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QUEM COMPÕE A CLASSE MÉDIA?

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1 A FORMAÇÃO DOS INTELECTUAIS EM GRAMSCI

2.1 QUEM COMPÕE A CLASSE MÉDIA?

A definição de classe média passa, necessariamente, pela percepção do local na estrutura social dos indivíduos que a compõem.

A multiplicidade de referências é um dado objetivo na vida da classe média. Não só sua própria trajetória é feita de altos e baixos, com oscilações na posição social, como seus parâmetros são extraídos de um universo de estilos de vida bastante diversificado, com o qual convive cotidianamente. Assim, um estudo voltado para a compreensão da visão de mundo desses segmentos requer que se

atente para as várias formas como esses indivíduos se percebem na estrutura social. (BONELLI, 1989, p. 15)

Maria Lucia Bonelli distingue dois estratos no interior da classe média, os quais denomina de classe média-alta e classe média-média. A autora usa como referência para identificação desses estratos o status ocupacional e considera como classe média-média os docentes (excetuando-se os docentes universitários), os pequenos e médios proprietários, as ocupações burocrático-administrativas de escalão médio e as ocupações não manuais de nível técnico e/ou qualificadas.

Ressaltamos que a localização desta enorme massa heterogênea através do

status ocupacional aponta para o fato de que esses indivíduos “compartilham entre

si semelhanças nos atributos psicossociais relacionados à educação, ocupação e renda.” (ibid. p.16)

A classe média brasileira surgiu no cenário nacional a partir da industrialização e consequente urbanização dos anos 1960, promovendo um significativo aumento do poder aquisitivo de uma parcela da população que originalmente apresentava dificuldades financeiras, mas que, em função de sua maior escolarização, conseguiu ascender socialmente transformando-se, assim, em consumidores de bens de prestígio. Esse é um fator determinante na construção da identidade desse grupo, que cada vez mais procura se distanciar das suas origens pelo seu estilo de vida.

A mudança do cenário econômico dos anos 1970, com significativa queda nas ofertas de empregos qualificados levou a uma queda do poder aquisitivo e mudanças no estilo de vida, mas mais do que isso, levou a classe média a uma redefinição dos seus valores e de sua visão de mundo por meio da aquisição de uma consciência coletiva. “A solidariedade na ação coletiva, a família como foco de segurança, certo desprezo pelo supérfluo e por aqueles que „podem esbanjar‟ caracterizam essa nova visão.” (ibid., p. 20)

A mobilidade social possibilitou que os grupos médios, em ascensão social, passassem a adotar um estilo de vida muito próximo dos estratos superiores que eram tomados como parâmetro e aos quais desejavam pertencer.

Em maior ou menor grau, dependendo do poder aquisitivo, foram adotando um estilo de vida difundido pela classe média-alta. Essas normas de comportamento foram sendo implementadas nas suas

vidas e na preparação de seus filhos para seguir a trajetória ascendente. (ibid., p. 52)

Enquanto os estratos superiores se empenhavam na obtenção de titulação universitária, a classe média-média, por não conseguir se diferenciar da mesma maneira, buscava sua valoração social por meio da dedicação ao trabalho e de um estilo de vida representado pelas trocas constantes de carro, viagens, boas escolas para os filhos, títulos universitários etc.

Ao mesmo tempo em que consolidava seu espaço social, a classe média- média fez questão de se distanciar cada vez mais dos grupos referenciados como estrato inferior e aos quais de fato pertenciam.

Assim, a classe média-alta adotava as normas e os valores da classe alta e procurava implementar um estilo de vida distinto da classe média-média. Essa, por sua vez, buscava um padrão de vida semelhante ao da classe média-alta a fim de elevar sua valoração em relação à classe média-baixa. (ibid., p. 53)

Em função dessa estratificação por status a classe média-média se viu ameaçada pela perda do poder aquisitivo decorrente da crise econômica de meados dos anos 1970, levando-a a um sentimento de insegurança e, principalmente, ao medo da queda da sua posição na estrutura social.

Os valores e as normas de comportamento anteriormente adquiridos já não serviam mais como parâmetro, daí a necessidade de se abandonar o estilo de vida referenciado nos estratos mais altos. Assim, a classe média-média passou a adotar um estilo de vida mais próximo aos dos seus pares, demonstrando, no entanto, um ressentimento pela privação de um padrão melhor de vida. “O „grupo de referência de pertencimento‟ (membership reference group) transformou-se no parâmetro para a reconstrução da identidade social.” (ibid., p. 55)

As novas formas de pensar e agir não significaram o abandono do desejo de ascensão, mas aproximou os diferentes estratos da classe média na defesa de interesses comuns: preocupação com valores antigos e essenciais, saúde, natureza, educação etc.

Observamos que no período de desenvolvimento econômico a classe média alcançou um equilíbrio entre seu status social e sua posição econômica; já no período de crise essa situação se alterou completamente em função da

desvalorização da sua condição econômica, fazendo com que se modificasse também o seu comportamento político.

Se no primeiro período a classe média, pelas suas posições políticas, contribuiu para a estabilização social, no período de crise econômica caracterizado pela desvalorização financeira emergiu “um período de discrepância de status” transformando-a “num ator político ressentido, aprofundando o cenário de instabilidade.” (ibid., p.57). Decorre daí a necessidade de desenvolver mecanismos próprios de organização e participação no sentido de construção de um novo status (convergência entre status social e posição econômica).

Assim, de acordo com a autora, podemos notar “Novas experiências que se registram na sua memória social e refletem-se ao nível da sua consciência, tornando possível a mobilização dos esquemas de defesa de seus interesses coletivos quando isso se fizer necessário.” (ibid., p. 58)

Considerando a breve caracterização da classe média brasileira e o necessário aprofundamento na compreensão da constituição desse grupo social, passaremos, na sequência, a analisar como a classe média brasileira se constituiu historicamente.

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