramsci esclarece esta autonomia através do exemplo italiano de Croce, originalmente o intelectual do bloco agrário, que por meio de aliança politica e ideológica com a aristocracia fundiária do Sul e a burguesia industrial do Norte tornou-se o “papa laico” do sistema hegemônico.

Desse modo, “[...] os intelectuais orgânicos não podem afirmar-se como continuação dos antigos intelectuais, na medida em que estes foram ou permanecem como gerentes da antiga sociedade que combatem.” (ibid., p. 93)

Ao se reconhecerem como novos e como “continuadores” dos intelectuais antigos, os intelectuais orgânicos, demonstram que não estão vinculados ao novo grupo social que representam, mas sim, realmente ligados ao sistema hegemônico antigo e que ainda, historicamente, não se criaram novas estruturas.

A atração exercida pelos intelectuais orgânicos sobre os intelectuais tradicionais leva, seja à adesão destes, com a manutenção de sua organização, seja a uma fusão, no próprio seio da organização superestrutural. Neste último caso, os órgãos onde se realiza essa fusão são o aparelho de Estado, na esfera da sociedade política, e os partidos, na esfera da sociedade civil. Sua função aí é operar a “soldadura” entre essas duas camadas de intelectuais. (PORTELLI, 1977, p. 94)

Gramsci acredita que o partido realiza essa soldadura de forma mais completa e orgânica do que o Estado e que, se não existir a fusão entre orgânicos e tradicionais no seio do Estado observamos graves consequências para a evolução da estrutura econômica.

É importante a presença de intelectuais tradicionais na massa dos intelectuais porque isso reforça o papel da superestrutura no bloco histórico, mas reduz o ritmo da evolução histórica, impedindo a superestrutura de seguir o desenvolvimento da estrutura, a ponto de, às vezes, detê-lo, como é o caso da Europa.

Contrariamente, os Estados Unidos beneficiam-se de uma situação historicamente excepcional e privilegiada: a ausência de intelectuais tradicionais “[...] desenvolveu-se sem o peso dos vestígios dos blocos históricos precedentes criando assim uma poderosa superestrutura, vinculada unicamente à base industrial.” (ibid., p. 95) No plano político, uma grande homogeneidade da classe política. Isso implica a existência dos dois únicos partidos e como aspecto oposto, a multiplicação ilimitada das seitas religiosas.

Na América Latina, “As forças cristalizadas que ainda hoje resistem nesses países são o clero e uma casta militar, duas categorias de intelectuais tradicionais

fossilizados na forma que lhes deu a mãe-pátria europeia” (GRAMSCI apud PORTELLI, 1977, p. 95)19

Esta comparação serve para mostrar que o fator essencial da contradição estrutura/superestrutura são os intelectuais tradicionais.

“A distinção entre intelectuais orgânicos e intelectuais tradicionais permite estudar a formação do sistema hegemônico” (ibid., p. 96), porque o “bloco ideológico” se vincula organicamente ao bloco histórico.

A análise da superestrutura permite perceber a hierarquia qualitativa dos intelectuais que exclui aqueles que não exercem funções intelectuais. “No aparelho de direção social e governamental, existe toda uma série de empregos de caráter manual e instrumental (função de pura execução e não de iniciativa, de agentes e não de oficiais e funcionários)” (GRAMSCI apud PORTELLI, 1977, p. 96)20

A superestrutura comporta qualitativamente a função dos intelectuais, na cúpula os criadores da nova concepção de mundo e de seus diversos ramos: ciências, filosofia, arte, direito etc.; no escalão inferior, aqueles que estão encarregados de administrar ou divulgar essa ideologia, para Gramsci, o criador, o administrador e o educador. Essa distinção combina-se com a dos intelectuais das sociedades civil e política – na qual os educadores não têm papel importante.

A distinção entre criador e organizador reflete a preocupação de Gramsci com a tendência em privilegiar ideologicamente os grandes intelectuais da sociedade civil, diferentemente dos intelectuais da sociedade política, que não podem negligenciar a absorção ou liquidação dos intelectuais subalternos.

Essa diferença de análise e estratégia mostra, ainda uma vez, a diferença fundamental, no seio da superestrutura, entre sociedade civil e sociedade política, e a primazia da primeira, ainda que, pelo menos, devido às dificuldades estratégicas provocadas pela luta ideológica para sua desagregação. (ibid., p. 97)

Importa-nos salientar que Gramsci não subestima o bloco dos intelectuais subalternos, mas compara a hierarquização dos intelectuais à organização militar.

O organismo militar, também neste caso, oferece um modelo destas complexas gradações: oficiais subalternos, oficiais superiores e

No documento Download/Open (páginas 50-61)